A luta de Jacó nos ensina a lutarmos por nossos sonhos?

Na época de minha conversão, agarrei-me a uma Bíblia que ganhara tempos antes. Era uma edição católica, de capa verde, que eu nem imaginava como deveria ser lida. Eu grifava tudo que achava importante e hoje vejo nela páginas inteiras grifadas. Também costumava abri-la a esmo e, de olhos fechados, colocar o dedo em alguma parte para ver o que Deus queria que eu fizesse. Felizmente o meu dedo nunca apontou para Mateus 27:5, que, referindo-se a Judas, diz: “E ele... retirou-se e foi-se enforcar”.

Mas era assim mesmo que eu via a Bíblia: um livro mágico de adivinhações, uma espécie de Tarô cristão, um horóscopo encadernado, uma caixa de biscoitos da sorte de restaurante japonês ou gaveta de realejo de onde o papagaio tira bilhetinhos com frases motivacionais. Infelizmente muitos ainda a enxergam assim e não é raro ver palestrantes motivacionais citando seus versículos e tentando fazê-los encaixar nas situações mais diversas da vida.

Sou palestrante empresarial, mas não costumo usar passagens da Bíblia em minhas palestras. Se usasse precisaria começar por aquelas que dizem que o homem é pecador e precisa crer em Cristo para ser salvo a fim de escapar de uma eternidade no lago de fogo. Afinal, a mensagem do Evangelho — crer em Cristo, que morreu para levar nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação — é o ponto de partida de um relacionamento com Deus. Mas se fizesse isso não acredito que meu cliente ficaria contente ou que a palestra teria sucesso entre os participantes. O verdadeiro evangelho não é nem um pouco motivacional para um incrédulo. Mas sei de palestrantes que usam a Bíblia e até fazem orações no meio de suas palestras na tentativa de amalgamarem os crentes e incrédulos, cristãos e pagãos da audiência, numa só irmandade.

As passagens que esses palestrantes utilizam geralmente são aquelas que a Palavra de Deus dirige aos que já foram salvos. Pode ser até prejudicial tentar encaixá-las na vida de um pecador ainda perdido em seus pecados e destinado ao lago de fogo, porque vai fazer com que ele acredite que pode seguir em sua rebelião contra Deus que será ajudado assim mesmo. Isso é tão perverso quanto um médico receitar café com leite para um paciente com câncer.

A Bíblia tem sim muitas passagens encorajadoras e motivadoras para a vida cristã, mas, como eu já disse, elas não são dirigidas ao velho homem morto em seus delitos e pecados. Portanto nem pense em gastar seu dinheiro em comprar livros que usam a Bíblia para ensinar a administrar sua empresa, vencer na vida, vender mais, ou correr atrás de seus sonhos. Vamos deixar que a própria Bíblia explique a razão de não se tentar fazer isso: “Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos” (Isaías 55:9).

Se você acha que estou exagerando, saiba que alguém já me perguntou se a passagem de Filipenses 2:13, que diz que “Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar” poderia ser usada por um homossexual para justificar seu desejo de ter relações com algum do mesmo sexo. Se Deus é quem opera em mim o querer e o fazer, então já não haveria nada de errado em querer ou fazer algo assim. Outro, que se dizia cristão, chegou ao cúmulo de dizer que agora não era mais responsável por seus atos, porque tudo o que ele fazia era Cristo quem estaria fazendo. Sua justificativa estava nesta passagem: “Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:20).

Portanto, não fique aí acreditando que frases como “Somos mais que vencedores” (Romanos 8:37) valem para qualquer pessoa ou situação. Nem deixe de tomar vacina só porque leu no Salmos 91 que “não terás medo... da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio dia”, e nem pense em caminhar em meio a um tiroteio entre facções rivais com sua Bíblia aberta no versículo 7 do mesmo Salmo, que diz: “Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti” (Salmos 91:6-7).

Aparentemente você ouviu alguém pregar que a luta de Jacó em Gênesis 32:22-32 seria uma lição para nós corrermos atrás de nossos sonhos e objetivos, e nunca desistirmos. Muitos usam estas e outras passagens da Bíblia como se esta fosse um livro motivacional e a vontade do homem o centro de tudo. Na passagem Jacó tem um encontro com “um homem” logo após ter realizado mais um de seus estratagemas. Jacó era cheio de esquemas e confiança própria e não economizava esforços para fazer as coisas acontecerem do jeito que ele queria e para ganho próprio. Se Jacó fosse brasileiro vivendo em nossos dias diríamos que seguia a “Lei de Gérson”, pois iria querer levar vantagem em tudo. Vamos à passagem:

