O ISIS aparece na profecia bíblica?

As perguntas são as mesmas, mudando apenas seus protagonistas. Será o ISIS o cumprimento das profecias bíblicas? Estaremos na iminência de uma invasão islâmica mundial? Será o anticristo alguém de barba e turbante casado com um harém de mulheres vestidas de burca? Se a Internet tivesse sido inventada há mais de mil anos, quando começou a invasão moura da Europa, teríamos vídeos sensacionalistas de cristãos alertando sobre a invasão muçulmana como o cumprimento das profecias. No final daquele período de conquista que durou mais de mil anos, cerca de 75% da população da Península Ibérica havia se convertido ao islamismo.

Mas não é apenas de invasões religiosas que vivem os conspiratórios do Youtube. Se você vivesse na Idade Média e fosse chegado em uma catástrofe biológica, então poderia assistir centenas de vídeos “provando” que a peste negra que se alastrou pelo mundo seria o quinto anjo de Apocalipse 16 derramando sua taça de malignidade. Afinal, que coisa mais apocalíptica poderia existir do que uma praga que matou um terço da população da Europa? E hoje ainda tem gente que usa o vídeo-terror-profético para falar do Zika!

Avance alguns séculos e lá está outra praga de proporções bíblicas se cumprindo no final da Primeira Guerra Mundial, isto se você não achar que a própria guerra já tenha sido o Armagedom, como muitos na época achavam. Estou falando da gripe espanhola que se alastrou pelo mundo e ceifou a vida de quase cem milhões de pessoas. Acha pouco? Que tal a Segunda Guerra e todas as outras que se seguiram? Ou a enorme lista de terremotos, tsunamis e enchentes que são presença constante no calendário da Terra desde o Dilúvio universal?

Acho que você já entendeu que é uma grande tolice viver aos sobressaltos achando que cada vez que aparece um vírus como o Zika, ou terroristas atacam o World Trade Center, ou os países decidem criar chips de identificação, estamos vendo o cumprimento das profecias bíblicas. Será para isso que o cristão foi deixado no mundo ou para se ocupar com algo muito mais importante do que as notícias do jornal?

A primeira chave para entender a profecia bíblica está neste versículo de Apocalipse 19:10, que diz: “O testemunho de Jesus é o espírito de profecia”. Isto significa que o real objetivo da profecia é testemunhar de Cristo, e não desviar o foco para epidemias, guerras e catástrofes. Esses vídeos, sites e blogs que você encontra aos montes na Web e mais parecem jornalecos sensacionalistas obviamente não estão exaltando a Cristo, mas desviando o foco para acontecimentos que amanhã estarão na longa lista de catástrofes históricas deste mundo arruinado pelo pecado.

Se você for um cristão verdadeiro, que creu em Cristo como seu Salvador e recebeu o perdão de todos os seus pecados e a vida eterna, existe uma segunda chave para entender a profecia, a qual está intimamente ligada à primeira. Mas antes de mostrá-la vou fazer uma pergunta que tem por objetivo desfazer a interpretação errônea que as religiões dão à passagem em questão.

Suponha que você esteja comandando um pequeno grupo de soldados responsáveis por guardar uma ilha perdida no Pacífico. De repente seu rádio dá um sinal. É seu comandante dizendo:

“A população nativa do arquipélago tem um excelente conceito de vocês, e todo o exército pensa o mesmo do serviço que vocês têm realizado nessa ilha. Hoje detectamos um tsunami indo na direção de vocês e essa ilha será varrida do mapa. Mas não há motivo para se preocuparem, pois vamos enviar um helicóptero de resgate antes que o tsunami atinja a ilha. Portanto a coisa mais importante para vocês fazerem agora é esperar dos céus o helicóptero que irá livrá-los do tsunami futuro”.

Ao receber essa notícia, o que você e seus comandados esperariam? O tsunami ou o helicóptero de resgate? Agora preste atenção na passagem a seguir e responda: Você está esperando pelo Piloto que irá resgatá-lo ou pelo tsunami que irá varrer sua ilha depois de sua partida? A passagem é esta:

“Porque eles mesmos anunciam de nós qual a entrada que tivemos para convosco, e como dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir o Deus vivo e verdadeiro, e esperar dos céus a seu Filho, a quem ressuscitou dentre os mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira futura” (1 Tessalonicenses 1:9-10).

