Os cristãos deveriam fazer mais caridade?
Sem dúvida, a caridade faz parte da vida cristã, mas gostaria de pegar um gancho em sua pergunta para tecer alguns comentários sobre isso. Assim como você, também tenho um filho adotivo com paralisia cerebral, hoje com 33 anos (foi adotado aos 4 anos), e assim como você estou bem ciente das necessidades de muitas crianças abandonadas. Porém um grande risco de fazermos alguma caridade é acharmos que todos precisem fazer o mesmo. Achamos que nós somos o padrão a ser seguido. Existe um perigo aí, porque nossa carne é demasiadamente ladina e irá sempre querer comparar nossos feitos com os de nossos irmãos. Muito cuidado porque esse terreno é pura areia movediça.
Quando somos salvos por fé e unicamente pela graça de Deus temos diante de nós obras que Deus preparou para que andássemos nelas, como diz Efésios: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (Efésios 2:8-10).
Essas obras variam de pessoa para pessoa e no final não serei eu ou você quem irá julgar se a obra que alguém fez foi ou não válida. Alguns fazem obras de caridade mais práticas e visíveis, outros se entregam ao ministério da Palavra de forma pública e notória, porém há muitos anônimos que se dedicam a uma vida de oração em segredo e parecem não fazer coisa alguma aos olhos do mundo. Será somente no Tribunal de Cristo (o julgamento, não do crente, mas das obras do crente) que saberemos se construímos com material nobre ou com aquilo que não vai permanecer; se edificamos sobre o fundamento que é Cristo, ou fora dele; se gastamos o tempo com “as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” ou fizemos aquilo que parecia bom aos nossos olhos só para sermos vistos.
“E, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um se manifestará; na verdade o dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo” (1 Coríntios 3:12).
“Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus. Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão [que era serem vistos pelos homens]. Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita; para que a tua esmola seja dada em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, ele mesmo te recompensará publicamente. E, quando orares, não sejas como os hipócritas; pois se comprazem em orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão” (Mateus 6:1-5).
Então tenha sempre cuidado com a soberba que pode vir de fazer alguma obra que você acha boa. Meu pai costumava contar de missionários na África que levaram leite para uma tribo que consideravam subnutridas e muita gente morreu, porque o leite não fazia parte da dieta daquele povo depois que cresciam. Eles não tinham no intestino as bactérias necessárias para processar o leite.
Julgarmos nossas próprias obras como dignas é fazer como o fariseu no Templo, comparava-se ao publicano e se achava mais justo por causa das obras que fazia. Na verdade, ele estava louvando a si mesmo, não a Deus, e foi o publicano quem saiu dali justificado. Elias achava que só ele era fiel a Deus e precisou ouvir que Deus havia reservado 7 mil joelhos que não haviam se curvado a Baal. Foi quando todos os discípulos fugiram diante da condenação e morte de Jesus, e um até negou conhecê-lo, que dois improváveis discípulos, José de Arimateia e Nicodemos, tomaram a dianteira e sepultaram suas carreiras para poderem sepultar Jesus. Quando Pedro ficou curioso por saber o que seria de João, Jesus lhe disse: “Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu” (João 21:22).
É louvável sua preocupação com as crianças abandonadas e deficientes, e também fico feliz por saber que fez algo a respeito. Mas eu jamais diria para alguém adotar uma criança deficiente porque isso é algo que precisa vir de um exercício entre o crente e seu Senhor. E também não posso olhar de cima para baixo para aqueles que não fazem o mesmo. Somente o Senhor poderá dizer se o que fiz foi na carne ou guiado pelo Espírito Santo de Deus. E somente ele poderá também julgar se meu irmão está ou não fazendo as obras que Deus preparou para ele. Gosto de uma frase de John Nelso Darby de uma carta que ele escreveu ao seu editor que o tinha elogiado além da medida:
“Você pode estar certo, além do mais, que nossa vista é muito curta para sermos capazes de julgar o grau de piedade de nosso irmão; não somos capazes de julgar corretamente sem a balança do santuário, e ela está nas mãos daquele que sonda o coração. Não julgue nada antes do tempo, até que o Senhor venha, e torne manifesto os conselhos do coração, e renda a cada um o devido louvor. Até então, não julguemos nossos irmãos, seja para bem seja para mal, senão com a moderação que convém, e lembremo-nos que o melhor e mais certo juízo é aquele que temos de nós mesmos quando consideramos aos outros melhores do que nós... O mais eminente Cristão é um daqueles de quem nunca se ouviu falar, algum pobre trabalhador ou servo, para quem Cristo é tudo, e que faz tudo para ser visto por Ele, e somente por Ele.” - J. N. Darby em “Uma carta sobre louvar homens” - http://manjarcelestial.blogspot.com.br:2009:03/uma-carta-sobre-louvar-homens.html
“Tens tu fé? Tem-na em ti mesmo diante de Deus. Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova. Mas aquele que tem dúvidas, se come está condenado, porque não come por fé; e tudo o que não é de fé é pecado” (Romanos 14:22-23).