Seria Paulo um falso profeta?
Com tantos escândalos cometidos pelos neopentecostais e pela Teologia da Prosperidade em seus templos e nas redes de rádio e TV em sua volúpia de surrupiar dinheiro dos fiéis, às vezes não percebemos que o ataque mais refinado à sã doutrina vem das religiões cristãs fundamentalistas e de outras frentes antagônicas a estas.
Os pregadores da prosperidade estão mais interessados em usar textos de bênçãos materiais e maldições do Antigo Testamento, para incentivar as ofertas e ameaçar seus fiéis, do que propriamente em minar a doutrina dos apóstolos. Por outro lado, muitas religiões cristãs fundamentalistas têm uma agenda específica em minar a sã doutrina, e em especial desacreditar o apóstolo Paulo, a quem foram reveladas as verdades concernentes à igreja. Todavia, se estes fazem isso em doses homeopáticas, os grupos que têm surgido em oposição às religiões fundamentalistas despencam no erro com uma velocidade muito maior.
Entre esses eu incluiria o autor do texto que você enviou. Ele dá mostras de não crer na Bíblia como a Palavra de Deus, mas apenas nas partes que ele escolhe. Uma de suas afirmações já revela em que espírito essa pessoa está: “Paulo foi útil ao cristianismo, mas a maioria de suas ideias e doutrinas são dele mesmo e não de Jesus”. Embora a rejeição ao ministério de Paulo seja hoje corrente em muitas escolas de teologia, — e falei disso em um texto com o título “Paulo deveria estudar teologia?” — surgem hoje alguns mais ousados em desacreditar Paulo e seu ministério pelo simples fato de não desejarem se sujeitar à Palavra de Deus.
O autor do texto que você enviou também usa do argumento de que as Escrituras teriam sido alteradas, sempre que o que está escrito não concorda com suas ideias. Mas, como todo bom herege, ele fala o tempo todo da Bíblia, cita versículos e tudo mais. Ele fala até de um suposto protecionismo dado a Paulo pelos primeiros cristãos, colocando desta maneira: “A epístola de Tiago, por exemplo, nem sequer entrou nos primeiros concílios no cânon, porque todos sabiam que era uma resposta a epístola de Paulo aos Romanos”. Uau! Então podemos crer que Tiago usou uma máquina do tempo para viajar até o ano 56, ler a carta escrita por Paulo aos Romanos nessa data, e voltar ao ano 45 para escrever sua epístola em resposta ao texto futuro. Ok, os correios da época podiam ser lentos, mas Tiago não precisaria ter respondido a carta de Paulo 11 anos antes de ela ser escrita.
Ao comentar 1 Tessalonicenses 4:17, que diz, “Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor”, o autor do texto escreve: “Paulo está dizendo que ele e os seus ficariam vivos, ou que os vivos seriam arrebatados! Algum deles foi arrebatado? Não. Todos morreram. E aí eu pergunto: Essa profecia se cumpriu? Paulo foi um profeta?”.
Um pouco antes ele tenta qualificar Paulo como um falso profeta, quando diz: “Segundo o livro de Deuteronômio, Deus deixou um sinal claro para que seu povo soubesse discernir um falso profeta de um verdadeiro (Deuteronômio 18). Um sinal que até uma criança de cinco anos entenderia: 'Quando um profeta falar em meu nome e suceder conforme ele falou, em meu nome falou tal profeta. mas se um profeta falar em meu nome e não acontecer, e não suceder assim, loucamente falou tal profeta, não o ouvireis'.
Dá para acreditar a que ponto chega a ousadia desses que se dizem cristãos em julgar a Palavra de Deus e os apóstolos do Senhor? Eu gostaria que o problema dele fosse simplesmente o de uma pessoa que foi reprovada na prova de interpretação de texto do vestibular, mas parece que não é tão simples assim. O que o texto de Tessalonicenses realmente diz?
Se Paulo tivesse dito “nós seremos arrebatados” então poderíamos dizer que ele se enganou. Mas o apóstolo acrescenta um identificador — “os que ficarmos vivos” — abrindo assim a possibilidade para que alguns dentre os tessalonicenses, inclusive o próprio Paulo, não ficariam vivos para o arrebatamento. Afinal, foi para isso que ele escreveu a passagem, justamente para consolar aqueles que já tinham perdido irmãos que morreram sem terem visto o arrebatamento: “Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança” (1 Tessalonicenses 4:13).