Quando me converti a Cristo em 1978 eu tinha pouco conhecimento da Bíblia e muita vontade de consumir tudo o que dizia respeito à profecia bíblica. Em minha conversão Deus havia usado, dentre outras coisas e pessoas, o livro “A Agonia do Grande Planeta Terra”, de Hal Lindsay, para escrever direito por linhas tortas e me levar a Cristo. Hoje sei que o livro tinha muitos furos que, na época em que foi escrito (1970), pareciam ser o cumprimento das profecias bíblicas. Mas não eram.

Naquele tempo o anticristo da vez nos livros cristãos de profecia era o Gorbachev com sua mancha vermelha na testa e a Guerra Fria era o prenúncio do fim do mundo. Eu assinava duas publicações sensacionalistas de uma organização de nome “Chamada da Meia Noite”, liderada por Wim Malgo, que publicava uma revista de mesmo nome e outra chamada “Notícias de Israel”. Ambas usavam muito da técnica de Hal Lindsay e de centenas de livros, sites e vídeos modernos: a profecia reversa.

Não sei se existe o termo “profecia reversa” relacionada à Bíblia. Pesquisei e encontrei a expressão em português usada apenas em uma edição de gibi do Tio Patinhas com o título “A profecia reversa do fim do mundo”. A julgar pela capa, a história parece brincar com o Calendário Maia que em 2012 fez muita gente mudar-se para Alto Paraíso de Goiás e outros refúgios esotéricos esperando o fim do mundo que nunca veio. Conheço muita gente em Alto Paraíso que trabalha no comércio de lá e torce para que venham outros “fins do mundo” como aquele.

Mas o que seria uma profecia reversa? Algo como “engenharia reversa”, um termo usado na indústria para descobrir segredos do concorrente desmontando um produto e tentando fabricar um similar com peças parecidas. Um bom exemplo de engenharia reversa é Frankenstein, o homem construído com partes de diferentes cadáveres. Se você achar que o resultado final da história de ficção foi bom então vai gostar também do que dizem esses arautos das desgraças em seus livros, sites e vídeos de profecia. Eles fazem algo parecido: Pegam os eventos do jornal de hoje e tentam fazer suas peças se encaixarem na Bíblia na marra, como na antiga propaganda que mostrava um mecânico marretando uma peça não original no motor do carro. O resultado é um Frankenstein profético, que até lembra um ser humano, mas nada tem a ver com a realidade.

Não precisa ser muito inteligente para perceber que essa técnica pode funcionar em qualquer circunstância. Um adolescente aficionado por profecia que vivesse nos anos 1940 e tivesse Internet e Youtube iria produzir vídeos incríveis provando que Hitler era o anticristo, o Nazismo a besta, a Segunda Guerra Mundial o fim do mundo. E no final da guerra ele certamente encontraria uma passagem em Apocalipse onde encaixar a bomba atômica. Que tal esta? “Vi uma estrela que do céu caiu na terra... e abriu o poço do abismo, e subiu fumaça do poço, como a fumaça de uma grande fornalha, e com a fumaça do poço escureceu-se o sol e o ar” (Apocalipse 9:1-2).

Se ele continuasse insistindo mais alguns anos iria acabar interpretando os gafanhotos de Apocalipse 9 como helicópteros militares. Durante a Segunda Grande Guerra eles ainda eram rudimentares comparados aos das guerras da Coréia e Vietnã, mas nos anos 1950 eles já poderiam ser encaixados a golpes de marreta na profecia bíblica. Afinal, o texto diz que eles “tinham couraças como couraças de ferro; e o ruído das suas asas era como o ruído de carros, quando muitos cavalos correm ao combate. E tinham caudas semelhantes às dos escorpiões, e aguilhões nas suas caudas” (Apocalipse 9:9-10). O que seriam os aguilhões? Metralhadoras e mísseis, obviamente. Mas não se apegue aos “helicópteros proféticos” porque os drones vieram para ficar e certamente acharão seu lugar no Apocalipse desses autores.

Ao produzir seus textos e vídeos proféticos nosso suposto autor iria então colocar muita ênfase aterrorizante em alertar os cristãos que algo precisaria ser feito para combater aquele “anticristo” que ele achou que foi profetizado nas páginas da Bíblia. Qual? Bem você poderia escolher entre Hitler, Gorbachev, o Papa, Gengis Khan, Osama Bin Laden... O problema é que se existir algo que você possa fazer para evitar isso, então acabará criando um paradoxo, pois você terá evitado o fim do mundo e assim invalidado as profecias bíblicas que o anunciavam.

