Você ensina as pessoas a viverem no Egito?

Você escreveu dizendo que descobriu meus vídeos e livros na Internet, os que falam do evangelho e os que tratam de assuntos de comunicação, marketing e carreira. Depois de tecer alguns elogios a meu respeito, dizendo que sou “muito inteligente”, que tenho “um preparo e um carisma muito grandes”, você escreveu: “Percebi que você continua pregando e ensinando nas suas palestras como viver no Egito... Você prega uma coisa no 'Evangelho em 3 minutos' e vive outra no dia-a-dia?! Isto não mostra que você também é mais um religioso que não crê que Deus seja suficientemente poderoso para sustentar você fora das artimanhas do mundo? Que ele precisa da sua ajuda para você sobreviver”?

Eu realmente fiquei intrigado, sem entender aonde você queria chegar com suas indagações. Será que é uma crítica ao meu trabalho de profissional de comunicação e marketing? Ou você simplesmente acha que uma pessoa convertida a Cristo não precisa mais preocupar-se em trabalhar para ela sobreviver? Vamos começar tratando desta segunda hipótese.

Deus criou o trabalho para o homem no jardim do Éden, antes mesmo de ele cair em pecado, portanto o trabalho é uma ordenança divina. A primeira profissão criada por Deus para o homem foi de administrador da Criação: “... enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra” (Gn 1:28). Uma das funções administrativas de Adão foi inventariar o estoque de seres criados e dar nomes a eles. ”Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus, os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome. E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo o animal do campo” (Gn 2:19-20).

A outra função de Adão era cultivar a terra e vigiá-la, considerando que o inimigo de nossas almas já devia passear por lá buscando uma vítima. “E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar” (Gn 2:15). Esta função continuou depois da queda, e “o Senhor Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra de que fora tomado” (Gn 3:23). A diferença foi que a terra e as plantas já não seriam tão fáceis de serem dominadas, e o trabalho passaria a ser um fardo para o homem. “Maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos, e cardos também, te produzirá; e comerás a erva do campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão” (Gn 3:17-19).

No mundo pós-Éden os descendentes de Caim, o filho homicida de Adão, procuraram desenvolver a pecuária para diminuir o suor necessário para produzir alimentos, criaram a tecnologia (da qual vem o computador eu utilizo para escrever) e também desenvolveram as artes para tornar o mundo ao qual estavam arraigados um lugar mais aprazível. “E Ada deu à luz a Jabal; este foi o pai dos que habitam em tendas e têm gado. E o nome do seu irmão era Jubal; este foi o pai de todos os que tocam harpa e órgão. E Zilá também deu à luz a Tubalcaim, mestre de toda a obra de cobre e ferro” (Gn 4:20-22).

Mesmo assim Deus não condenou essas atividades pelo que eram em si mesmas, mas obviamente não aprovava o mau uso delas. Que ele aprovou a pecuária, a tecnologia e as artes podemos ver no fato de ter escolhido um povo nômade e pecuarista, Israel, para representá-lo na terra. “Depois disse José a seus irmãos, e à casa de seu pai: Eu subirei e anunciarei a Faraó, e lhe direi: Meus irmãos e a casa de meu pai... são pastores de ovelhas, porque são homens de gado, e trouxeram consigo as suas ovelhas, e as suas vacas, e tudo o que têm” (Gn 46:31-32).

Arte, ciência e tecnologia foram necessárias quando Deus ordenou que os israelitas construíssem um tabernáculo. Para isso escolheu Bezalel e Aoliabe “para elaborar projetos, e trabalhar em ouro, em prata, e em cobre, e em lapidar pedras para engastar, e em entalhes de madeira”. Eles seriam os responsáveis pela construção da “tenda da congregação, e a arca do testemunho, e o propiciatório... e todos os pertences da tenda; e a mesa com os seus utensílios, e o candelabro de ouro puro com todos os seus pertences, e o altar do incenso; e o altar do holocausto com todos os seus utensílios, e a pia com a sua base; e as vestes do ministério... e o azeite da unção, e o incenso aromático...” (Ex 31:1-11). Não podemos nos esquecer de que Deus também ordenou a música e os instrumentos musicais para a adoração de seu povo terreno.

