Até onde cristãos devem interferir na política?
Uma coisa muito mal compreendida por cristãos hoje é a noção da autoridade. O cristão pode até ter suas preferências e opiniões, mas jamais deve se opor, desonrar ou caluniar uma autoridade, e isto é muito claro na Palavra de Deus. Romanos 13:1-2 diz: “Toda a alma esteja sujeita às potestades superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus. Por isso QUEM RESISTE À POTESTADE RESISTE À ORDENAÇÃO DE DEUS”.
Sabe aquela mensagem que você postou descendo a boca no Presidente, no Juiz, no Delegado, na professora, etc.? Você desceu a boca em Deus, que os colocou naquele posto! O que fazer então quando um governo é mau e corrupto? Você quer dizer alguém tipo Nero nos tempos dos apóstolos? Hmmm... vamos ver o que os cristãos daquela época faziam... Ah, descobri! Sabe o que eles faziam? Nada! Apenas oravam, porque é isso que nos é dito para fazermos. E não é oração para a queda de um governo, a prosperidade do país, a redução do desemprego e o aumento das exportações. Então oramos para quê?
Ainda bem que perguntou. Aqui vai: “Admoesto-te, pois, antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões, e ações de graças, por todos os homens; pelos reis, e por todos os que estão em eminência, PARA QUE TENHAMOS UMA VIDA QUIETA E SOSSEGADA, EM TODA A PIEDADE E HONESTIDADE” (1 Timóteo 2:1).
Por esta você não esperava, né? Você deve orar pelos governantes apenas para que nós cristãos tenhamos uma vida quieta e sossegada em toda a piedade e honestidade. Sabe o que é o oposto de “uma vida quieta e sossegada em toda a piedade e honestidade”? Uma vida de luta e manifestações contra os poderes constituídos. Ou seja, você deve orar, não para que os governantes sejam piedosos e honestos, mas para que no final das contas VOCÊ seja assim!
Sabe por que é tão difícil cristãos entenderem isso? Porque herdaram do catolicismo romano e do protestantismo a noção de que caberia ao cristão colocar o mundo em ordem para Cristo vir depois estabelecer o seu reino. Isso fez com que a cristandade durante séculos seguisse o curso das perseguições, torturas e mortes dos não cristãos. Você estudou História, deve saber.
Após Constantino os cristãos também passaram a ser responsáveis pela guerra e pela paz. Celso (filósofo grego anticristão) já questionava, de forma veemente, se os cristãos, por sua indiferença à sociedade, estariam querendo assim aumentar o poder político dos selvagens bárbaros. Seu questionamento fez os cristãos da época caírem como patinhos na conversa. Daquele momento em diante eles se acharam na obrigação de escolher entre o testemunho do evangelho, “que incluía a renúncia à violência, e a participação responsável no poder político, o que foi entendido como um ato de amor para com o mundo”.
A Epístola de Agostinho de Hipona a Marcelino é o exemplo mais influente desse “novo tipo de interpretação”, como escreve Ulrich Luz em seu livro “Mathew in History”. “No início do cristianismo, a justificativa de Santo Agostinho da legitimidade da guerra sob certas condições específicas era amplamente aceita. Todavia a guerra não era considerada uma atividade virtuosa” (“Religious War” em Wikipedia). Em sua carta Agostinho induz Marcelino a entender Lucas 6:29 como algo restrito a uma questão entre duas pessoas, quando o “dar a outra face” teria o objetivo de converter o outro, o que não seria o caso numa guerra. “Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra; e ao que te houver tirado a capa, nem a túnica recuses”. Essa interpretação feita numa época em que Igreja tinha forte influência sobre o Império foi a que acabou prevalecendo na cristandade.
Então podemos considerar que foi nos tempos de Agostinho de Hipona que a Igreja deu essa guinada em direção ao que mais tarde o Papa Urbano II chamaria de “bellum sacrum” (“guerra santa”) e resultaria nos séculos de domínio militar patrocinado pela Igreja. Agostinho viveu uns 300 anos antes de Maomé, portanto ninguém pode culpar os muçulmanos por essa “inovação” da jihad. Agora quando um jihadista metralhar dúzias de inocentes lembre-se de que foram os cristãos que, antes deles, acharam que deviam erradicar do mundo os pecadores. Quiseram fazer aquilo que o Senhor disse para não fazerem: “E os servos lhe disseram: Queres, pois, que vamos arrancá-lo (o joio)? Ele, porém, lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele” (Mateus 13:28-29).
Se você se interessa pela história da degradação do testemunho cristão no mundo sugiro a leitura de “A História da Igreja” de Andrew Miller. Acompanhe as gravações em mp3 do ministério sobre as 7 cartas dos capítulos 2 e 3 de ap no endereço www.reunioescristas.blogspot.com na internet.