Como pronunciar os nomes sagrados?
Hoje muitos cristãos insistem que devemos falar de Deus ou nos dirigir a ele usando algum dos nomes sagrados pelos quais ele se revelou no Antigo Testamento. Enquanto alguns dizem que Deus deve ser chamado de YHWH, o que pode ser fácil de escrever, mas é impossível de se pronunciar por não incluir vogais, outros adotam “Yahweh”, ”Jeová” ou “Javé”, que incluem as vogais que se acredita terem existido originalmente em “YHWH”, ou usam “o Eterno”, “Altíssimo”, “el Shadai”, “Elohim”, “Adonai”, etc. Alguns pegam carona na onda hebraica e insistem que se você não chamar Jesus de “Yeshua”, “Yashua” ou alguma variante hebraica ele não irá atender ao seu chamado. Existe fundamento nisso tudo?
Para começar, em nenhum lugar do Antigo Testamento Deus ordenou aos israelitas que deveriam dirigir-se a ele usando um dos nomes sagrados com os quais ele é identificado nas Escrituras. Ele se revelou por diferentes nomes em diferentes momentos e segundo o caráter de cada uma de suas variadas atuações para com a Criação, seu povo Israel ou as nações (gentios). Mas nunca deixou uma ordem do tipo: ”Vocês me chamarão pelo nome tal”. A ênfase na importância do seu Nome no Antigo Testamento não estava na pronúncia, nas letras ou caracteres usados, mas na Pessoa que seus diferentes títulos representavam, aquela à qual eles deviam se dirigir e com cuja autoridade deviam adorar, orar, sacrificar, pregar, sacrificar, etc., não muito diferente do modo como agimos quando passamos uma procuração para outra pessoa agir em nosso nome.
Na Bíblia encontramos diversos títulos dados a Deus, como El, Eloá, Elohim, El Shadai (Todo-Poderoso), Adonai, YHWH, Yahweh, Jeová, Javé, Jeová-Jiré, Jeová-Rafa, Jeová-Nissi, Jeová-Makadesh, Jeová-Shalom, Jeová-Eloim, Jeová-Tsidikenu, Jeová-Rohi, Jeová-Shammah, Jeová-Sabaoth, El Eliom (Altíssimo), El Roi, El-Olam, El-Gibor. Também não faltam títulos para Jesus, que é identificado como Emanuel, Príncipe de Paz, Ungido, Filho de Deus, Filho do Homem, Filho de Davi, Verbo, Cordeiro de Deus, Cristo, Alfa e ômega, Leão de Judá, Senhor do Senhores, Brilhante Estrela da Manhã, Maravilhoso, Deus Forte, Pai da Eternidade etc. Com tantos nomes e títulos fica realmente complicado saber como devemos nos dirigir a Deus.
Se Deus não deu uma ordem expressa quanto ao modo como seu povo de Israel devia chamá-lo (exceto de modo apenas informativo quando se revelou a Moisés como ”Eu sou o que sou”), ele certamente ordenou o modo como seria chamado no futuro, quando o seu povo estivesse instalado no reino terrenal: ”Mas eu dizia: Como te porei entre os filhos e te darei a terra desejável, a excelente herança dos exércitos das nações? E eu disse: Pai me chamarás e de mim te não desviarás” (Jr 3:19). Por isso Jesus, quando esteve aqui, ensinou a seus discípulos que deveriam chamar a Deus de Pai, pois com sua morte, ressurreição e a descida do Espírito eles entrariam numa relação de parentesco como nunca tinham desfrutado antes.
Meu pai se chamava “Mario”, mas eu sempre o chamei de “papai”, nunca de “Mario”. Minha mãe se chamava “Ruth”, mas eu nunca a chamei por este nome, e sim por “mamãe”. Você acha que quando eu os chamava de “papai” e “mamãe” eles não me atendiam porque eu não estava dizendo os nomes que traziam na certidão de nascimento? Será que se faziam surdos aos meus pedidos por não terem certeza de que era com eles que eu estava falando? O simples pensar em algo assim é absurdo! Meus pais sabiam muito bem a quem eu estava me dirigindo quando os chamava de “papai” e “mamãe” pois nenhum outro se enquadrava naquela relação (além de minhas irmãs). O garoto do vizinho podia gritar “papai” que meu pai não iria olhar por sobre o muro e dizer “O que você quer”?, pois sabia que não estava falando com ele, apesar de usar uma palavra idêntica à que eu e minhas irmãs usávamos. Portanto, o que realmente importava não eram os caracteres de seu nome ou a palavra que eu usava para me dirigir ao meu pai, mas a pessoa a quem eu me dirigia e a nossa relação de parentesco.
