Posso testemunhar de Cristo na ilegalidade?

Você perguntou se estar ilegal em outro país, entendendo que Deus o enviou para residir e dar testemunho ali, teria algum respaldo da Palavra de Deus. Vou perguntar algo parecido: Assaltar um banco, entendendo que Deus o mandou assaltar para contribuir para a obra do evangelho, teria algum respaldo na Palavra de Deus? Viu o absurdo que é tentar santificar o ilícito e justificar o erro? Quem está ilegal em outro país pode dizer o que quiser, mas não pode querer se justificar com tal argumento. Ao dizer “estou ilegal” ele já diz tudo.

Alguém poderia entrar ilegalmente na Coreia do Norte, por exemplo, não para trabalhar e ganhar dinheiro, mas com o único objetivo de levar a Evangelho, por ser esta a única maneira de fazer o nome de Cristo naquele país onde isso é proibido. Quem faz isso chega a arriscar a vida, mas está amparada pelo que Pedro disse aos que o proibiam de pregar: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5:29).

Mas dizer que entrou ilegalmente em um país onde o evangelho é permitido porque tinha a intenção de testemunhar de Deus não cola por uma razão muito simples: Que testemunho de Deus você daria à polícia se fosse pego? O único testemunho seria de que cristãos não obedecem às autoridades. Mas devemos obedecer às autoridades em tudo aquilo que isso não significar desobediência a Deus. Os alemães usaram da desculpa de obedecerem às autoridades enquanto matavam judeus, mas obviamente estavam distorcendo o sentido da obediência a Deus.

“Toda a alma esteja sujeita às potestades superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus. Por isso quem resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação. Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal. Portanto é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente pelo castigo, mas também pela consciência. Por esta razão também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo sempre a isto mesmo” (Rm 13:1-6).

O que a passagem diz é que toda autoridade foi instituída por Deus, inclusive quando age com injustiça. Lembre-se de que Jesus foi entregue injustamente à morte por Pilatos, a quem ele disse: “Nenhum poder [autoridade] terias contra mim, se de cima não te fosse dado” (Jo 19:11). A passagem de Romanos também mostra que resistir à autoridade é resistir a Deus (e isto inclui manifestações contra o governo, Atos de desobediência civil, etc.), e que a autoridade é ministro de Deus, e não dos homens, e tem poder de vida e morte sobre os homens. Diz ainda que devemos pagar impostos, independente de considerá-los abusivos ou não.

Quando Jesus foi cobrado ele ordenou a Pedro que fosse pescar e pagasse o imposto com a moeda que encontraria na boca do Peixe. Havia três lições ali: a primeira era a submissão à autoridade que exigia o imposto, a segunda era que as coisas não caem simplesmente do céu, mas exigem trabalho (pescar), e a terceira que, quando trabalhássemos em obediência às autoridades e cumprindo nossas obrigações com o pagamento de impostos, Deus supriria nossas necessidades de forma miraculosa, ainda que fosse mediante o trabalho.

Você falou ainda de outras artimanhas que cristãos estariam usando, como viajar ao Brasil para voltar ao país estrangeiro com novo passaporte mentindo que perdeu o atual, e ainda inventar algum esquema para conseguir ilegalmente a aposentadoria. Ora, todos esses ilícitos são pecados graves e nem é preciso dizer que o cristão deve evitá-los. A pessoa que se envolveu com isso deve abandonar essas práticas e confessar seus pecados a Deus e aos irmãos. Provavelmente ela será disciplinada no lugar onde congrega, pois não tem cabimento um agrupamento de cristãos fazer vista grossa para essas transgressões, pois não são meros deslizes, mas graves e premeditadas.

Existem situações, como as que citou depois, quando um cristão se envolve com algum esquema que parece lícito até ficar patente tratar-se de pirâmide financeira ou algo semelhante. Enquanto o esquema é tolerado pelas autoridades por ainda não existir clareza quanto à sua legalidade os irmãos não podem agir além de admoestar o irmão alertando que aquilo pode ser um erro. A Palavra nos ensina que devemos ter cuidado até com as coisas lícitas, pois mesmo que sejam legais elas podem não ser apropriadas a um cristão. Por exemplo, o Uruguai legalizou o uso da maconha, mas será que um cristão deveria usá-la? Eu entendo que não.

“Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma. Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas edificam” (1 Co 6:12; 10:23).

Mas a partir do momento que algo é declarado ilícito o cristão deve deixar imediatamente aquela prática, a menos que estejamos falando de países contrários ao evangelho que proíbem a pregação e a reunião dos cristãos, pois se deixássemos de fazer isso estaríamos desobedecendo a Deus. Geralmente o que move alguém a entrar em esquemas de dinheiro fácil não é a necessidade, pois é possível ganhar a vida até lavando privadas, o que nem todos estão dispostos a fazer. A questão é que esses esquemas apelam para a ganância e o desejo de ficar rico sem grandes esforços. A avareza, que é o amor ao dinheiro, é um pecado tão grave quanto prostituição e adultério. Muitos cristãos se envolvem nisso por desejarem levar um padrão de vida acima daquele que Deus tem para eles.

É claro que um cristão pode ser rico, se Deus abrir as portas para que seja e tenha o suficiente para si e para ajudar a outros e à obra de Deus. Mas devemos nos lembrar de que isso é exceção, e não a condição normal ao cristão que vemos em Tiago 2:5 e 1 Timóteo 6:9: “Ouvi, meus amados irmãos: Porventura não escolheu Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na fé, e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? ... Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína”.

Nicodemos, José de Arimateia, Barnabé, Lídia e também as mulheres que serviam a Jesus com seus bens eram pessoas ricas, mas repare que elas aparecem na Palavra sempre conectadas com sua voluntariedade em ajudar. O que tinham era na realidade de Deus, que havia colocado em suas mãos mais do que necessitavam para poderem ajudar a outros. José de Arimateia doou um sepulcro novo para Jesus, Nicodemos comprou os aromas para seu sepultamento, Barnabé entregou sua propriedade para a manutenção da obra do Senhor e Lídia, uma empresária, abria sua casa para os irmãos. As mulheres que seguiam a Jesus providenciavam para que nada faltasse a ele e aos apóstolos. Apesar de Jesus ser capaz de multiplicar pães e peixes era seu desejo que os que o seguiam tivessem tal exercício, como acontece hoje.

Você menciona ainda cristãos sacoleiros e entendo que muitas vezes as dificuldades econômicas exigem que alguém viaje a outro país para trazer mercadorias e vender no mercado informal. Existe um limite legal para fazer isso e o cristão deve respeitá-lo, ou corre o risco de passar de comerciante informal, como é um vendedor de balas no semáforo, a um contrabandista. Muitos que insistem nessa prática acabam perdendo a mercadoria e até mesmo presos, aí sim, sem condições de sustentar sua família, quando não se envolvem com quadrilhas e ficam amarrados a elas correndo o risco de serem mortos se abandonarem o esquema. Se um cristão estiver fazendo isso em caráter emergencial deve buscar logo uma alternativa ou um meio de legalizar sua atividade, pois não existe na Palavra de Deus nenhum respaldo para continuar trabalhando na ilegalidade.

Nossa carne é extremamente ladina, e precisamos vigiar contra ela, pois sempre terá bons argumentos para agirmos fora da lei. Se cremos que Deus realmente provê nosso alimento e com que nos vestirmos, podemos orar e buscar fazer a sua vontade, tendo a certeza de que no momento certo ele proverá, não para sermos ricos, mas para o necessário.