Cristãos denominacionais são mais ativos no evangelismo?
Sua dúvida tem a ver com o comentário feito por Bruce Anstey no capítulo 1 de seu livro “Ao Seu Nome”, quando ele diz: “Os que estão nas igrejas evangélicas devem ser vistos como exemplo de diligência no trabalho evangelístico. Na verdade, eles nos fazem ficar envergonhados”. Seria isso um aval para as pessoas congregarem nas denominações? É claro que não, ele está apenas constatando um fato.
Se ler o capítulo todo verá que ele explica bem a razão disso. É não apenas uma questão de números, porque existe mais gente nos sistemas denominacionais do que fora deles, como também de motivação. Nos sistemas religiosos existe um grande esforço dedicado ao evangelismo, não só porque Cristo ordenou que evangelizássemos, mas também porque para se manter uma estrutura denominacional é preciso sempre acrescentar mais gente e, com isso, mais receita vinda de dízimos e ofertas.
Esse esforço evangelístico tem também sua motivação baseada no erro de pensar que evangelização seja uma atividade coletiva da igreja. Por isso os membros desses sistemas recebem encargos evangelísticos que nem sempre são condizentes com o dom que receberam do Senhor, e acabam saindo a contragosto apenas para cumprir as metas que lhes são impostas pela organização. Em alguns casos mais radicais os líderes ameaçam os membros de suas igrejas com a perda da salvação ou colocam em dúvida a fé deles caso não estejam empenhados na evangelização.
A evangelização não foi uma ordenança dada à igreja como um todo, mas inicialmente aos apóstolos do Senhor quando ainda estavam na esfera do judaísmo. O primeiro objetivo evangelístico não era ainda no sentido de pregar que Cristo morreu e ressuscitou e que é preciso crer nele para ser salvo, mas que o Reino de Deus era vindo e os judeus precisavam se arrepender e aceitar seu Messias e Rei. Este era o evangelho inicialmente pregado aos judeus. Mas certamente a ordem de evangelizar também é para cada cristão individualmente na atual dispensação e no tempo da Igreja que se iniciou no dia de Pentecostes em Atos 2. A questão é que evangelismo é uma responsabilidade individual, enquanto a responsabilidade da Igreja coletivamente se apoia sobre quatro pontos: comunhão, doutrina dos apóstolos, ceia do Senhor e oração.
Repare que nas atividades citadas para a assembleia ou igreja você não vê evangelismo: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações” (Atos 2:42). Vá agora ao capítulo 11, dos versículos 19 ao 26, e veja o que os primeiros cristãos faziam por iniciativa própria, ou seja, sem serem enviados por alguma “Junta de Missões”, “Igreja”, “Pastor” ou seja qual for o nome dado aos vários departamentos evangelísticos criados na cristandade. Eles simplesmente saíam evangelizando.
“E os que foram dispersos pela perseguição que sucedeu por causa de Estêvão caminharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus. E havia entre eles alguns homens cíprios e cirenenses, os quais entrando em Antioquia falaram aos gregos, anunciando o Senhor Jesus. E a mão do Senhor era com eles; e grande número creu e se converteu ao Senhor” (Atos 11:19-21).
Quando pessoas se convertiam, dons como o de Barnabé, que era claramente um pastor (não cargo, função ou título, mas dom), ajudavam os novos convertidos a permanecerem no Senhor (vers. 22-24) e dons como o de Paulo (mestre), auxiliado por Barnabé (pastor), se incumbiam de ajudar no crescimento daqueles novos membros do corpo de Cristo (vers. 25-26). Veja que escrevi “membros do corpo de Cristo” e não membros de alguma igreja ou instituição religiosa. Esses dons são dados por Cristo, e não por homens:
“E ele mesmo [Cristo ressuscitado e glorificado] deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo” (Efésios 4:11-12).
Voltando agora à afirmação do autor do livro, de que na cristandade denominacional existem irmãos com dons e com um exercício no evangelho maior até do que aqueles congregados fora das denominações e somente ao nome do Senhor, isso é fácil de explicar. Não reconhecer que irmãos espalhados pelos sistemas religiosos são ativos na pregação do evangelho é não reconhecer os dons, e não reconhecer os dons é não reconhecer o corpo de Cristo. E não reconhecer o corpo é falhar no entendimento de que existem membros desse corpo espalhados pela cristandade que Deus usa muito mais, numericamente falando, do que os que ele usa entre os que estão separados dos sistemas.
Não se esqueça de que mesmo nas denominações o Espírito Santo está agindo, salvando almas por meio daqueles que têm o dom de evangelistas e depois alimentando ali aqueles que são membros do corpo de Cristo por meio dos dons de pastor e mestre. Volto a lembrar que quando digo “pastor” não estou falando de um homem que fez teologia e foi empossado em um cargo de dirigente de congregação por uma junta de homens ou por voto da própria congregação. Em muitas igrejas denominacionais é provável que você encontre no púlpito alguém com o dom de evangelista (e aquela congregação só ouvirá o evangelho e apelos dia após dia), enquanto aquele que verdadeiramente tem o dom de pastor sentado no banco e exercendo seu dom na visita às ovelhas em suas necessidades, porque é isso que um pastor faz. E aquele que tem o dom de mestre igualmente sentado no banco e exercendo seu dom em conversar com irmãos ou por meio de algum blog ou rede social na Web.
É inegável que, mesmo dentro dos sistemas religiosos, o Espírito Santo continua agindo por meio da sua Palavra e pessoas são salvas, consoladas, edificadas e alimentadas. Deus não faria o contrário, porque ele ama os que pertencem a ele. O problema é que muito do alimento que essas ovelhas recebem ali está misturado com os dogmas e erros doutrinários do sistema, mas mesmo assim algum alimento elas recebem. É claro que comeriam muito melhor se saíssem daquele aprisco cercado de muros dogmáticos para congregar reunidos — não mais por cercas, muros e paredes denominacionais —, mas em torno do único centro de reunião que Deus colocou: a própria Pessoa do Pastor das ovelhas, Cristo Jesus. “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mateus 18:20).
No Antigo Testamento, quando ocorreu a divisão entre as tribos de Israel, duas permaneceram no lugar que Deus havia determinado que os israelitas adorassem, ou seja, o lugar onde o Senhor havia colocado o seu Nome, conforme ele prometera em Deuteronômio 12:11: “Então haverá um lugar que escolherá o Senhor vosso Deus para ali fazer habitar o seu nome; ali trareis tudo o que vos ordeno; os vossos holocaustos, e os vossos sacrifícios, e os vossos dízimos, e a oferta alçada da vossa mão, e toda a escolha dos vossos votos que fizerdes ao Senhor”.
Naquele tempo esse lugar era também um lugar físico representado pelo Templo de Jerusalém. Hoje o nome de Jesus continua a ser o centro de reunião onde ele promete estar. Mas naquele tempo dez tribos se separaram e passaram a adorar fora do centro divino de reunião. Todavia mesmo assim Deus não deixou suas ovelhas de então sem alimento.
Você já reparou que dois dos maiores profetas de Israel não estavam no centro divino de reunião (Jerusalém) e nem com as duas tribos que ficaram ali (Judá e Benjamim), mas justamente entre as dez tribos divididas? Eram eles Elias e Eliseu, que reconheciam Israel como um todo (Elias construiu um altar com 12 pedras) e são a prova de que Deus não deixa os seus sem um ministério, mesmo quando estão no lugar errado.