Os filhos não devem pagar pelos pecados dos pais?
Sua dúvida é se Davi agiu corretamente quando entregou sete dos filhos de Saul para serem mortos pelos Gibeonitas por causa do pecado cometido por Saul. Para entender a história toda, o capítulo 21 de 2sm relata que ocorreu “uma fome de três anos consecutivos; e Davi consultou ao Senhor, e o Senhor lhe disse: É por causa de Saul e da sua casa sanguinária, porque matou os gibeonitas” (2 Samuel 21:1). Ao consultar o Senhor da razão da fome Davi agiu corretamente. Ao não consultar o Senhor quanto ao que devia fazer Davi errou.
Para entender a história precisamos voltar ao episódio envolvendo uma artimanha dos gibeonitas para evitar que fossem dizimados por Israel. Josué 9:1-27 revela que, quando os gibeonitas perceberam que todos os outros povos estavam sendo erradicados da terra prometida a Israel, montaram um esquema para enganar os israelitas. Eles enviaram homens ao encontro de Josué, que se identificaram como embaixadores de uma terra distante. Para que isso parecesse verdade, eles levavam em seus animais sacos de pães velhos e embolorados, odres remendados, calçavam sandálias gastas e vestiam roupas velhas. Tudo para parecer que tinham viajado muitos dias para chegarem ali, vindos de uma terra distante daquela que Deus havia prometido a Israel. Eles pediram a Josué que fizesse uma aliança e se dispuseram a servir a Israel.
Josué nem consultou o Senhor. Decidiu considerando apenas as aparências e fez aliança com aquele povo mediante juramento. “Então os homens de Israel tomaram da provisão deles e não pediram conselho ao Senhor. E Josué fez paz com eles, e fez um acordo com eles, que lhes daria a vida; e os príncipes da congregação lhes prestaram juramento” (Josué 9:14-15). Porém, três dias mais tarde, os israelitas chegaram às cidades dos gibeonitas e viram que tinham sido enganados. “E os filhos de Israel não os feriram, porquanto os príncipes da congregação lhes juraram pelo Senhor Deus de Israel” (Josué 9:18).
Por causa do juramento feito diante do Senhor, nenhum israelita poderia tocar nos gibeonitas. Todavia Josué determinou que aquele povo serviria a Israel, rachando lenha e tirando água para a casa de Deus, e assim foi. E assim chegamos ao capítulo 21, razão de sua dúvida. Saul, em seu zelo sem entendimento, não levou em consideração o juramento de Josué e desprezou a proteção que este havia garantido aos gibeonitas. Por isso os atacou e matou a muitos. Agora, no reinado de Davi, Deus traz à tona o pecado de Saul castigando o povo de Israel com “uma fome de três anos” (2 Samuel 21:1).
Alguém poderia perguntar por que Deus não trouxe a fome ainda nos dias de Saul, mas talvez seja porque Saul nunca entenderia a razão e nem consultaria o Senhor, como faz Davi aqui: “Davi consultou ao Senhor, e o Senhor lhe disse: É por causa de Saul e da sua casa sanguinária, porque matou os gibeonitas” (2 Samuel 21:1) Isto também nos ensina que todo pecado traz consequências, algumas imediatas, outras a longo prazo. Mas antes que você pense que Davi estava em total sintonia com Deus, lembre-se de que ele era um homem como qualquer um de nós, sujeito a muitas falhas. E agora Davi falha uma vez mais.
Ao invés de consultar o Senhor quanto ao que deveria ser feito para reparar o dano que Saul causou aos gibeonitas, Davi consulta justamente os gibeonitas! Por mais que estivessem sob a proteção de um juramento feito muito tempo antes, eles continuavam a ser um povo estranho a Israel e ao seu Deus.
Os gibeonitas mais uma vez agem de forma ladina, revelando não estarem interessados em riquezas: “Não é por prata nem ouro que temos questão com Saul e com sua casa; nem tampouco pretendemos matar pessoa alguma em Israel” (2 Samuel 21:4). Ao dizerem isto eles parecem ser honestos, e fazem Davi baixar a guarda e ficar vulnerável ao engano. É muito fácil um cristão ser levado na conversa por alguém que demonstra um certo grau de moralidade e respeito, sem perceber que essa atitude pode esconder um erro muito mais grave.
