Aliança de noivado ou casamento é pecado?
Você escreveu fazendo uma pergunta que parecia ser uma dúvida, mas depois que respondi achando estar diante de um cristão procurando aprender, sua resposta revelou que você não tinha uma dúvida, mas apenas estava buscando oportunidade de apresentar suas afirmações. Considerando o volume de e-mails que recebo, evito gastar tempo respondendo para pessoas que escrevem apenas para discordar ou me desafiar para um debate. Prefiro usar meu tempo para ensinar os que desejam sinceramente aprender o que a Bíblia diz sobre diversos assuntos.
Inicialmente você perguntou: ”como a cristandade deve se comportar com relação ao uso das alianças de casamento uma vez que essas são de origem pagã? Diz a Bíblia que não devemos tocar no que é imundo. Como interpretar essa questão da perspectiva bíblica cristã”?
Quando respondi com o exemplo do anel que o pai colocou no dedo do filho pródigo, você veio com uma longa explicação tentando justificar que aquilo era uma parábola, portanto tudo ali era simbólico e não servia como endosso do Senhor para o uso de alianças ou anéis. Você acrescentou dizendo ainda ser “uma mística perigosa o ato de usar uma aliança de casamento” e que “quantos mesmo usando aliança estão dentro de lugares com pessoas que não deveriam? E quantos que não usam aliança respeitam de verdade o compromisso? Creio que certas verdades deveriam ser pregadas pelo sistema religioso”.
Seus argumentos são atirados a esmo e eu começaria dizendo que Deus não criou nenhum sistema religioso depois do judaísmo (que Deus colocou de lado), portanto argumentar que “certas verdades deveriam ser pregadas pelo sistema religioso” é um argumento míope, pois não enxerga onde está hoje o mal maior da cristandade, que é justamente dividir os cristãos por diferentes sistemas religiosos. Deus criou “um corpo” e não vários.
O argumento de que certas pessoas usam aliança e não respeitam o compromisso, enquanto outros não usam e “respeitam de verdade o compromisso”, serve para qualquer coisa. Eu posso apontar pessoas que usam ou não automóveis, computadores, sapatos, cuecas... pegue qualquer coisa como exemplo e você encontrará usuários fiéis e infiéis. Eu diria ainda que o ato de não usar uma aliança por motivos religiosos é, na realidade, mais uma superstição ou mandamento criado por homens para poderem se achar mais justos do que outros. Será que você repara em alguém de aliança e o considera inferior a você que não usa aliança? É melhor ler a parábola do fariseu e do publicando orando no Templo, pois isso está me cheirando a farisaísmo.
O argumento de ser a aliança de noivado ou casamento um costume católico também não tem fundamento. Se você se diz contrário ao uso de aliança baseado na ideia de que ela, como escreveu, “foi imposta pelo Papa Inocente II”, então é melhor parar de usar o Novo Testamento, pois sua compilação de 27 livros é fruto do que foi decidido pelos bispos de Roma. Durante a Reforma Protestante o próprio Lutero não queria aceitar os livros de Hebreus, Tiago, Judas e o Apocalipse. Eles constavam da versão de Jerônimo, a Vulgata, que traduziu os textos bíblicos do hebraico e grego para o latim logo no início do cristianismo. Mas Lutero acabou cedendo na hora de traduzir a Bíblia para o alemão, pois eles já faziam parte do cânon usado pela igreja católica.
O fato de anéis ou alianças serem usados em rituais pagãos não significa que não possamos usá-los. Facas também são usadas em rituais pagãos e não acredito que você tenha deixado de comer frango com farofa depois que descobriu uma tigela cercada de velas numa encruzilhada. E quando falta luz em sua casa tenho certeza de que você tem uma vela na gaveta para essa emergência, e se tiver filha, provavelmente coloque fitas em seu cabelo. Tudo isso é usado na macumba e na adoração de demônios.