Em suas orações Jesus nunca se dirigiu a Deus como “Altíssimo”, “Eterno”, “Jeová” ou “YHWH” (mesmo porque isto seria impronunciável). Apenas uma vez ele dirigiu-se a Deus como “Deus”, e isto na cruz, quando foi abandonado ali e julgado em nosso lugar (Sl 22:1; Mateus 27:46). Em todas as outras ocasiões ele falou com Deus chamando-o de “Aba” ou “Pai”, no mesmo sentido familiar e de proximidade que eu me dirigia a meu pai chamando-o de “papai”.
Ao ensinar seus discípulos a orar Jesus lhes disse para chamarem a Deus de “Pai”, uma intimidade familiar que era desconhecida no Antigo Testamento. Apesar de os evangelhos representarem um tempo de transição, pois Jesus ainda não tinha sido glorificado e a igreja ainda não havia sido formada, aqueles que pertenciam ao reino dos céus (chamado assim em Mateus) ou reino de Deus (nos outros evangelhos) tinham uma posição mais privilegiada que os israelitas, como vemos o próprio Senhor declarar ao referir-se a João Batista: ”E eu vos digo que, entre os nascidos de mulheres, não há maior profeta do que João o Batista; mas o menor no reino de Deus é maior do que ele” (Lc 7:28).
Mesmo assim a intimidade dos discípulos nos evangelhos estava longe da que eles teriam a partir de Atos 2, quando o Espírito Santo viesse habitar neles. Antes disso as instruções sobre o relacionamento que teriam eram, por assim dizer, introdutórias. Logo após sua ressurreição o Senhor revela toda a relação de intimidade que os seus teriam para com o Pai: “Disse-lhe Jesus: Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (Jo 20:17).
Paulo explica o papel do Espírito Santo nesse novo tipo de relacionamento, do qual podemos desfrutar como filhos, e não meros servos ou súditos, como era o caso dos judeus até ali: “Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus. Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai. O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8:14-16).
Considerando esta relação de intimidade com Cristo e familiaridade com Deus que todos os salvos por Cristo desfrutam agora, como membros do corpo de Cristo e da família de Deus, seria um absurdo um cristão querer voltar ao tipo de relacionamento distante que os judeus tinham na Lei mosaica. É disso que Paulo fala em sua epístola aos Gálatas, um caso claro de uma assembleia que estava sendo influenciada por cristãos judaizantes que insistiam em permanecer nas velhas práticas da lei.
“Digo, pois, que todo o tempo que o herdeiro é menino em nada difere do servo, ainda que seja senhor de tudo; mas está debaixo de tutores e curadores até ao tempo determinado pelo pai. Assim também nós, quando éramos meninos, estávamos reduzidos à servidão debaixo dos primeiros rudimentos do mundo. Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai. Assim que já não és mais servo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro de Deus por Cristo. Mas, quando não conhecíeis a Deus, servíeis aos que por natureza não são deuses. Mas agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir”? (Gl 4:1-9).
Paulo fala de dois tempos, um em que aqueles que estavam debaixo da Lei mosaica, apesar de terem direitos de filhos, eram ainda como servos, e outro tempo, quando na dispensação da graça de Deus atingiriam um novo status de filhos por plena adoção, sendo considerados filhos e podendo chamar a Deus de Pai. Responda rápido: Se você fosse uma empregada doméstica com quem o patrão decidisse se casar, no dia seguinte ao casamento continuaria o chamando de “seu Benedito” e dizendo às pessoas que ele era seu “patrão”? É claro que não! Você deixaria para trás a relação patrão-empregada do passado e assumiria a relação marido-mulher, passando a chamá-lo de “querido”, “meu bem” ou algo do tipo e dizendo às suas amigas: “Aquele é meu marido”. Assim também não faz sentido dirigir-se a Deus pelos títulos que ele tinha no passado na sua relação com o seu povo terreno, Israel.
A adoção de que Paulo fala em Gálatas 4 não é a mera guarda ou adoção parcial do filho de outro, mas uma adoção plena, como a que prevê a legislação brasileira. Nela o filho adotivo tem seu passado (nome, pais, avós) substituído pelo presente e uma nova certidão de nascimento é lavrada com seu novo nome e os nomes de seus novos pais e avós. É como se toda a sua árvore genealógica tivesse sido substituída e o juiz às vezes anota no processo que ninguém poderá revelar ou trazer à tona o antigo nome e origem da criança que está sendo adotada. Sei disto porque tenho um filho que adotamos desta forma. Paulo escreve sobre esta adoção aos Efésios, revelando que não era algo decidido de última hora, mas fazia parte de um plano concebido antes da criação do mundo: “E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Ef 1:5).
Em Efésios2 esta nova relação de parentesco é mostrada em profundidade, pois temos igual proximidade com cada Pessoa da Trindade: “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto... Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito. Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus” (Ef 2:13-19).
