Os apóstolos ensinavam a Igreja a guardar a Lei?

Você citou um versículo (Atos 15:21) fora do contexto. “Porque Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados”. Os apóstolos não estavam incentivando a guarda da Lei, mesmo porque se incentivassem estariam indo contra o ensino de Romanos, Gálatas, Hebreus e outros.

“Sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado... pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão... Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las. E é evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé. Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá. Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” (Gálatas 2:16, 21; 3:10-13).

Voltando para a passagem de sua dúvida, em Atos 15 havia surgido uma celeuma entre judeus e gentios convertidos acerca de preceitos da lei como circuncisão, alimentos, ordenanças etc. Todo o argumento de Pedro é no sentido de demonstrar que a Lei já não tinha mais lugar na atual dispensação da graça de Deus, porque, como Paulo explicaria mais tarde em Romanos, ninguém era capaz de guardar a Lei: “Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam suportar, nem nós?” (Atos 15:10).

Pedro conclui seu discurso dizendo: “Pelo que, julgo eu, não devemos perturbar aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus, mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, bem como das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue. Porque Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados” (Atos 15:19-21).

Repare que a questão era de evitar ao máximo que os judeus ficassem escandalizados pela liberdade dos gentios, e o argumento para que alguns pontos da Lei fossem ali adotados entre os gentios tinha apenas o sentido de evitar escândalos e contendas. Isso Pedro faz mencionando que “Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados”.

Ou seja, aqueles cristãos estavam vivendo em uma cultura bastante influenciada pelo judaísmo onde a Lei de Moisés era pregada nas sinagogas dos judeus, portanto para que os gentios convertidos não escandalizassem os judeus que se convertiam, deviam se abster da carne sacrificada aos ídolos, animais sufocados etc. O objetivo claro disso era não escandalizar, algo que Paulo vai discorrer melhor em Romanos 14 quando fala dos que comem e dos que não comem. Quando o apego ao judaísmo se tornou excessivo por parte dos hebreus convertidos foi preciso o Espírito dar a eles a epístola aos Hebreus, mostrando que deviam romper com tudo o que dizia respeito ao arraial judaico.

Sua dúvida surgiu também porque você leu no Antigo Testamento que a aliança com seria perpétua e eterna (Gn 17:7-19), mantida de geração em geração. Porém depois você fala da Lei, dada no Monte Sinai, como se fosse a mesma aliança perpétua, mas acredito que você esteja misturando as coisas. Uma coisa foi a aliança feita com Abraão e a promessa da descendência de fé. Outra foi a Lei dada a Israel, um povo que se propôs a guardar tudo o que o Senhor mandasse (o que demonstrava excessiva autoconfiança).

Então você citou Isaías 59:21 como se a passagem embrulhasse as duas coisas em um mesmo pacote, esquecendo-se de citar o versículo anterior que demonstra ser uma ordem específica para o povo de Sião, ou seja, o povo de Jacó que se converterá no futuro, por ocasião do estabelecimento do reino milenial de Cristo na terra.

“Virá o Redentor a Sião e aos de Jacó que se converterem, diz o Senhor. Quanto a mim, esta é a minha aliança com eles, diz o Senhor: o meu Espírito, que está sobre ti, e as minhas palavras, que pus na tua boca, não se apartarão dela, nem da de teus filhos, nem da dos filhos de teus filhos, não se apartarão desde agora e para todo o sempre, diz o Senhor” (Is:19-20).

Você não entenderá a Bíblia se não entender as dispensações e que Deus tem dois povos: Israel e Igreja. São povos distintos. Sugiro que ouça um estudo bem completo sobre as dispensações no endereço http://www.conferenciasbiblicas.com.br/estudos/Dispensacoes/ e acompanhe a tradução do livro sobre o mesmo assunto em http://www.dispensacao.blogspot.com/

Hoje Deus não está tratando com Israel, mas com a Igreja sobre o princípio de uma nova criação. Quando Cristo morreu, morreu também o último Adão, ou seja, o homem na carne. Quando Cristo ressuscitou ele surgiu como o segundo homem, o protótipo ou primícias de uma nova raça humana que nada tem a ver com a linhagem de Adão. É nesta nova raça que o cristão está. Quando a igreja for tirada da terra Deus voltará a tratar com Israel e assim será durante o Milênio — o Reino de Cristo na terra — que terá um retorno às práticas da Lei e do Antigo Testamento, do qual o reino de Salomão foi uma figura.

A questão que importa para nós é saber que a Lei nunca acabará, porém o que acabou foi o homem para o qual a Lei foi dada, isto é, o homem na carne. E na nova criação não temos mais o compromisso com a Lei dada para o velho homem.