“...ficando ele só, lutava com ele um homem, até ao romper do dia. Vendo este que não podia com ele, tocou-lhe na articulação da coxa; deslocou-se a junta da coxa de Jacó, na luta com o homem. Disse este: Deixa-me ir, pois já rompeu o dia. Respondeu Jacó: Não te deixarei ir se me não abençoares. Perguntou-lhe, pois: Como te chamas? Ele respondeu: Jacó. Então, disse: Já não te chamarás Jacó, e sim Israel, pois como príncipe lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste. Tornou Jacó: Dize, rogo-te, como te chamas? Respondeu ele: Por que perguntas pelo meu nome? E o abençoou ali. Àquele lugar chamou Jacó Peniel, pois disse: Vi a Deus face a face, e a minha vida foi salva. Nasceu-lhe o sol, quando ele atravessava Peniel; e manquejava de uma coxa” (Gênesis 32:24-31).

A passagem traz detalhes que nos ajudam a compreendê-la, isto se tivermos em mente essa personalidade ladina, teimosa e rebelde de Jacó. Será preciso você ler os capítulos anteriores para entender melhor quem era esse homem. Deus precisava quebrá-lo e mudar seu nome se quisesse utilizá-lo para sua própria bênção e de muitas outras pessoas, e é isso que acontece na passagem da luta. Ali diz que ele lutou com “um homem”, mas do profeta Oseias aprendemos que Jacó “no ventre pegou do calcanhar de seu irmão, e na sua força lutou com Deus. Lutou com o anjo, e prevaleceu; chorou, e lhe suplicou; em Betel o achou” (Os 12:3-4). Esse anjo era o próprio Senhor Jeová, o mesmo Jesus que hoje conhecemos.

O Senhor apareceu algumas vezes em ocasiões especiais no Antigo Testamento, como nesta passagem para tratar com Jacó, e também naquela em que é acompanhado de dois anjos e visita Abraão antes de lançar um juízo sobre Sodoma e Gomorra. Assim como irá acontecer com Jacó, um pouco antes Deus havia mudado o nome de Abrão para Abraão, trazendo um novo significado e propósito em sua vida depois de ter experimentado um encontro pessoal com o Senhor. Nas melhores traduções, quando você encontrar “um anjo do Senhor” está falando de anjo mesmo, porém quando encontrar “o anjo do Senhor” está falando de uma aparição visível e tangível do próprio Senhor.

Em sua luta com o Senhor, Jacó ganhou e perdeu. Digo que perdeu porque foi colocado a nocaute quando o Senhor deslocou a junta de sua coxa. Quem já passou por algo assim ou viu alguém passar sabe que a dor do deslocamento da junta de um membro faz a pessoa chorar. Quando a passagem diz que “vendo este [o Senhor] que não podia com ele [Jacó]” eu não interpretaria como uma incapacidade de Deus de lutar com Jacó, porque seria um absurdo achar que Jacó era mais forte do que Deus. Eu interpretaria como uma incapacidade, sim, de Deus controlar tamanha teimosia e vontade própria daquele homem se quisesse utilizá-lo em seus planos. Se Deus quisesse abençoar Jacó e fazer dele uma bênção para muitos iria precisar antes quebrá-lo, nocautear sua vontade própria.

Portanto, em seu encontro com Deus Jacó perdeu a luta, fisicamente falando, mas saiu vencedor, espiritualmente falando. Séculos mais tarde o Senhor precisou fazer algo parecido com Simão Pedro, o teimoso discípulo que dizia estar pronto para ir até à morte pelo seu Mestre, sacando da espada e cortando orelhas quando fosse preciso. Bastou ele encontrar uma simples serva para negar que conhecia Jesus. Depois Paulo aprendeu também de maneira semelhante a Jacó, que precisaria “mancar” pelo resto de sua vida para não se gloriar na sua própria capacidade e ser um vaso útil nas mãos de Deus. Ele escreveu:

“Para que não me exaltasse pela excelência das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de não me exaltar. Acerca do qual três vezes orei ao Senhor para que se desviasse de mim. E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte” (2 Coríntios 12:7-10).

O nome “Jacó” pode significar tanto “aquele que segura o calcanhar”, que foi o que aconteceu no ventre de sua mãe na luta com seu irmão gêmeo, como também “suplantador”. Mas por seu comportamento e personalidade cabe-lhe bem outra interpretação que costuma ser dada ao seu nome como “enganador”, pois era isso que ele naturalmente era. Hoje ele seria chamado de “salafrário”, “trapaceiro”, “vigarista”, “golpista” ou “estelionatário”. Por isso Deus precisou dar a ele um novo nome, assim como fez com Abrão, que virou Abraão, Simão, que virou Pedro, ou Saulo, que virou Paulo. Jacó foi chamado, por Deus, de Israel, que significa “Deus prevalece”.