O costume de usar alianças em compromissos de noivado e casamento não é invenção católica, mas é bem mais antigo. Em nossa cultura o costume foi herdado dos romanos pagãos, tendo sido adotado por judeus e cristãos como um símbolo visível de compromisso. Antes que você se regozije e exclame: “Ahá! Então é um costume pagão”! Devo lembrá-lo que dos romanos também herdamos o Direito Romano, a república, os algarismos romanos, o concreto, os livros encadernados, o calendário Juliano, as privadas e os encanamentos nas casas. Se você é tão rigoroso contra o uso de elementos do paganismo, fico imaginando como deve ser difícil sua vida sem usar o calendário, já que os nomes dos meses são em sua maioria nomes de deuses pagãos da Roma antiga.
Janeiro vem do deus Jano, Fevereiro se refere ao festival religioso Februália ou Purificação, Março é em honra ao deus Marte, Abril tem a ver com Afrodite, deusa do amor, Maio celebra Maia, mãe do deus Mercúrio, Junho vem de Juno, deusa protetora das mulheres, Julho foi criado em homenagem a Júlio César no ano 44 a.C., Agosto veio para homenagear o imperador César Augusto em 8 D.C. Até que poderia ser uma vantagem evitar os meses com nomes pagãos e ficar apenas com Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro para trabalhar. Mas considerando que o Imposto de Renda leva o equivalente a cinco meses de salário do trabalhador, todos os anos você ficaria devendo um mês para o Leão.
O uso de anéis é costume antigo entre o povo de Deus. Quando Tamar se disfarçou de prostituta para seduzir Judá, ela pediu que ele lhe desse “o teu selo, e o teu cordão, e o cajado que está em tua mão” (Gn 38:18). A palavra “selo” é, no original, sinete ou anel de assinatura, como os usados pelos reis para “carimbar” um documento ou um lacre. O próprio Senhor usa a mesma expressão ao falar através do profeta Jeremias “Vivo eu, diz o Senhor, que ainda que Conias, filho de Jeoiaquim, rei de Judá, fosse o anel do selo na minha mão direita, contudo dali te arrancaria” (Jr 22:24).
Quando Tiago fala da discriminação que os cristãos praticavam já nos primeiros dias, argumenta “se no vosso ajuntamento entrar algum homem com anel de ouro no dedo” (Tg 2:2), o que mostra que havia cristãos que tinham o costume de usar anéis. A repreensão de Tiago não é contra o que usava o anel, mas contra os que discriminavam os mais pobres favorecendo os mais ricos. Naquele tempo alguém andar com um sinete ou anel de assinatura era como hoje andar com um cartão de crédito, pois o sinete era a garantia em promissórias e outros documentos.
No Egito Antigo o anel era também um símbolo de autoridade, pois “tirou Faraó o anel da sua mão, e o pôs na mão de José” ao dar a ele a posição de vice-rei de todo o Egito. Mas no passado já vemos um anel ser usado como sinal de compromisso, não diretamente do noivo dando à noiva, mas do servo do pai do noivo. Quando Abraão enviou seu servo em busca de uma noiva para seu filho Isaque, após encontrar Rebeca e certificar-se estar diante da escolhida, o servo explica aos pais dela o que fez: “Então eu pus o pendente no seu rosto, e as pulseiras sobre as suas mãos” (Gn 24:47). Esse “pendente” era na realidade uma argola no nariz e significava compromisso.
Tenho certeza de que você tem mais uma dezena de argumentos contra anéis, pulseiras, mas não estou interessado em ouvir. Será que você pertence a alguma religião legalista, que avalia a fé das pessoas pelas roupas que vestem, ou se usam ou não anéis? Então devo lembrá-lo de que quando o Senhor Jesus esteve na terra ele tratou com brandura os corruptos e as prostitutas e falou com rigor contra os religiosos cheios de justiça própria, como eram os fariseus.