Posso colocar flores no tumulo de meu pai?
Sua dúvida é se teria algum problema levar flores ao túmulo de seu pai no Dia dos Pais. Não existe na Bíblia algum mandamento a respeito de se visitar ou enfeitar túmulos de pessoas que morreram, mas existe um belo precedente na atitude dos que ungiram o corpo de Jesus com cremes aromáticos antes, no momento da morte e depois da morte, nos três casos tendo em vista seu sepultamento. A Bíblia não fala de flores no sepultamento, mas talvez estas tenham seguido o costume dos unguentos aromáticos, que visavam prevalecer sobre odor do corpo.
Antes: “Então Maria, tomando um arrátel de unguento de nardo puro, de muito preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-lhe os pés com os seus cabelos; e encheu-se a casa do cheiro do unguento. Então, um dos seus discípulos, Judas Iscariotes, filho de Simão, o que havia de traí-lo, disse: Por que não se vendeu este unguento por trezentos dinheiros e não se deu aos pobres? Ora, ele disse isto, não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão e tinha a bolsa, e tirava o que ali se lançava. Disse, pois, Jesus: Deixai-a; para o dia da minha sepultura guardou isto; porque os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes” (João 12;3-8).
Na morte: “Depois disto, José de Arimateia (o que era discípulo de Jesus, mas oculto, por medo dos judeus) rogou a Pilatos que lhe permitisse tirar o corpo de Jesus. E Pilatos lho permitiu. Então foi e tirou o corpo de Jesus. E foi também Nicodemos (aquele que anteriormente se dirigira de noite a Jesus), levando quase cem arráteis de um composto de mirra e aloés. Tomaram, pois, o corpo de Jesus e o envolveram em lençóis com as especiarias, como os judeus costumam fazer, na preparação para o sepulcro” (João 19:38).
Após a morte: “E, passado o sábado, Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram aromas para irem ungi-lo... E no primeiro dia da semana, muito de madrugada, foram elas ao sepulcro, levando as especiarias que tinham preparado, e algumas outras com elas” (Marcos 16:1; Lucas 24:1).
A mente espiritual certamente irá reconhecer nessa atitude a reverência que se deve aos mortos, mesmo quando sabemos que seu espírito já não está ali, e sim só o corpo como um invólucro vazio. Mas seria o corpo menos importante por estar morto? Creio que não. É um engano pensar que na ressurreição receberemos um novo corpo. Não será assim, mas voltaremos a habitar o corpo que um dia nos pertenceu, só que ressuscitado, transformado e glorioso como o corpo de Jesus.
O apóstolo Paulo explica isso usando a figura da semente que germina e se transforma em uma planta. “Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão? Insensato! O que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. E, quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou de outra qualquer semente. Mas Deus dá-lhe o corpo como quer, e a cada semente o seu próprio corpo... Assim também a ressurreição dentre os mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção. Semeia-se em ignomínia, ressuscitará em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscitará com vigor” (1 Coríntios 15:35, 42-43).
Do mesmo modo como ao plantar uma semente de laranja nascerá um pé de laranja, e para a semente de feijão um pé de feijão, a ressurreição está intimamente conectada ao corpo que foi semeado, do mesmo modo como cada semente possui uma identidade própria que é transmitida à planta. Deus não tira a identidade do corpo da pessoa que morreu porque aquele corpo ressuscitado irá se juntar à alma e ao espírito no dia em que Cristo vier buscar os que são seus. Quando Estevão morreu, a passagem em Atos 8:2 diz que o que sepultaram foi Estevão e não meramente seu corpo: “E uns homens piedosos sepultaram a Estêvão”.
O primeiro sepultamento que encontramos na Bíblia foi o de Sara em Gênesis 23, e a importância de se ter um lugar próprio para isso não apenas denotava o cuidado para com o corpo, como também estava associada à esperança de Israel de habitar na terra. Por isso Abraão comprou um terreno por 400 siclos de prata para sepultar sua esposa. Já entre os cristãos os costumes para o funeral deviam seguir os mesmos dos judeus e da época em que viviam.
Como fazem os judeus até hoje, quando Dorcas (ou Tabitas) morreu seu corpo foi lavado em preparação para o sepultamento (Atos 9:37), mas sabemos que Deus a ressuscitou por intermédio de Pedro. É bom lembrar que, assim como aconteceria mais tarde com Dorcas, Lázaro e outros, as ressurreições que vemos na Bíblia eram no corpo em seu mesmo estado de ruína e todos os que ressuscitaram morreram depois. O único que ressuscitou de forma definitiva e está em um corpo glorioso é o Senhor, pois “de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, e foi feito as primícias dos que dormem” (1 Coríntios 15:20).
