Minhas escolhas são a vontade de Deus?
Sua dúvida tem a ver com a predestinação, algo que a Bíblia afirma claramente em algumas passagens, como Ef 1:4-6, que diz: "Como também nos elegeu nele [em Cristo] antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado" .
Outras passagens são Efésios 1:11, "Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade [não nossa]", e Romanos 9:14-16, "Que diremos pois? Que há injustiça da parte de Deus? De maneira nenhuma. Pois diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece".
Não podemos negar que a Palavra de Deus também fala da responsabilidade do homem em sua perdição eterna por não crer em Jesus, mas no que diz respeito à sua salvação sabemos que no final ninguém terá de que se gloriar na presença de Deus e a iniciativa de buscá-lo jamais teria partido de nós, por sermos por natureza inimigos dele, pois "não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só” (Rm 3:10-12).
Então só posso crer que eu só poderia estar escrevendo isto porque um dia Deus me elegeu e predestinou juntamente com muitos "com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que primeiro esperamos em Cristo; em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa. O qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão adquirida, para louvor da sua glória” (Ef 1:12-14).
Embora muitos cristãos insistem em afirmar que poderão perder uma posição tão segura que temos em Cristo, descanso na certeza de que ainda que eu mesmo quisesse escapar das mãos do Pai e fugir para longe dele até isto seria impossível, como o Senhor Jesus deixou bem claro nestas passagens: “Dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai” (Jo 10:28-29).
As palavras "nunca" e "ninguém" querem dizer exatamente isto que significam: "nunca" e "ninguém". Se você perguntar quem seria capaz de arrebatar uma ovelha da mão do Pai a resposta é "ninguém". Se perguntar quando é que uma ovelha de Cristo poderia se perder eternamente a resposta do próprio Senhor é "nunca". Você duvidaria do que o Senhor afirmou? Nem eu.
Bendita certeza esta, de que aquele que crê em Cristo "tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida" (Jo 5:24)! Que tremendo cântico de louvor pode sair da boca de cada um que foi salvo pela fé e que pode ousadamente declarar com todas as letras:
"Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o matadouro. Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8:31-39).
Mas se Deus "nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, incontaminável, e que não se pode murchar, guardada nos céus para vós, que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo... porque Deus não nos destinou para a ira, mas para a aquisição da salvação, por nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Pe 3:1-5; 1 Tessalonicenses 5:9), será que nossas escolhas teriam sido também predeterminadas por Deus? Será que quando eu decido ir pela direita ou pela esquerda, comer isto ou aquilo, dormir ou acordar, etc. teria sido sempre dirigido por Deus por ter sido tudo isto predeterminado a meu respeito?
Esta foi sua dúvida e a resposta é não, muito embora Deus soubesse de cada uma de suas escolhas, pois é onisciente e também presciente. É claro que nenhuma folha cai sem que não seja da vontade de Deus, mas se isto pudesse significar que quando somos tentados e caímos é porque Deus nos tentou e nos levou à queda a resposta clara da Palavra de Deus é que "ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta. Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz” (Tg 1:13-14). Quero dizer com isto que nenhum cristão poderá se valer da desculpa de ter acabado desta ou daquela maneira no final porque Deus o levou a errar aqui ou ali, ou que Deus tenha predeterminado suas escolhas, inclusive as erradas.
Nossas escolhas são nossa responsabilidade e quando feitas na carne colhemos de seus frutos nesta vida, o que vale para incrédulos e crentes. Em Gálatas 6:7 lemos: "Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear, isso também colherá”. Um pai cria um filho para ser herdeiro seu, mas se o filho vai chegar à maioridade com saúde ou não vai depender de como ele se comportou em sua juventude. Se existe a vontade de Deus existe também a permissão de Deus. Um pai pode querer que seu filho não se machuque, mas pode também permitir que ele suba na mesa que o pai disse para não subir, só para deixar ele aprender da maneira mais difícil se arrebentando no chão.
Um exemplo disto você encontra na história de Balaão em Números 22 e para entender sugiro que você leia todo o capítulo. Ali, em um determinado momento, o ganancioso Balaão é convidado pelos inimigos de Israel a profetizar contra o povo de Deus e amaldiçoá-lo. Porém Balaão é instruído por Deus no modo como devia proceder: "Então disse Deus a Balaão: Não irás com eles" (Nm 22:12).
Aquilo deveria ter sido suficiente para Balaão. Deus havia abençoado Israel e não permitiria que fosse amaldiçoado. Porém a ganância daquele homem o levaria a insistir e a perguntar novamente a Deus, mesmo quando já tinha uma resposta clara e inequívoca de como proceder. Então parece que Deus muda de ideia, como se fosse possível a Deus vacilar entre dois pensamentos: "Veio, pois, Deus a Balaão, de noite, e disse-lhe: Se aqueles homens te vieram chamar, levanta-te, vai com eles” (Nm 22:20).
