Disciplina na assembleia é para condenar quem pecou?

Quando a assembleia precisa agir em disciplina para com alguém que pecou, ela não assume o mesmo papel de um juiz de tribunal, cuja tarefa é condenar o malfeitor e mandá-lo para a prisão. Nem é seu papel determinar diferentes períodos de tempo de afastamento para este ou aquele pecado, como são as penas do código penal. Quando a assembleia julga algum pecado em seu meio, ela o faz com a autoridade do Senhor delegada em Mateus 18, mas principalmente no sentido de restaurar o que pecou.

Os irmãos que cuidam do assunto devem também estar cientes de que cada um ali tem o potencial para cair no mesmo erro. “Porque todos tropeçamos em muitas coisas” (Tiago 3:2). Por isso todo julgamento é uma via de mão dupla, na qual as duas pontas estão sendo julgadas. Se os irmãos procederem mal nesse juízo e disciplina, seja por excesso, seja por negligência, terão de prestar contas ao Senhor da injustiça, se for este o caso, ou da leviandade com que trataram da questão.

Misericórdia é uma das qualidades de nosso Deus que devemos também praticar. Obviamente agrupamentos de cristãos que acham que um verdadeiro crente possa perder a salvação não saberão como agir assim. Ao contrário, sentirão um certo prazer quando o outro cair porque poderá se considerar mais justo e correto. Se seguirem doutrinas que interpretam erroneamente o “pecado para morte” (1 João 5:16), que na verdade fala de morte física e não perdição eterna, e se chamarem qualquer oposição aos seus líderes ou dogmas de “blasfêmia contra o Espírito Santo”, que nada mais é do que o horrível ato dos judeus que associaram os milagres de Jesus ao príncipe dos demônios, dificilmente saberão com agir com misericórdia para com o que pecou e nem sequer estarão interessados em restaurá-lo.

Uma vez julgado o pecado, a assembleia afasta o transgressor para preservar a santidade da casa de Deus e evitar que outros sejam contaminados, pois “um pouco de fermento faz levedar toda a massa” (1 Coríntios 5:6). Mas a assembleia faz isso, não como juiz e carrasco, mas como um pai amoroso que sofre juntamente com o filho que precisa disciplinar. Ao mesmo tempo em que impõe um castigo de privações e isolamento como forma de despertar sua consciência e levá-lo ao arrependimento, faz isso visando sua restauração, e não a destruição.

Neste processo os irmãos podem estar tão insensíveis e indiferentes ao pecado, que nem se entristecerão por vê-lo levedando toda a massa, como no capítulo 5 de 1 Coríntios. Paulo chama a atenção deles por sua indiferença: “Nem ao menos vos entristecestes por não ter sido dentre vós tirado quem cometeu tal ação?” (1 Coríntios 5:2). O outro extremo é o da severidade demasiada, a mesma que Davi queria evitar quando disse preferir cair nas mãos de Deus do que dos homens para receber o castigo por sua infração. “Então disse Davi a Gade: Estou em grande angústia; caia eu, pois, nas mãos do Senhor, porque são muitíssimas as suas misericórdias; mas que eu não caia nas mãos dos homens” (1 Crônicas 21:13).

Mais tarde Paulo precisaria exortar os irmãos de Corinto para não serem demasiadamente severos, como um pai que machuca um filho que quer disciplinar. Ele lhes escreve: “Basta-lhe ao tal esta repreensão feita por muitos. De maneira que pelo contrário deveis antes perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja de modo algum devorado de demasiada tristeza. Por isso vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor” (2 Coríntios 2:6-8). Não apenas um ou dois haviam repreendido o que caíra em pecado, mas “muitos”, o que tinha sido correto.

O que é triste é encontrarmos irmãos que, ao invés de manterem um espírito de “repreensão”, darem tapinhas nas costas de quem está em processo disciplinar, como se fosse algo para ser levado a sério somente durante as reuniões da igreja. Também há os que convidam para jantar, como se Paulo não tivesse deixado claro em 1 Coríntios 5:11: “com o tal nem ainda comais”. Mas no caso dos Coríntios, ou eles eram oito ou oitenta, e o zelo demasiado já tinha passado dos limites e não era mais benéfico e nem restaurador para o que fora disciplinado. Existia agora o risco de ele ser “devorado de demasiada tristeza” (2 Coríntios 2:7).

Acredito que não tenha sido à toa que, no Antigo Testamento, Deus nos tenha deixado um leproso — um doente, e não um criminoso — como figura do pecador que precisa ser excluído da comunhão da assembleia e aguardar fora do acampamento até sua restauração. Ele era mais para ser cuidado, como numa enfermaria de isolamento, do que penalizado e jogado numa cela, como acontece nos tribunais e presídios da justiça humana. O sacerdote, e não um carcereiro, iria visitá-lo regularmente para examinar a lepra, e quando todo o corpo estivesse coberto pela doença o leproso seria declarado limpo. Por estranho que possa parecer, o significado disso para nós é que somente quando o que pecou reconhece seu pecado da cabeça aos pés é que ele está pronto para ser restaurado à comunhão.

“E, se a lepra se espalhar de todo na pele, e a lepra cobrir toda a pele do que tem praga, desde a sua cabeça até aos seus pés, quanto podem ver os olhos do sacerdote, então o sacerdote examinará, e eis que, se a lepra tem coberto toda a sua carne, então declarará o que tem a praga por limpo; todo se tornou branco; limpo está” (Levítico 13:12). Enquanto existir alguma superfície de “carne viva, declará-lo-á por imundo; a carne é imunda” (Levítico 13:13). Isto significa que existe ainda alguma justiça própria, raiz de amargura, sentimento faccioso, acusações contra alguém e coisas do tipo. “Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus” (Salmos 51:17), escreve Davi no salmo em que chega à plena admissão de seu pecado. Uma boa sequência a se observar é o caminho de reconhecimento de pecado que ele percorreu.

No Salmos 7:3 ele diz: “Senhor, meu Deus, SE eu fiz isto...” mostrando ainda não ter consciência de seu pecado. No capítulo 19:12 ele já admite que pode ter alguma coisa errada com ele, mas que ainda não quer enxergar, ao dizer: “Quem pode entender os seus erros? Expurga-me tu dos que me são ocultos”. Então no Salmos 25:7 ele admite ter pecado, mas como se fosse algo passado: “Não te lembres dos pecados da minha mocidade...”, e no Salmos 38:4 começa a sentir o tamanho e gravidade de seu erro, ao dizer: “As minhas iniquidades sobrepassam a minha cabeça, como carga pesada são demais para as minhas forças”.

Mas é no Salmos 51 que nós o vemos frente a frente com seu pecado, precisando olhar nos olhos de sua própria maldade e clamar por misericórdia, reconhecendo ter sido Deus aquele a quem ele realmente ofendeu, de quem depende agora sua restauração e purificação. “Tem misericórdia de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; apagas minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias. Lava-me completamente da minha iniquidade, e purifica-me do meu pecado. Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim. Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista, para que sejas justificado quando falares, e puro quando julgares” (Salmos 51:1-4).