Quero com isto mostrar que mesmo as atividades desenvolvidas pelos descendentes de Caim foram utilizadas por Deus para objetivos nobres, e o próprio Deus só teve um dia de descanso, que foi o sétimo depois da Criação. Desde então ele nunca mais parou de trabalhar, o que demonstra que não existe nada de errado com o trabalho quando feito de forma correta e com o objetivo de glorificar a Deus. “E Jesus lhes respondeu: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5:17). Vemos pessoas trabalhando nas mais diversas profissões ao longo do Antigo Testamento e as profecias que falam do futuro reino milenar de Cristo na terra revelam uma sociedade onde o trabalho também será uma constante, com agricultores, construtores, navegadores, comerciantes e artesãos.

Quando chegamos ao Novo Testamento encontramos muitas profissões, e o próprio Senhor Jesus deve ter trabalhado no ofício de José, o carpinteiro. No Novo Testamento você encontra, além de pescadores e lavradores, produtores de vinho, pastores, artesãos, perfumistas, tecelões, curtidores, carpinteiros, oleiros, políticos, empregadas domésticas, comerciantes, barqueiros, soldados, banqueiros, ladrões e prostitutas, além de mendigos. Lídia era uma empresária que vendia púrpura, o carcereiro de Filipos funcionário público, Dorcas era proprietária de uma confecção e Paulo tinha uma fábrica de tendas, juntamente com Priscila e Áquila (Atos 16:14, 23; 9:39; 18:1-3).

O trabalho secular é encorajado nas epístolas, como você pode ver nas passagens abaixo:

“Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha o que repartir com o que tiver necessidade” (Ef 4:28).

“Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto, que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também” (2 Ts 3:10).

Acredito que isto seja suficiente para provar que trabalhar para obter o sustento é algo bíblico e de modo algum contrário à vontade de Deus, quando feito de forma correta e honesta. Obviamente você encontra na Bíblia pessoas exercendo profissões como prostitutas, ladrões e políticos corruptos que não têm a aprovação de Deus, mas há também os políticos honestos, como Nicodemos e José de Arimateia, que foram estrategicamente levantados por Deus na hora em que eram necessárias pessoas com acesso ao governador para obter autorização para sepultar o corpo de Jesus. Todavia, até mesmo o ganho com o trabalho honesto está de algum modo associado ao mal por causa do pecado que a tudo permeia. Por esta razão a riqueza, mesmo aquela obtida pelo trabalho honesto, é chamada de Mamom, como se fosse um ídolo (Lc 16:13).

Generalizando, podemos dizer que todas as atividades profissionais, industriais e comerciais trazem em si a marca do pecado, por serem concebidas e realizadas por homens caídos e em um mundo arruinado. O próprio dinheiro que ganhamos com nosso trabalho é “riqueza da injustiça” (Lc 16:9). Se você conseguisse rastrear o dinheiro que tem no bolso talvez descobrisse que ele já foi usado para pagar prostitutas e assassinos de aluguel, corromper políticos e comprar drogas de traficantes. No Brasil, 75% das cédulas têm traços de cocaína e nos EUA esse número chega a 90%. É bom lavar as mãos, porque esse seu dinheiro já esteve no nariz de um viciado.

Como fala a parábola do mordomo infiel em Lucas 16, granjeamos, negociamos e obtemos as “riquezas da injustiça” enquanto estamos no mundo, e se formos sábios como o mordomo da parábola, daremos a essas riquezas um destino que garanta resultados eternos. “E eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da injustiça; para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos” (Lc 16:9). “Porque tudo o que há no mundo... não é do Pai, mas do mundo. “ (1 Jo 2:16).

Mas talvez seu problema não esteja com o trabalho de uma maneira geral, mas com minha profissão de palestrante de comunicação e marketing, já que você disse que eu continuo ensinando nas minhas palestras como viver no Egito. Quando falamos que Moisés precisou esquecer o que aprendeu na corte de Faraó antes de poder ser usado por Deus para libertar o povo hebreu, certamente isso não inclui ele ter aprendido ali a acender um fogo, amarrar as sandálias, falar vários idiomas ou fazer cálculos geométricos.