No primeiro caso era a vontade de Deus, clara e soberana, e no segundo era a permissão de Deus dada em virtude da insistência de Balaão e para sua própria ruína. Deus sabia que Balaão era ganancioso e iria de qualquer maneira seguir com os inimigos de Israel. Tudo indica que Balaão, que não era do povo de Deus, também não seria salvo no final, pois de sua própria boca sai uma profecia que lhe é contrária e que sela seu destino em um lugar distante de Deus, como era o lugar do rico na história contada por Jesus, que de onde estava via Abraão e Lázaro em seu seio:
"Então, proferiu a sua palavra e disse: Palavra de Balaão, filho de Beor, palavra do homem de olhos abertos, palavra daquele que ouve os ditos de Deus e sabe a ciência do Altíssimo; daquele que tem a visão do Todo-Poderoso e prostra-se, porém de olhos abertos: Vê-lo-ei, mas não agora; contemplá-lo-ei, mas não de perto” (Nm 24:15-17).
Antes que você indague como Deus poderia usar um profeta ganancioso como Balaão e que nem mesmo seria salvo no final, lembre-se de que no mesmo capítulo 22 de Números Deus usa a boca da jumenta de Balaão para profetizar na tentativa de frustrar a loucura de Balaão que queria seguir adiante com sua vontade própria na ilusão de que Deus teria contradito sua ordem inicial. Também em João 11:49-52 usou a boca do sumo-sacerdote Caifás para profetizar que seria necessário morrer um homem para que não perecesse toda a nação. Aquele mesmo Caifás estava entre os que logo depois iriam condenar Jesus à morte. Só Deus sabe que destino teve Caifás, mesmo que tenha sido usado por Deus para proferir uma sentença que, apesar de fazer parte dos planos de Deus, envolvia a responsabilidade do homem. Lembre-se do que Jesus disse: "É inevitável que venham escândalos, mas ai do homem pelo qual vem o escândalo”! (Mt 18:7).
Portanto, da próxima vez que você decidir seguir sua própria vontade, mesmo depois de ter a clara e inequívoca Palavra de Deus e a direção do Espírito de como proceder, não se iluda achando que circunstâncias favoráveis e portas abertas para a sua vontade própria sejam um sinal de que Deus mudou de ideia. Você pode estar sendo vítima de sua própria concupiscência e Deus nada mais está fazendo além de "dar linha", como faz o pescador para deixar que o peixe se afaste pensando estar livre do anzol. E é a história de um grande peixe que me vem à mente para ilustrar isto.
Jonas tinha recebido de Deus uma ordem muito clara para ir a Nínive pregar o arrependimento àquele povo, porém decidiu ir na direção contrária. Jonas poderia muito bem ter achado que o fato de ter encontrado um barco prestes a zarpar seria uma indicação de que Deus havia mudado de ideia e estava provendo o necessário para isso. "Jonas se dispôs, mas para fugir da presença do Senhor, para Társis; e, tendo descido a Jope, achou um navio que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem e embarcou nele, para ir com eles para Társis, para longe da presença do Senhor” (Jn 1:3).
O resto da história você já conhece: Deus envia uma tempestade, Jonas é lançado ao mar pelos marinheiros, acaba engolido por um grande peixe que iria vomitá-lo na praia onde receberia novamente a ordem original dada por Deus: "Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e proclama contra ela a mensagem que eu te digo” (Jn 3:2). Em outras palavras, Jonas havia voltado ao ponto de partida e toda a responsabilidade de sua desobediência seria dele, enquanto toda a glória de sua desobediência ser transformada em bênção seria de Deus. Sim, bênção para nós, pois lembre-se de que a experiência desastrada de Jonas acaba sendo usada pelo Senhor como uma figura de sua morte e ressurreição, quando disse:
"Uma geração má e adúltera pede um sinal; mas nenhum sinal lhe será dado, senão o do profeta Jonas. Porque assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do Homem estará três dias e três noites no coração da terra” (Mt 12:39-40).
E apenas para mostrar quão maior que nossos pensamentos são os propósitos de Deus, e como é perfeita e completamente interligada a sua Palavra, observe que é de Jope que Jonas tenta fugir da ordem dada por Deus para pregar aos gentios de Nínive, mas é também da mesma Jope que séculos mais tarde parte Pedro para pregar ao gentio Cornélio, o centurião, inaugurando assim a presença dos gentios no corpo de Cristo que é a Igreja (leia mais em Atos 10).