Teria Judas citado o Livro de Enoque?

Com frequência pessoas me perguntam a razão de o “Livro de Enoque” não ter sido incluído no cânon das Escrituras, já que ele teria sido citado por Judas em sua epístola. A passagem de Judas é: ”E destes profetizou também Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que é vindo o Senhor com milhares de seus santos; para fazer juízo contra todos e condenar dentre eles todos os ímpios, por todas as suas obras de impiedade, que impiamente cometeram, e por todas as duras palavras que ímpios pecadores disseram contra ele” (Judas 1:14-15).

Acontece que a passagem não diz que isso tenha sido extraído de um “Livro de Enoque” ou que Enoque tenha escrito um livro. Ao escrever sob inspiração divina Judas pode ter sido levado a escreve algo que já fazia parte da comunicação oral da tradição judaica, como também pode lhe ter sido revelado de primeira mão pelo Senhor o que Enoque teria profetizado em seus dias. Mas não fala de “livro de Enoque”, embora exista um hoje que traz este nome. Costumamos repetir frases de grandes homens que nunca escreveram um livro sequer, mas que disseram alguma frase que acabou registrada na memória da sociedade ou em livros de outros como citação.

Veja, por exemplo, o caso da citação feita por Paulo em Atos20:35 ”Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é necessário auxiliar os enfermos, e recordar as palavras do Senhor Jesus, que disse: 'Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber'.” Paulo pode não ter se encontrado com Jesus quando andou aqui e temos certeza de que o Senhor não escreveu diretamente nenhum livro. Todavia Paulo cita algo que não está registrado nos Evangelhos, o que ele pode tanto ter recebido da comunicação de outros apóstolos, como tendo vindo diretamente o Senhor nas revelações que fez a ele. Seria insano afirmar que por Paulo ter citado palavras de Jesus deveria necessariamente existir um “Livro de Jesus“ (Antes que você me pergunte, sim, existe também um apócrifo chamado “Livro de Jesus”).

Como o suposto “Livro de Enoque” traz passagens muito parecidas com algumas das epístolas de Pedro e Judas, muitos acreditam que estes tenham buscado sua inspiração no apócrifo “Livro de Enoque”, porém se levarmos em conta que tudo o que existe é um manuscrito produzido na era cristã, o contrário é pode ser verdadeiro: o anônimo autor que emprestou o pseudônimo de Enoque pode ter utilizado ideias correntes em seu tempo e também buscado “inspiração” no que já era ensinado pelos cristãos. Digo isto porque existe no “Livro de Enoque” uma expressão que jamais teria sido utilizada nas escrituras anteriores à era cristã, por ser uma revelação trazida pelo Senhor quando esteve na terra, ou seja, que o Messias de Israel era o “Filho de Deus”. O Concise Bible Dictionary (Morrish Edition) explica assim:

“Judas cita uma profecia de Enoque que não é encontrada no Antigo Testamento. Considerando que Judas escreveu sob a inspiração de Deus, isso pode ter sido revelado a ele, como aconteceu com muitas outras coisas nas Escrituras, as quais não poderiam ter sido conhecidas de outra maneira. Ou talvez ele tenha sido inspirado a registrar o que havia sido transmitido de forma oral ao longo do tempo. Existe um livro apócrifo chamado “O Livro de Enoque”, do qual alguns acreditam que Judas tivesse obtendo sua citação, porém não é um livro inspirado. Mas também não há qualquer evidência de que tal livro existisse nos tempos de Judas. Ele se refere ao Messias como “Filho de Deus”, o que pode ser considerado uma prova conclusiva de que ele tenha sido escrito na era cristã.” (Concise Bible Dictionary).