Esta é a lição que aprendemos de Jacó em sua luta com o Senhor, e não aquela que tenta fazer dele um campeão de persistência em busca de seus próprios sonhos. A menos que você tenha o seu caráter mudado, você não será usado por Deus. Mas essa mudança pode ser tão dolorosa ou mais que o deslocamento de uma junta. Pessoas teimosas, obstinadas e presunçosas não servem nas mãos de Deus. Ou elas são quebradas ou deixadas de lado. Felizmente para Jacó, Deus achou melhor quebrá-lo literalmente, deslocando a junta de sua coxa. A partir daquele dia ele não seria campeão em nenhuma maratona e nem mesmo seu andar seria bonito de se ver, mas nunca se esqueceria de que “Deus prevalece”.

Que Jacó sabia muito bem com quem tinha lutado fica claro no que ele diz: “E chamou Jacó o nome daquele lugar Peniel, porque dizia: Tenho visto a Deus face a face, e a minha alma foi salva” (Gênesis 32:30). Ainda que saísse chamuscado daquele encontro com o mesmo Deus que é “fogo consumidor” (Hebreus 12:29), Jacó descobriu também que “Deus é amor” (1 João 4:8), e seu desejo é antes de tudo salvar, não destruir. Por isso Jesus é profetizado em sua primeira vinda como aquele que não esmagaria a cana quebrada e nem pisaria o morrão que fumega. A profecia original está em Isaías 42:3 e foi dita setecentos anos de seu cumprimento mencionado no Evangelho de Mateus 12:20.

A própria impressão que Jacó tinha de Deus havia mudado. Algum tempo antes ele tinha visto em sonho “uma escada posta na terra, cujo topo tocava nos céus” (Gênesis 28:12) e chegou a concluir que “na verdade o Senhor está neste lugar; e eu não o sabia. E temeu, e disse: Quão terrível é este lugar! Este não é outro lugar senão a casa de Deus; e esta é a porta dos céus” (Gênesis 28:16-17). Antes de ter um encontro pessoal com Cristo qualquer um acha que a presença de Deus ou “a porta dos céus” é um lugar “terrível”, pois a pessoa teme perder sua independência. É só depois de ser quebrantado e entender a obra da redenção que você descobre que terríveis mesmo são “as portas do hades” (Mateus 16:18), pois se morrer sem ter tido um encontro pessoal com Cristo, sua condenação será certa e para sempre.

O episódio de Jacó lutando com Deus traz mais algumas lições. Primeiro, que para lidar diretamente com o homem, Deus precisaria se fazer homem. Repare que a passagem não começa dizendo que Jacó lutou com Deus, mas com “um homem”. Segundo, como já foi dito, que o primeiro pensamento de Deus para conosco é de bênção e não de condenação. Terceiro, que nossa obsessão, obstinação e teimosia na busca pela realização de nossos sonhos por meio de nossos próprios passos não levam a nada, mas que a bênção está em nos rendermos incondicionalmente a Cristo e sermos guiados por ele. Quarto, que é só nos agarrando a Cristo que podemos ter dele a garantia de bênção. Jacó não quis largar o Senhor, dizendo: “Não te deixarei ir, se não me abençoares” (Gênesis 32:26). É significativo que este diálogo tenha acontecido quando “já a alva subiu” (Gênesis 32:25), para mostrar que um novo dia raiava na vida de Jacó. E “se alguém está em Cristo, é uma nova criação” (2 Coríntios 5:17).

Agora sim Deus podia falar de Jacó como falou através do profeta Isaías, começando primeiro a falar do Cristo que viria, para então mostrar a nova posição em que Jacó se encontrava. “Eis aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em quem se apraz a minha alma; pus o meu espírito sobre ele; ele trará justiça aos gentios. Não clamará, não se exaltará, nem fará ouvir a sua voz na praça. A cana trilhada não quebrará, nem apagará o pavio que fumega; com verdade trará justiça”. Então o profeta Isaías segue falando da missão do Cristo “para abrir os olhos dos cegos, para tirar da prisão os presos, e do cárcere os que jazem em trevas” (Isaías 42:7), e no capítulo seguinte faz esta maravilhosa declaração acerca de Jacó:

“Mas agora, assim diz o Senhor que te criou, ó Jacó, e que te formou, ó Israel: Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu. Quando passares pelas águas estarei contigo, e quando pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti. Porque eu sou o Senhor teu Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador” (Isaías 43:1-3).

Primeiro precisamos de um Salvador, se quisermos depois ter as bênçãos e misericórdias das muitas passagens bíblicas que são promessas para nós. E você, já pode dizer que foi salvo por Cristo, que agora pertence a Deus, ou ainda está lutando com todas as suas forças para alcançar seus sonhos e objetivos em um mundo destinado ao juízo?