Não existe perdão para quem duvida dos profetas?
Ao tentar contestar minha afirmação de que não existem mais profetas como os que existiram no início da Igreja você cometeu vários equívocos. Talvez o mais grave tenha sido considerar que a revelação de Deus não esteja completa, ao dizer que muita coisa que Deus disse não está na Bíblia. Isso dá margem para que os modernos falsos profetas apresentem suas "revelações" ou "profetadas" como se fosse a Palavra de Deus. Em tom ameaçador você também escreveu que estou incorrendo no pecado sem perdão, ao duvidar que esses "profetas" modernos do meio pentecostal sejam inspirados pelo Espírito Santo. Para embasar sua afirmação você citou esta passagem:
“Portanto, eu vos digo: todo o pecado e blasfêmia se perdoará aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos homens. E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro” (Mt 12:31-32).
A ameaça de blasfêmia contra o Espírito é uma forma de terrorismo psicológico bastante usada em denominações pentecostais. O raciocínio que tentam incutir em seus seguidores é este: se o pastor prega inspirado pelo Espírito Santo, então quem contestar o que o pastor diz está pecando contra o Espírito e, portanto, será condenado ao lago de fogo por não ter mais perdão. Quem deixar a igreja daquele pastor também sofrerá a mesma pena pelo mesmo motivo.
O que esses manipuladores e mercadores de almas não contam para suas ovelhas é que a passagem é a conclusão de todo um contexto no qual os fariseus, vendo os milagres que Jesus fazia pelo Espírito Santo, afirmavam: “Este não expulsa os demônios senão por Belzebu, príncipe dos demônios” (Mt 12:24). Portanto, a menos que alguém renegue completamente a obra do Espírito, que hoje é convencer o homem “do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16:8), é impossível alguém ficar privado de perdão nos mesmos moldes daquilo que os fariseus fizeram, pois para isto seria necessário que Jesus estivesse na terra fazendo milagres, como era o caso ali.
Ao negar que a revelação de Deus esteja completa, obviamente para dar assim carta branca a qualquer um que se declare profeta no mesmo nível dos que nos deixaram as Escrituras do Novo Testamento, você atropela a afirmação de Paulo, que escreveu:
“Regozijo-me agora no que padeço por vós, e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja; da qual eu estou feito ministro segundo a dispensação de Deus, que me foi concedida para convosco, para cumprir [completar] a palavra de Deus; o mistério que esteve oculto desde todos os séculos, e em todas as gerações, e que agora foi manifesto aos seus santos” (Cl 1:24-26).
O último mistério que foi revelado a Paulo e que esteve oculto até dos profetas do Antigo Testamento e dos apóstolos antes dele, foi o mistério da Igreja:
“A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios, por meio do evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo, e demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo; para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus” (Ef 3:8-10).
Aliás, são nove os mistérios que foram revelados com exclusividade através do apóstolo Paulo:
Cristo ressuscitado e glorificado nos céus “deu dons aos homens” e “deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo” (Ef 4:8-12). Paulo, juntamente com os outros “santos apóstolos e profetas” foram usados por Deus para revelarem o “mistério de Cristo, o qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas; a saber, que os gentios são coerdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho”.
Quanto ao fato de não existirem mais profetas como os do início da Igreja fica claro pela passagem que os coloca no mesmo nível dos apóstolos na colocação dos alicerces da casa de Deus. Se somos “edificados sobre o fundamento” obviamente seria uma pretensão muito grande alguém hoje querer se considerar parte do fundamento ou alicerce.
“Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor. No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito” (Ef 2:19-22).
Hoje restam os dons de evangelista, pastor e doutor ou mestre, e qualquer um desses atua como profeta, não no sentido de trazer novas revelações, mas de proferir a Palavra de Deus já revelada. É por isso que na ordem para a reunião dos cristãos é feita distinção entre os profetas e o que traz revelação. Os profetas poderiam ser quaisquer irmãos que o Espírito usasse para falar da parte de Deus para a assembleia, mas a revelação seria dada àquele que fosse profeta no sentido do dom de Efésios4, já que naquela época os cristãos ainda não tinham a completa revelação de Deus como a temos hoje e nem podiam abrir uma Bíblia impressa em suas reuniões.
“E falem dois ou três profetas, e os outros julguem. Mas, se a outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro” (1 Co 14:29-30).
Veja que a passagem não limita o ministério da palavra apenas àqueles que tivessem o dom de profeta, mas a palavra era franqueada a todos que o Espírito quisesse usar, como também ocorre hoje:
“Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros; para que todos aprendam, e todos sejam consolados” (1 Co 14:31).
Agora veja o absurdo que o seu raciocínio gera ao me ameaçar com a perdição eterna por eu duvidar do ministério dos pretensos profetas modernos. Como alguém poderia obedecer esta passagem de 1 Coríntios 14:29 e julgar o que diz um profeta na reunião da igreja se sobre essa pessoa recair a ameaça de nunca mais ser perdoada? Ali diz claramente que os outros, que escutam o ministério do irmão que profetiza (no sentido de proferir ou falar da parte de Deus), devem julgar o que ele está dizendo. Se perceberem algum desvio da sã doutrina devem ordenar que se cale ou dê maiores explicações.