Muitos cristãos hoje, alarmados com o descaramento e falta de pudor dos pregadores da prosperidade, ávidos em sua ganância de extrair dinheiro dos fiéis, acabam abandonando as denominações neopentecostais para se filiarem a religiões de aparência mais honesta e conservadora. Todavia algumas escondem doutrinas muito mais malignas do que a ganância, doutrinas essas que comprometem a divindade da Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo. Geralmente essas doutrinas não apenas negam a divindade de Jesus, mas também a salvação pela graça e a certeza de vida eterna pela fé em Jesus. Todas estas verdades são muito claras nas Escrituras para quem tem o coração aberto para recebê-las.
Os gibeonitas continuam revelando qual seria o desejo deles de reparação, incluindo o nome do Senhor nisso como forma de fazer Davi pensar que tivessem qualquer consideração neste sentido. “Para que os enforquemos ao Senhor”, dizem eles:
“O homem que nos destruiu, e intentou contra nós de modo que fôssemos assolados, sem que pudéssemos subsistir em termo algum de Israel, de seus filhos se nos deem sete homens, para que os enforquemos ao Senhor em Gibeá de Saul, o eleito do Senhor. E disse o rei: Eu os darei. Porém o rei poupou a Mefibosete, filho de Jônatas, filho de Saul, por causa do juramento do Senhor, que entre eles houvera, entre Davi e Jônatas, filho de Saul... [Mas tomou os filhos de Saul] e os entregou na mão dos gibeonitas, os quais os enforcaram no monte, perante o Senhor” (2 Samuel 21:5-9).
A Lei dada por Deus a Moisés era muito clara: “Os pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada um morrerá pelo seu pecado” (Deuteronômio 24:16). Se Davi tivesse consultado a Palavra de Deus teria dito: “Sinto muito, gibeonitas, mas o que vocês pedem é contrário à vontade de Deus”. Davi se esqueceu também de um juramento que fez a Saul, quando este disse: “Jura-me pelo Senhor que não desarraigarás a minha descendência depois de mim, nem desfarás o meu nome da casa de meu pai. Então jurou Davi a Saul” (1 Samuel 24:21-22). Embora tivesse poupado a Mefibosete, Davi fez isso por causa do juramento feito a Jônatas, mas o juramento feito a Saul ele desprezou totalmente. Juntando tudo, existem algumas lições a serem aprendidas aqui.
Primeira lição, “não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça” (João 7:24). Os israelitas liderados por Josué julgaram a questão dos gibeonitas pela aparência e ficaram comprometidos com ele para sempre pelo juramento que fizeram.
A segunda lição é: “A ninguém imponhas precipitadamente as mãos” (1 Timóteo 5:22) (impor as mãos significa ter comunhão ou aprovar algo) e “Laço é para o homem dizer precipitadamente: É santo; e, feitos os votos, então, inquirir” (Provérbios 20:25). É comum ficarmos animados com alguma coisa e afirmarmos precipitadamente que aquilo é correto, ou que uma determinada pessoa é honesta e boa, para depois percebermos nosso erro.
A terceira lição é reconhecermos humildemente nossas limitações: “A glória de Deus está nas coisas encobertas; mas a honra dos reis, está em descobri-las” (Provérbios 25:2). Somente Deus conhece tudo e todos; ao rei humano cabe a responsabilidade de reconhecer que não é onisciente e pesquisar a fundo uma questão antes de decidir. Josué se comprometeu sem antes investigar em maior profundidade a situação.
A quarta lição é jamais nos fiarmos nos conselhos dos incrédulos para as decisões importantes, e estarmos sempre buscando na Palavra de Deus a solução. “Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios... Antes tem o seu prazer na lei do Senhor e na sua lei medita de dia e de noite. Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto no seu tempo; as suas folhas não cairão, e tudo quanto fizer prosperará” (Salmos 1:1-3).
A quinta lição é importante também: “Elias era homem sujeito às mesmas paixões que nós” (Tiago 5:17). Repare que Tiago está falando de um grande profeta de Israel que era feito da mesma matéria que cada um de nós, portanto sujeito aos mesmos erros e paixões. Não é porque um personagem bíblico fez algo que aquilo deve ser considerado correto para ser imitado. É sempre importante verificar o contexto e também comparar aquilo que ele fez com os mandamentos de Deus. Todos eles erraram, exceto o Homem perfeito, Jesus, o Filho de Deus, que nunca pecou e seria incapaz de pecar.