O autor do texto então passa a tentar desqualificar a Palavra de Deus usando... a própria Palavra de Deus! Ele faz isso dizendo que Paulo teria errado em 1 Tessalonicenses porque em outras passagens ele disse que iria morrer: “E agora, na verdade, sei que todos vós, por quem passei pregando o reino de Deus, não vereis mais o meu rosto... Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho” (Atos 20:25, 29). “Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda” (1 Timóteo 4:6-8).
Ao dizer “nós, os que ficarmos”, Paulo mostrava que sua esperança estava no arrebatamento que ele também aguardava para qualquer momento. O apóstolo sabia que não havia nada para se cumprir antes do arrebatamento. Porém, quando o Senhor revelou a ele que seria morto, obviamente ele já não esperava mais o arrebatamento, mas sua afirmação “os que ficarmos” continuava válida para os que não viessem a morrer antes do encontro com o Senhor nos ares. Se você estivesse lá, talvez perguntasse a Paulo:
“Ei, Paulo, que história é essa?! Outro dia você disse que estaria entre os que iriam no arrebatamento e agora diz que vai morrer?!!”.
“Sim, pois quando eu disse aquilo eu não sabia que iria morrer. O Senhor me revelou isso agora. Mas quanto a você, continue aguardando pelo Senhor no arrebatamento, porque pode ser que você esteja entre os que ficarem para serem arrebatados”.
Mas o autor do texto não vai deixar de usar outro ângulo em sua tentativa de desqualificar Paulo. Ele usa 1 Coríntios para alegar que ali Paulo teria desistido da ideia do arrebatamento. Veja o que ele diz: “Paulo muda de ideia, e já não fala mais em arrebatamento, mas em corpos transformados... Ele está se referindo a ele mesmo e aos seus em sua época. Isso se cumpriu? Não. Algum deles foi transformado? Não.” Em seguida ele acrescenta esta passagem para mais uma vez insinuar que Paulo fosse autor de falsas profecias: “E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos” (Mateus 24:11)
Certamente ele ignora que para alguém ser arrebatado precisa antes ser transformado, pois nosso corpo mortal não pode entrar no céu, como Paulo ensina que acontecerá: “Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados; num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade. E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória” (1 Coríntios 15:51).
Se o autor dissesse que Pedro não esperava pelo arrebatamento eu até concordaria, porque o conhecimento de sua morte foi dado a Pedro ainda nos evangelhos. “Na verdade, na verdade te digo que, quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias; mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queiras. E disse isto, significando com que morte havia ele de glorificar a Deus. E, dito isto, disse-lhe: Segue-me” (João 21:18-19). Anos mais tarde o Senhor deve ter revelado a Pedro a proximidade de sua morte, porque em um determinado momento de sua vida ele sabia que ela viria em breve: “E tenho por justo, enquanto estiver neste tabernáculo, despertar-vos com admoestações, sabendo que brevemente hei de deixar este meu tabernáculo, como também nosso Senhor Jesus Cristo já mo tem revelado” (2 Pedro 1:13-14). Mas não foi o caso de Paulo.
Comecei a ler seu e-mail e fui respondendo à medida que lia o texto que você enviou desse autor, mas ao chegar ao final percebi que ele nem mesmo é membro de uma religião fundamentalista protestante ou católica, mas parece seguir mesmo um volume próprio e original de heresias. Que as religiões fundamentalistas desprezam os ensinos de Paulo é um fato, e basta ver quantas das doutrinas do apóstolo são tomadas como opinião pessoal do apóstolo, e não revelações do Senhor. Mas ao menos nessas religiões ainda se preservam doutrinas fundamentais, como Cristo sendo a Pedra angular sobre a qual Deus edifica a sua Igreja, e também a doutrina da justificação pela fé ensinada por Paulo em sua epístola aos Romanos. No entanto, o autor do texto que você enviou nega até mesmo isso e torce as Escrituras ao seu bel prazer. Segundo ele, era Paulo quem se considerava a pedra angular! Diz ele: “Aí surge Paulo no cenário cristão dizendo: 'Cristo me enviou' e vira a pedra angular de toda a igreja.”. Repare em mais algumas “pérolas” do autor do texto em seu ódio contra o apóstolo dos gentios:
“Paulo defende a obediência dos cristãos ao opressivo Império Romano, bem como o pagamento de impostos, faz apologia da escravidão, legitima a submissão feminina e esboça uma doutrina da salvação distinta daquela que teria sido defendida por Jesus.”