Talvez você alegue que em Apocalipse 11:17 os vinte e quatro anciãos não estão se dirigindo a Deus como “Pai”, e sim como “Senhor Deus Todo Poderoso”. Sim, pois ali o cenário todo é de juízo, e obviamente dirigir-se a Deus como Pai é algo que não cabe na boca daqueles anciãos, que representam os redimidos do Antigo e Novo Testamento de uma maneira ampla. F. B. Hole comenta que é apropriado que ali eles “se dirijam a Deus usando os nomes pelos quais ele se revelou na antiguidade como o Soberano de homens e nações, como Jeová, Elohim, El Shadai, o Eterno, aquele de quem nada ou ninguém pode se colocar antes ou depois, supremo e imutável. Por nós, porém, ele é conhecido como Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas este nome de amor e de íntimo parentesco não seria apropriado ali (em Apocalipse), onde os seus Atos de juízo estão sendo proclamados. O que temos diante de nós ali é o seu reino em justiça e autoridade, e não a graça salvadora da qual desfrutamos agora” (F. B. Hole).
Outra coisa importante é entender a diferença entre como devemos nos dirigir à Divindade e como devemos falar da Divindade. É óbvio que Deus é “Eterno”, “Todo poderoso”, “Altíssimo” etc., mas todos estes são títulos que fazem sentido em determinadas situações e passagens das Escrituras, mas que em situações atuais podem ser até impróprios de serem usados por um cristão. Por exemplo, quando em Atos a jovem possessa seguia a Paulo e Silas chamando-os de “servos do Deus Altíssimo” (Atos 16:17) aquilo poderia parecer muito apropriado para quem não tivesse discernimento, mas o uso da expressão só indicava que a jovem não conhecia a Deus, e nem poderia, pois quem pronunciava aquilo era um demônio. Este jamais iria dizer que eles eram “filhos do Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”, mas podiam muito bem chamar a Deus de “Deus altíssimo” como este era identificado no Antigo Testamento e de quem os demônios também diziam que Jesus era filho nos evangelhos.
O fato de Deus ser identificado por diferentes títulos no Antigo Testamento não significa que devemos nos dirigir a ele usando desses mesmos títulos. Jesus também traz diversos títulos, como “Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Is 9:6), mas eu não me dirijo a ele por seus títulos, pois não é assim que a Palavra de Deus me ensina a fazer. Posso falar dele (de Jesus) ou a seu respeito usando títulos assim, mas nunca vou falar com ele em oração deste modo. Também posso citar “Jesus”, falar “de Jesus”, mas ao me dirigir-me a ele nunca o chamo de “Jesus”, do mesmo modo como ao dirigir-me a meu pai eu nunca o chamava de “Mario”. Meu vizinho o chamava assim por não ter qualquer parentesco, mas não era o meu caso.
“Porque, ainda que haja também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como há muitos deuses e muitos senhores), todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele” (1 Co 8:5-6).
Quer dizer que não posso orar dizendo “Jesus, preciso disso e daquilo” ou agradecer dizendo “Obrigado, Jesus, por isso e aquilo”? A menos que você seja um demônio ou não tenha qualquer relação de familiaridade com ele, é melhor orar do modo como somos ensinados na Palavra de Deus chamando-o de “Senhor” ou, quando falarmos com Deus, chamando-o de “Pai”. Surpreso por eu mencionar demônios? Então perceba que é assim que eles se dirigiam a Jesus na Bíblia, chamando-o pelo nome “Jesus”, e é assim também que fazem as pessoas que não demonstram ter qualquer relação de familiaridade com ele ou talvez ainda não o tenham confessado como “Senhor” (Rm 10:9), e às vezes fazem rodeios chamando-o de “amigão lá de cima”, “chefão” e coisas do tipo.
em Mateus 8:29, Marcos 1:23-24, Lucas 4:34, Marcos 5:7, Lucas 8:28 você encontra passagens nas quais os demônios se dirigem a Jesus, não por “Senhor”, mas por seu nome “Jesus”. Você poderá alegar que os leprosos de Lucas 17:13 e o cego de Marcos 10:47 se dirigiram a ele chamando-o por “Jesus”, mas isso foi antes de conhecer quem ele realmente era e serem curados por ele. Todos os discípulos o chamavam de “Senhor” quando se dirigiam a ele, e a Deus de “Pai”.
Se você não for um demônio e se Jesus não for para você um desconhecido, é melhor chamá-lo de “Senhor” quando falar com ele, ou na oração a Deus chamar a este de ”Pai” ou “Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”, como o próprio Jesus nos ensinou. Ficar repetindo nomes em hebraico pode impressionar quem não conhece a Bíblia, mas só irá demonstrar que você ainda não se apropriou da intimidade familiar à qual fomos introduzidos nesta dispensação. Não queira se fazer diferente dos simples cristãos que não conhecem nem grego, nem hebraico, e mesmo assim chamam a Jesus da forma bíblica “Senhor” e a Deus de “Pai”, quando oram a uma das duas Pessoas da Trindade, ou simplesmente “Deus”, quando falam do Pai a outras pessoas.