Eu ainda não era nascido quando os muçulmanos começaram a ocupar a Europa lá pelo ano 700 e chegaram a 300 quilômetros de Paris nos séculos seguintes. Só foram definitivamente expulsos em 1492, no mesmo ano em que Cristóvão Colombo partia para a América. Não, os muçulmanos não fugiram achando que Colombo iria pedir ajuda ao Tio Sam. Os islamitas que ainda estavam em Granada simplesmente se renderam, terminando assim a campanha daqueles avós do ISIS. Portanto, quando você assistir algum vídeo falando do ISIS e sua tentativa de fazer do mundo um grande Califado, lembre-se de que esse filme já esteve em cartaz mais de mil anos atrás.

Uma dica que dou a qualquer um que esteja apaixonado por assuntos proféticos: Verifique antes se o vídeo, blog ou livro falando de profecia não é um disco tocando ao contrário. Quero dizer, confira se não é alguém catando pedaços de notícias no jornal e tentando fazer esses pedaços caberem na Bíblia. Você nunca poderá confiar no que ele diz, porque todo mundo sabe que amanhã o jornal de hoje não presta mais. Não é assim que se estuda profecia, mas no sentido inverso. Devemos ir para a Palavra de Deus e entender o que Deus revelou do futuro e, principalmente, com que parte dessa revelação ele quer que nos ocupemos mais.

Se você fizer isso, irá logo descobrir que o tema da profecia, e seu Ator principal, é Cristo, pois “o testemunho de Jesus é o espírito de profecia” (Apocalipse 9:10). Então também irá aceitar o que Deus diz em sua Palavra, que o objetivo do cristão enquanto está neste mundo é “servir o Deus vivo e verdadeiro, e esperar dos céus a seu Filho, a quem ressuscitou dentre os mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira futura” (1 Tessalonicenses 1:9-10).

Para isso talvez você precise descartar conceitos teológicos que aprendeu da “Teologia do Pacto”, os quais predominam nas religiões cristãs fundamentalistas católicas e protestantes e querem fazer você crer que a Igreja não passa de uma versão 2.0 de Israel. Essa teologia ensina que pertenceriam à Igreja, e não de Israel, as promessas de paz e prosperidade material dadas por Deus no Antigo Testamento. Seria também da Igreja o direito de dominar o mundo, o que obviamente justificaria todas as Cruzadas e até as guerras atuais para “libertar” o mundo de religiões não cristãs, como o islamismo e o judaísmo.

De onde você acha que veio a ideia de cristãos perseguirem judeus e a tentativa de exterminá-los durante as inquisições católica e protestante? Do Papa apenas? Então tome este famoso tratado de Martinho Lutero que começa com a pergunta: “O que devem fazer os cristãos contra este povo rejeitado e condenado, os judeus?”. Em seguida ele vai sugerindo coisas como queimar suas escolas e sinagogas, cobrir os restos com terra, destruir suas casas, tirar deles seus livros de orações, além de proibir seus rabinos de ensinar sob pena de morte ou amputação. (Extraído de “Sobre os judeus e suas mentiras”, de Martinho Lutero).

Continue sem entender as dispensações e a distinção que Deus faz de Israel — o povo com promessas que serão cumpridas no futuro — e a Igreja — um povo com herança celestial, e não terrena — e você nunca irá entender a profecia. Além disso continuará sendo presa fácil dos pasquins proféticos que hoje vêm em forma de livros, sites e vídeos que só produzem inquietação, e não consolo, para os salvos por Cristo. Isso impedirá você de desfrutar da preciosa esperança do iminente encontro com o Senhor nos ares, e fará com que viva aos sobressaltos à medida que novas notícias aterradoras surgirem nos jornais e forem costuradas nesse horrível Frankenstein profético que esses autores nunca terminam de produzir.

Afinal, o ISIS é um “new kid on the block”, se considerar que seu passado mais remoto só chega até 1999, e a sigla atual surgiu apenas em 2013. Em suma, nenhum autor de livros proféticos esteve correto antes disso em seus vaticínios e achar que nada mais virá depois desse movimento é ingenuidade. Portanto, quando assistir um vídeo alardeando que o ISIS é a última bolacha do pacote em termos de profecia, vá devagar porque o andor neste caso nem é nem de barro, mas de areia. Pode até ser que este e outros grupos deixem resíduos que farão parte da profecia, mas esta só terá seu cumprimento após o arrebatamento da Igreja, que é quando o relógio profético voltará a bater.

Quando alguém me envia algum texto ou vídeo alarmista desses supostamente proféticos eu nem vejo. Não há consolo algum nessas publicações, mas existe um consolo grande no que Deus diz em sua Palavra concernente à esperança que é para a Igreja:

“Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras” (1 Tessalonicenses 4:17-18).