Devemos denunciar pessoas, ações e doutrinas?

Você perguntou se, quando um cristão detecta erros e abusos de líderes religiosos, deve direcionar suas denúncias às pessoas, ao seu modo de proceder ou às doutrinas que elas pregam? Tudo depende das circunstâncias, mas em momento algum devemos fazer vista grossa para o erro e ter o comportamento inclusivo e ecumênico de nivelar a verdade pelo mínimo denominador comum. A resposta encontramos na maneira como o Senhor tratou com os fariseus nos evangelhos e os apóstolos trataram com pecadores e hereges em Atos e nas epístolas. Eventualmente denunciavam as pessoas, suas ações ou suas doutrinas, dependendo da situação.

É preciso entender que o pecado, seja qual for, deve sempre ser tratado primeiramente entre a pessoa que pecou e aquela que detectou o pecado. É triste quando denunciamos publicamente um pecado de alguém antes de tratar isso com a pessoa que pecou. Até mesmo o herege deve ser advertido antes de ser notado, todavia sua doutrina deve sim ser denunciada para a proteção daqueles que possam estar sendo engodados pelo erro. A experiência demonstra que é muito mais fácil alguém que caiu em pecado moral se arrepender e ser restaurado, do que alguém que professe má doutrina e busque seguidores.

Em Coríntios aprendemos que aqueles em pecado moral devem ser disciplinados pela assembleia e colocado fora da comunhão, e os irmãos não devem nem sequer comer com eles, ainda que não sejam proibidos de comer e se relacionar com os incrédulos.

“Já por carta vos tenho escrito, que não vos associeis com os que se prostituem; isto não quer dizer absolutamente com os devassos deste mundo, ou com os avarentos, ou com os roubadores, ou com os idólatras; porque então vos seria necessário sair do mundo. Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais. Porque, que tenho eu em julgar também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro? Mas Deus julga os que estão de fora. Tirai, pois, dentre vós a esse iníquo” (1 Coríntios 5:9-13).

Também aprendemos da Palavra que os irmãos não devem sequer saudar aquele que traz má doutrina, embora obviamente podemos continuar cumprimentando os incrédulos.

“Porque já muitos enganadores entraram no mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne [Isaíasto significa não confessar a divindade de Cristo]. Este tal é o enganador e o anticristo... Todo aquele que prevarica, e não persevera na doutrina de Cristo, não tem a Deus. Quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto ao Pai como ao Filho. Se alguém vem ter convosco, e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem tampouco o saudeis. Porque quem o saúda tem parte nas suas más obras” (2 João 1:7-11).

Também em 2 Tessalonicenses 3:14 aprendemos que aquele que não anda segundo a sã doutrina, seja por ações, pelo seu modo de vida ou pelas coisas que professa, deve ser publicamente notado e não devemos ter qualquer tipo de relacionamento com ele, para que se envergonhe. “Mas, se alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai o tal, e não vos mistureis com ele, para que se envergonhe” (2 Tessalonicenses 3:14). Um caso do modo como os irmãos de Corinto lidaram com a disciplina de um em pecado pode ser vista nesta passagem: “Basta-lhe ao tal esta repreensão feita por muitos. De maneira que pelo contrário deveis antes perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja de modo algum devorado de demasiada tristeza. Por isso vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor” (2 Coríntios 2:6-8). A passagem mostra que houve mudança no tratamento e uma repreensão “feita por muitos”, mas que a finalidade disso era o perdão, consolação e amor.

Essas instruções são grandemente negligenciadas hoje na cristandade com a desculpa de que devemos dar maior importância ao amor e inclusão. Isso só tem ajudado o “pé de mostarda” e a “massa” a crescerem (Mateus 13:31-33), porém não pela ação do Espírito, mas pela ação da má doutrina e do pecado para o qual se faz vista grossa. Repare que na parábola do grão de mostarda a ideia de “inclusão” permitiu que as aves, que um pouco antes são identificadas como agentes de Satanás, se aninhassem nos galhos daquele aberrante pé de mostarda que se transformou em uma árvore de crescimento surreal. Repare também que na parábola da massa foi permitido a uma mulher (que é proibida de ensinar em 2 Timóteo 212) introduzir seu fermento (má doutrina, conforme Mateus 16:12), como faz Jezabel em Apocalipse 2:20.

Jamais devemos comprometer a verdade em prol da unidade. Quando verdade e amor aparecem na epístola de João, elas aparecem nesta ordem: primeiro verdade, depois amor. “Graça, misericórdia e paz, da parte de Deus Pai e da do Senhor Jesus Cristo, o Filho do Pai, seja convosco na verdade e amor” (2 João 1:3).

Mas como lidar com alguém que, embora professe fé em Jesus, ande de maneira contrária a essa mesma fé ou — o que é muito pior — procura disseminar sua posição para contaminar outros? Costumamos dar grande importância ao pecado moral e nem sempre a mesma importância ao pecado doutrinal, apesar de vermos nos evangelhos o Senhor tratando com maior rigor os fariseus e escribas, do que com os pecadores morais, como a prostituta ou o publicano.

Pode ser fácil julgar um pecado moral, mas nem tanto quando se trata de má doutrina ou heresias (espírito faccioso), porque o herege não acha que está pecando, enquanto o imoral tem certeza disso até porque o que fez vai contra os valores que recebeu de berço, mesmo que tenha sido criado em uma família incrédula. Qualquer denúncia ou tratamento de má doutrina ou pecado deve ser tratada tendo-se em mente a glória de Deus, e não o massacre do que pecou. Devemos agir no Espírito em qualquer caso, lembrando disto:

“E já vos esquecestes da exortação que argumenta convosco como filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, e não desmaies quando por ele fores repreendido; porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos. Além do que, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos? Porque aqueles, na verdade, por um pouco de tempo, nos corrigiam como bem lhes parecia; mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade. E, na verdade, toda a correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela” (Hebreus 12:5-11).