Ledo engano. Quem defende a obediência às autoridades, sejam boas ou ruins, é Deus, que as instituiu. Se esse autor tivesse realmente lido a Bíblia saberia que Deus no passado ordenava que seu povo obedecesse até ao rei opressivo e invasor, que destruiu sua terra e levou o povo cativo para Babilônia. Enquanto os falsos profetas de então, ancestrais do autor do texto que me enviou, insistiam que o povo deveria se rebelar, Deus revelou a Jeremias:
“Assim diz o Senhor: Não deis ouvidos às palavras dos vossos profetas, que vos profetizam, dizendo: Eis que os utensílios da casa do Senhor cedo voltarão de Babilônia, porque vos profetizam mentiras. Não lhes deis ouvidos, servi ao rei de Babilônia, e vivereis... Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, a todos os do cativeiro, os quais fiz transportar de Jerusalém para Babilônia: Edificai casas e habitai-as; e plantai jardins, e comei o seu fruto. Tomai mulheres e gerai filhos e filhas, e tomai mulheres para vossos filhos, e dai vossas filhas a maridos, para que tenham filhos e filhas; e multiplicai-vos ali, e não vos diminuais. Procurai a paz da cidade, para onde vos fiz transportar em cativeiro, e orai por ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz” (Jeremias 27:16-17; 29:1-7).
Pelo jeito Jeremias irá fazer companhia a Paulo na lista dos que o autor do texto que me enviou chama de “falsos profetas”. Não entendi o que ele tem contra pagar impostos, se isso foi feito até pelo próprio Senhor Jesus. O autor também não sabe diferenciar a escravidão dos tempos bíblicos daquela que tivemos nos tempos coloniais. O eunuco que se converteu pela pregação de Filipe em at 8 era um escravo castrado, mas também “mordomo-mor de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todos os seus tesouros” (Atos 8:27). O escravo ou servo do centurião de Lucas 7 também não era um qualquer, mas alguém digno de receber o melhor tratamento de saúde que seu senhor podia encontrar. Ele não mediu esforços para encontrar Jesus e suplicar pela cura de seu servo.
O autor do texto também critica a doutrina dada a Paulo da submissão que uma mulher deve ter ao marido, esquecendo-se de que isso não é exclusividade do apóstolo dos gentios. Pedro, no capítulo 3 de sua primeira epístola, nada mais faz do que ensinar essa submissão: “Semelhantemente, vós, mulheres, sede sujeitas aos vossos próprios maridos... Porque assim se adornavam também antigamente as santas mulheres que esperavam em Deus, e estavam sujeitas aos seus próprios maridos; como Sara obedecia a Abraão, chamando-lhe senhor; da qual vós sois filhas, fazendo o bem, e não temendo nenhum espanto” (1 Pedro 3:1-6).
Vale lembrar que a mulher fora de seu lugar de submissão aparece no ministério de João em Apocalipse na forma da Grande Meretriz, que aparece montada na besta, ou seja, tendo o poder secular debaixo de si. Na mesma revelação o Senhor denuncia “Jezabel, mulher que se diz profetisa, ensinar e enganar os meus servos, para que se prostituam e comam dos sacrifícios da idolatria” (Apocalipse 2:20). Basta associar isto ao ministério dado através de Paulo, ordenando que a mulher não ensinasse (1 Timóteo 2:12) e permanecesse calada nas igrejas (1 Coríntios 14:34), para entender que foi também pelo descumprimento dessas ordens que o mal penetrou na cristandade, chegando ao ápice da apostasia revelada no Apocalipse. No entanto Paulo advertiu: “Se alguém cuida ser profeta ou espiritual reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” (1 Coríntios 14:37).
Apenas para terminar, mais um trecho do veneno destilado pelo autor do texto, que diz: “A visão que Paulo deu foi a seguinte: 'Você não precisa ser bom nem fazer o bem ou servir ninguém, porque você não vai ser salvo por isso, para que não se glorie'“. Bem, por esta e outras afirmações desse autor fica muito claro que ele nem mesmo crê em Cristo e em sua obra consumada para ser salvo. Não crê na graça, mas em suas próprias obras como meio de salvação. Portanto não passa de um apóstata, um que está no que Judas chama de “caminho de Caim”, aquele que tentou agradar a Deus por mérito próprio e matou seu irmão Abel, uma figura de Cristo, que ofereceu o único sacrifício agradável a Deus.