Nos tempos do Novo Testamento os corpos não eram colocados em um caixão de madeira, mas enrolados em tecido e transportados numa espécie de maca ou esquife. Todavia em Gênesis 50:26 vemos que o corpo de José foi transportado num caixão ou sarcófago seguindo o costume egípcio. Sobre a cabeça do defunto era colocado um lenço separado, o que aumenta a suspeita de que o pano conhecido como “Santo Sudário” seja forjado, por ser uma só peça. “Chegou, pois, Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro, e viu no chão os lençóis, e que o lenço, que tinha estado sobre a sua cabeça, não estava com os lençóis, mas enrolado num lugar à parte” (João 20:6-7). O lenço talvez tivesse o mesmo objetivo dos que às vezes são usados hoje para manter a mandíbula na posição fechada. Os corpos preparados em funerárias costumam ter os lábios costurados por dentro.
Os judeus não cremavam os corpos, ou por ser um costume pagão, ou por aparecer nas Escrituras como figura de juízo ou castigo de pessoas ímpias, que depois de apedrejadas, a forma de execução determinada pela Lei mosaica, tinham seus corpos queimados (Levítico 20:14; Josué 7:25).
Alguém poderia não entender todo esse cuidado com o sepultamento e usar a passagem de Mateus 8:21-22 para considerar a prática de pouco importância. “E outro de seus discípulos lhe disse: Senhor, permite-me ir primeiro sepultar meu pai. Jesus, porém, respondeu-lhe: Segue-me, e deixa os mortos sepultar os seus próprios mortos”. Acontece que o contexto aí não tem nada a ver com o modo de sepultamento, mas sim com o serviço daqueles que se propõem a seguir a Jesus, os quais não devem ter outra prioridade. Também sinaliza que existe um trabalho que somente aqueles que tem vida em Cristo podem fazer.
Existem cristãos que nem mesmo comparecem a um funeral se a pessoa que morreu não for um “crente” de sua denominação ou genericamente protestante. Não sei hoje, mas no passado católicos talvez agissem da mesma forma com judeus e pagãos, pois até mesmo os cemitérios eram separados. A questão é: Quem, além de Deus, pode garantir que a pessoa morreu na incredulidade? Quem não escutou o diálogo entre Jesus e o malfeitor na cruz ao lado deve ter achado que o homem morreu perdido, mas sabemos que não. Nos últimos momentos de sua vida aqui ele teve um diálogo com Jesus. E não são poucos os que têm esse diálogo nos últimos suspiros de vida.
É claro que aqueles que não conhecem a graça de Deus e nem o Deus de graça poderão argumentar que fulano nunca foi a uma igreja, nunca leu a Bíblia, nunca fez uma oração, nunca fez isso e aquilo. Mas se creu em CRISTO como Salvador ele fez a única coisa necessária à salvação.
Tudo o que escrevi foi para concluir que um ato singelo de respeito e afeição para com a pessoa que morreu não tem qualquer conotação que fuja às Escrituras. Foi com um sentimento assim que as mulheres levaram unguentos ao sepulcro de Jesus, ou flores como é o costume em nossos dias. Essa reverência para com a sepultura, que tiveram os patriarcas de Israel como Abraão, e os cuidados que alguém hoje possa demonstrar com o túmulo de um ente querido, aparando o mato ao redor, limpando a lápide, tirando folhas e galhos, não tem qualquer conotação além de cuidado e afeição.
É claro que você estaria agindo errado se acendesse velas para a pessoa que morreu, já que a vela, além de simbolizar um sacrifício, também é usada como forma de alumiar o caminho do morto. Também não faria sentido celebrar um ritual ou “missa” no sétimo dia, o qual é baseado na crença de que isso possa ajudar a pessoa a livrar-se de alguma pena no purgatório. Sabemos que aquele que morreu em Cristo já teve todos os seus pecados purgados e perdoados graças ao sacrifício de Cristo e tampouco precisa de vela para iluminar seu caminho. Todavia, o que morreu sem Cristo não iria chegar ao céu nem com todas as “missas”, rituais e orações dos vivos, e nem mesmo tendo diante de si o mais potente farol para ajudá-lo a sair das trevas que em vida ele não quis renegar.