Acaso sou eu guardador de meu irmão?

Sou pai e acredito que o nascimento de um filho deficiente tenha efeitos devastadores numa família. Usando das palavras dos pesquisadores Alberto Giubilini e Francesca Minerva, em um artigo publicado em 2011, um filho deficiente pode ser um fardo inesperado em “custos sociais, psicológicos e econômicos para os pais em potencial”. A solução, segundo eles, seria não só o aborto convencional, quando o problema fosse detectado na gravidez, mas até mesmo o que chamaram de “aborto pós-parto”. Antigamente isso era conhecido como infanticídio.

A opinião desses pesquisadores causou impacto na mídia quando foi publicada em 2011, mas será que causaria o mesmo impacto hoje? Falo isso por causa do número cada vez maior de mulheres grávidas afetadas pelo vírus Zika, que pode causar microcefalia se atingir o feto. O pessoal da campanha pró-aborto já colocou o bloco na avenida e se eu posso me arriscar a fazer previsões, eu diria que o carro que vem logo atrás é o do infanticídio. Sim, a eliminação sumária dos bebês com microcefalia não detectada na gravidez.

Os autores do artigo alegam que, “se critérios como custos sociais, psicológicos e econômicos para os pais em potencial são razões boas o suficiente para um aborto, até mesmo quando o feto é saudável, e se o status moral do recém-nascido é o mesmo do feto, já que nenhum deles possui qualquer valor moral em razão de não passarem de uma pessoa em potencial, então as mesmas razões que justificam o aborto deveriam também justificar a morte de uma pessoa em potencial quando ela ainda está no estágio de um recém-nascido.”

O que eles querem dizer é que um feto ou um bebê ainda não são pessoas, pois não desenvolveram as qualidades morais que definiriam um ser humano. Na opinião desses pesquisadores, fetos e recém-nascidos são meros projetos de seres humanos, como é a planta de um edifício que ainda não saiu do papel. Não haveria, portanto, qualquer problema em jogar fora o projeto, caso ele esteja rasgado ou manchado.

Mas o que uma criança é ao nascer não garante o que ela irá ser depois, e nem se trará ou não “custos sociais, psicológicos e econômicos para os pais em potencial”, como definiram os pesquisadores. Por exemplo, o bebê Adolfo nasceu saudável e cresceu uma criança normal, sem deficiências físicas ou mentais. Seus olhos azuis faziam dele um garotinho que qualquer um gostaria de ter como filho. Até saber que seu sobrenome seria Hitler.

Todo tirano, terrorista ou assassino veio ao mundo como uma criança normal e saudável e, no entanto, o estrago que fizeram para a humanidade é incalculável. Só isso seria suficiente para colocarmos em dúvida se alguém é capaz de detectar que um bebê irá acarretar “custos sociais, psicológicos e econômicos para os pais em potencial”. Quantos filhos você conhece que nasceram saudáveis e transformaram a vida dos pais em um verdadeiro calvário de visitas a presídios e clínicas de reabilitação. Isso quando a mãe não tem de viver com a mágoa de ter colocado no mundo um assassino.

Talvez você alegue que é fácil falar porque eu não sei o que é precisar conviver com os “custos sociais, psicológicos e econômicos” de uma criança deficiente. Na realidade eu sei, porque há 30 anos convivo com um filho adotivo e deficiente. Pedro entrou em minha família aos quatro anos de idade quando já tínhamos dois filhos biológicos e saudáveis, e veio com problemas genéticos, paralisia cerebral e cegueira, além da incapacidade de andar e falar. Você olharia para ele hoje e teria coragem de dizer que seria melhor ele ter sido abortado ou morto após o parto?

Não, não tenha medo de deficientes. Eles não podem fazer mal a ninguém. Já os saudáveis podem se transformar em ditadores, terroristas e assassinos, trazendo “custos sociais, psicológicos e econômicos para os pais em potencial”.

Quando Deus perguntou a Caim, “Onde está Abel, teu irmão?”, sua resposta foi: “Sou eu guardador do meu irmão?”. Um dia todos nós daremos contas de nossos Atos a Deus, e se você estiver pensando em se ver livre de seu filho, o que dirá quando ele perguntar: “Onde está o teu filho?”. Será que terá coragem de responder: “Acaso sou eu guardador de meu filho?”.