Mas percebo que seus equívocos têm raízes mais profundas, pois você não consegue diferenciar um profeta do Antigo Testamento de um profeta dado por Cristo para colocar os fundamentos da casa de Deus. Isso decorre do erro de pensar que no Antigo Testamento as pessoas tinham o Espírito Santo habitando nelas de forma permanente como é o caso hoje para aqueles que creem em Jesus. Para tentar provar sua tese você citou 1 Samuel 10:10 que diz que o Espírito de Deus se apoderou de Saul, que profetizou no meio dos profetas de Israel. Citou também a passagem de Juízes 14:6, quando o Espírito do Senhor se apossou de Sansão capacitando este a despedaçar um leão. Mas se esqueceu de citar Números 22:28 quando “o Senhor abriu a boca da jumenta” de Balaão e ela profetizou.
Certamente você não acredita que o Espírito Santo tenha habitado naquela jumenta, mas há de concordar comigo que aquela era uma manifestação excepcional e passageira, como eram os demais casos de homens usados pelo Espírito no Antigo Testamento. Por isso Davi roga a Deus no Salmos 51:11“não retires de mim o teu Espírito Santo”, algo que não faria sentido um crente fazer hoje, pois aos salvos do período da Igreja o Senhor prometeu que daria “outro Consolador, para que fique convosco para sempre” (Jo 14:16).
Obviamente nenhum dos casos encontrados no Antigo Testamento é igual ao habitar do Espírito hoje na Igreja coletivamente e em cada crente individualmente, pois para que isto acontecesse era preciso que antes Cristo morresse, ressuscitasse e subisse à glória. Os exemplos que deu são de ocasiões em que o Espírito agiu na terra em pessoas, mas não habitou nelas permanentemente. O Senhor Jesus também esteve na terra antes de sua encarnação (como no encontro com Abraão), mas foi somente em sua encarnação que assumiu definitivamente a forma humana. Preste atenção no final deste versículo que aponta esta condição para que o Espírito Santo fosse dado aos homens.
“E isto disse ele do Espírito que haviam de receber os que nele cressem; porque o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda Jesus não ter sido glorificado” (Jo 7:39).
Você confunde os profetas do Antigo Testamento com o dom de profecia dado à Igreja. No Antigo Testamento uma jumenta profetizou para Balaão porque Deus usava homens e até animais como instrumentos para falar por intermédio deles. Mas isso nada tinha a ver com os dons dados aos homens na atual dispensação da Igreja. Para que os homens recebessem os dons de apóstolo, profeta, evangelista, pastor e doutor, Cristo precisava antes morrer, ressuscitar e subir aos céus.
“Por isso diz: Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro, E deu dons aos homens... E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores” (Ef 4:8-11).
Ao dizer que Paulo nos aconselha a buscar de Deus o dom de profetizar, talvez esteja se referindo a 1 Co 14:1, que diz: “Segui o amor, e procurai com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar”. Se verificar o texto grego verá que a palavra “dons” não existe nos originais, mas foi introduzida apenas para dar mais sentido à frase, a qual deve ser lida assim: “procurai com zelo os espirituais [pneumatikos], mas principalmente profecia [propheteuo]”.
J. N. Darby coloca “procurai com zelo as manifestações espirituais”, porque nada do que é dito neste versículo e nos seguintes tem a ver com os dons dados por Cristo em Efésios4, mas aqui são manifestações do Espírito que são geralmente momentâneas, e por isso mesmo melhor traduzida como manifestações, que acontecem em um determinado momento, e não dons, que são dádivas entregues e incorporadas naqueles que os recebem.
Resumindo, quem crê em Cristo hoje tem o Espírito Santo habitando em si como selo ou garantia de sua redenção, como ensina Ef 1:13, pois “se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8:9). Isso nunca aconteceu com os santos do Antigo Testamento “porque o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda Jesus não ter sido glorificado” (Jo 7:39). Quando em Lucas 11:13 o Senhor exortou os discípulos a pedirem o Espírito Santo aquilo foi por eles ainda não o terem habitando neles, mas as orações dos discípulos em Atos 1:14 certamente incluíam tal pedido, pois elas foram respondidas em Atos 2 com a descida do Espírito Santo.
A partir de então os cristãos receberam dons para a edificação da Igreja que acabava de ser fundada, e depois de a revelação dos mistérios de Deus ter sido completada especialmente pelo apóstolo Paulo já não há necessidade dos dons de apóstolos e profetas mencionados em Efésios 4, permanecendo os evangelistas, pastores e doutores.
Mas é inegável que irmãos continuam a ser enviados pelo Espírito Santo para a obra de Deus, e neste sentido pode-se até aplicar a palavra apóstolo, pois é este o termo grego [Apóstolos] tanto para os apóstolos que conhecemos, como para aqueles que eram enviados para uma missão específica, como Epafrodito que é chamado pela mesma palavra grega “apóstolos” em Filipenses 2:25: “Epafrodito... vosso enviado [Apóstolos]”.
Também podemos chamar de profetas hoje aqueles que falam da parte de Deus, não com novas revelações, mas expondo a Palavra e submetendo-se ao julgamento e escrutínio dos irmãos quanto ao que fala. “Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros; para que todos aprendam, e todos sejam consolados. E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas” (1 Co 14:31-32). Deixe de fora este julgamento dos que ministram conforme é ordenado por Deus e o resultado é essa profusão de falsos profetas espalhados pela cristandade ameaçando seus seguidores com a perdição eterna caso sejam contestados.