Eu e você usamos invenções dos egípcios, como o calendário, a escrita, o papel, a maquiagem, o arado, as pastilhas para mau hálito, o boliche, a barbearia, a cerveja, as fechaduras e a pasta de dentes. Isto sem falar na matemática, que ensinaram a Pitágoras, na medicina, como cirurgias de catarata e cérebro, e na astronomia. Se tivessem inventado a bicicleta certamente Moisés teria aprendido a andar e nunca mais esquecido. Portanto não é esse conhecimento que Moisés precisou esquecer, mas tudo o que fosse contrário ao conhecimento divino. E ele mostrou que soube fazer isso muito bem ao escrever o livro de Gênesis falando do Deus Criador, e não do sol, como se fosse um deus, ou de bois, gatos e besouros como seres sagrados.

Portanto, neste sentido o que eu ensino tem muito a ver com as coisas do Egito, mesmo sem ensinar as pessoas a se maquiarem, fazer cirurgias ou jogar boliche. Talvez sua surpresa esteja por eu ensinar marketing e vendas, atividades que na cabeça de alguns são sinônimos de mentira e picaretagem. Talvez eu possa ajudá-lo a compreender essas profissões, tão nobres e necessárias. Marketing é o processo de se identificar, analisar e atender as necessidades e expectativas das pessoas, e você faz marketing até na hora de dar um presente para sua namorada. Vender é uma das ferramentas do marketing, e é tão necessária que nada do que você possui deixou de passar pelas mãos de um profissional de vendas. Compramos tudo o tempo todo, e até mesmo você veio ao mundo depois de uma ação de venda, caso seu parto tenha sido feito com o trabalho vendido por um médico ou parteira.

Como qualquer outra atividade, nestas você também irá encontrar profissionais inescrupulosos, e até quando fazemos um trabalho honesto o fruto desse trabalho pode fugir ao nosso controle. Não duvido da sinceridade e honestidade da parteira que ajudou o bebê Adolf Hitler vir ao mundo.

Sinto-me bem em poder ensinar marketing e vendas, principalmente numa sociedade conectada em que preciso explicar aos vendedores que mentir é péssimo negócio. As vendas hoje dependem de relacionamentos de longo prazo e os clientes podem detonar uma marca com apenas alguns cliques do mouse. Por isso um de meus temas de palestras é ética. Também me sinto ótimo quando faço palestras de segurança no trabalho nas indústrias, sabendo que talvez alguma dica que eu dê venha a salvar uma vida. Ou quando falo de consciência ambiental como forma de preservar os recursos do planeta para nossos filhos e netos, caso o Senhor não volte já.

Não sei se você trabalha em alguma empresa, mas provavelmente não teria emprego se não fosse pela ação dos profissionais de marketing, vendas e comunicação dessa empresa. São também profissionais como eu que treinam seus funcionários a se comunicarem melhor com os clientes. Tire o marketing, as vendas, a comunicação, o atendimento bem treinado da empresa onde você trabalha e amanhã estará procurando emprego com a ajuda de sites, headhunters e empresas dedicadas à carreira e desenvolvimento profissional. Também dou palestras neste sentido, uma delas, marketing pessoal, para ajudar as pessoas a se posicionarem de forma correta e honesta no mercado de trabalho.

Dou graças a Deus pelo trabalho que ele me deu. Hoje já posso abrir mão de algumas atividades, como consultoria, aulas e traduções de livros acadêmicos, para ficar apenas com palestras e treinamentos empresariais. Assim posso dedicar grande parte de meu tempo à obra do evangelho, produzindo sites, livros e vídeos que levam a Palavra de Deus a milhares de pessoas. Sei que minha atividade paralela no evangelho nem sempre ajuda meu lado profissional, pois sei que empresas deixam de me contratar por acharem que vou utilizar o tempo das palestras para pregar o evangelho, o que não faço por uma questão de ética profissional.

Mas não pense que já não me imaginei vivendo sem precisar fazer um trabalho secular. Acho que a primeira vez foi nos anos 70, logo depois de convertido, quando assisti “Irmão Sol, irmã Lua”, o filme sobre a vida de São Francisco de Assis. Fiquei cativado pela possibilidade de viver daquele jeito, vestido de trapos e gastando meu tempo conversando com passarinhos. Acho que muitos jovens da minha época sentiram o mesmo. Mas, para ser sincero, não sei ao certo se o que mais me atraía era ser pobre ou estar sempre ao lado de Santa Clara, interpretada pela belíssima Judi Bowker.