Sou salvo exclusivamente por graça?

Você perguntou se uma pessoa que tenha aceitado a Jesus Cristo como Senhor de sua vida e único e suficiente Salvador, e venha a “escorregar” em algumas práticas condenáveis e abomináveis aos olhos do Senhor, será salva exclusivamente pela graça, e se tal ideia não poderia encorajá-la a continuar em seu erro.

Bem, sua dificuldade em entender está por não crer na salvação como um fato consumado no momento em que alguém crê em Jesus. Veja que em diversas passagens a Bíblia dá a salvação como algo resolvido, e não como um processo ou uma pendência que ainda teria de aguardar o “bater do martelo” num julgamento final.

“Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida” (Jo 5:24).

“Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa. O qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão adquirida, para louvor da sua glória” (Ef 1:13).

“Estas coisas vos escrevi a vós, os que credes no nome do Filho de Deus, para que saibais que tendes a vida eterna, e para que creiais no nome do Filho de Deus” (1 João 5:13).

Portanto, uma vez salvo, salvo para sempre, e se ocorrer essa “escorregada” da qual falou, que é o pecado -- e todo pecado é abominável aos olhos de Deus -- “temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo. E ele é a propiciação pelos nossos pecados” (1 Jo 2:1-2). Mas se Deus nos dá esse recurso de recorrermos à confissão para podermos contar com o perdão que já foi garantido na cruz, ao mesmo tempo ele alerta: “Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis” (1 Jo 2:1).

Aquele que persiste no erro e não confessa seu pecado será tratado por Deus com disciplina, como faz um pai com seu filho. Vem à memória o alerta que o Senhor deu ao paralítico que tinha acabado de curar: “Depois Jesus encontrou-o no templo, e disse-lhe: Eis que já estás são; não peques mais, para que não te suceda alguma coisa pior” (Jo 5:14).

Supor que não pecaríamos depois de convertidos é confiar na carne. Geralmente aquele que se considera justo e é confiante demais em sua própria fidelidade para achar que não irá mais pecar será o primeiro a negar e esconder seu pecado. Admitir que pecou prejudicaria sua reputação, e ele sempre estaria pronto para afirmar, como Pedro, “Ainda que todos se escandalizem em ti, eu nunca me escandalizarei” (Mt 26:33).

Se fôssemos salvos por obras (ou se mantivéssemos nossa salvação assim) Deus teria que dividir sua glória conosco. Além disso jamais teríamos certeza de coisa alguma, pois como iríamos saber o quanto de boas obras, fidelidade e perseverança seria necessário para nos levar ao céu? Viveríamos como nesses programas de milhagem de passagens aéreas, a todo momento ansiosos para ver se já teríamos milhas suficientes para viajar.

O problema é que, ao contrário desses programas milhagem, o único Ser justo e sem pecado que tem direito a estar na presença de Deus é o Homem perfeito, Jesus. E cada vez que olhamos para Jesus só vemos o quão longe estamos de sua perfeição. Achar que fazendo algo podemos chegar mais perto é pura pretensão. Por isso dependemos da graça de Deus para sermos salvos, e isto é pela fé. Eu não sei como alguém poderia duvidar disso com passagens tão claras quanto esta:

“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:8-10).

Se eu perguntar a Deus se serei salvo por suas obras, Deus responderá com as palavras do versículo acima que não, “porque pela graça sois salvos”. Se eu quiser acreditar que minha fidelidade tenha algo a ver com minha salvação, Deus dirá que é “por meio da fé”. Então, enquanto eu estiver vasculhando em todos os bolsos de meu ser para ver se encontro algo que possa dar ou fazer para Deus a fim de garantir minha salvação, ele me diz: “Isto não vem de vós”, e completa dizendo que é um “dom”, ou dádiva.

Então, se eu ainda insistir e perguntar: “Será que não tem alguma obra que eu possa fazer, Senhor”?, sua resposta será que a salvação “não vem das obras, para que ninguém se glorie”. Então pergunto em que parte do processo as obras aparecem e ele me diz que é depois de eu já ter sido salvo, já que fui novamente “criado em Cristo Jesus para as boas obras” que ele preparou para eu andar nelas. E mesmo que eu as cumpra, no final para quem irá a glória? Para Deus.

No início de sua mensagem você apresentou a suposição de que Deus teria deixado o homem numa situação de incapacidade de viver a sã doutrina para nenhum homem se gloriar de estar andando nela. Agora Deus diz claramente em sua Palavra que a única coisa que ele quis ter certeza de que o homem não iria se gloriar é sua salvação, e que se fosse por obras o homem certamente se gloriaria.

Se, por um lado, você afirmou que o homem seria incapaz de cumprir as demandas de Deus e seguir a sã doutrina (dizendo que é por isso que existem tantas denominações), por outro você ainda deposita confiança no homem ao sugerir que existe um lugar para as obras na salvação, como uma espécie de ajuda humana em algo que só poderia vir de Deus. Pense assim: foi o homem quem se meteu nesse profundo poço de pecado. Como ele poderia supor que conseguirá sair dali sem ser tirado por alguém de fora?

Ao perguntar se uma pessoa que tenha se convertido e crido em Jesus “como único e suficiente Salvador” permaneceria salva mesmo que tivesse dado uma “escorregada” você mesmo já deu a resposta. Ora, se você disse que a pessoa aceitou a Jesus como “único e suficiente” Salvador é porque não existe outro Salvador e nada faltou no que Cristo fez para salvar.

“Único” significa exclusivo, que só ele pode salvar, o que exclui a ajuda do pecador. “Suficiente” mostra que, uma vez tendo ele salvado o pecador, nada mais resta para o pecador fazer. Mas evidentemente entendo bem sua preocupação, pois o argumento da perda da salvação é bastante usado principalmente pelos líderes das religiões pentecostais e outras que não acreditam na salvação eterna, mas numa “salvação volátil” que pode virar fumaça se a pessoa pecar ou não perseverar.

Se tal argumento fosse verdadeiro, voltaríamos ao problema anterior, só que ao invés de perguntarmos o quanto de boas obras seriam suficientes para salvar o pecador, perguntaríamos o quanto de pecado seria suficiente para tirar a salvação de alguém. Neste caso eu tenho a resposta: “Um”. Se um pecado foi suficiente para Adão e Eva terem sido expulsos do Paraíso, como alguém se achará capaz de entrar na presença de Deus com “poucos” pecados? Ou Cristo pagou por todos eles quando morreu na cruz, e perdoou todos eles quando a pessoa creu nele, ou essa pessoa está perdida eternamente se depender de limpar seus próprios pecados. “Porventura pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? Então podereis vós fazer o bem, sendo ensinados a fazer o mal” (Jr 13:23).

Mas então vem sua preocupação que é sincera: Será que alguém que tenha crido que seus pecados foram todos perdoados não voltaria a pecar deliberadamente por saber que não poderá mais perder a salvação? A questão é que um verdadeiro salvo, que possui realmente o Espírito Santo de Deus habitando em si, não ousaria pensar assim. Ele tem horror do pecado. Pode até acontecer de cair, mas se sentirá péssimo enquanto não confessar seu pecado e acertar sua consciência para com Deus.

Portanto, o crente é capaz de pecar depois de salvo, pois se dissesse o contrário ele já estaria condenado pelo pecado da mentira. “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós... Se dissermos que não pecamos, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós” (1 Jo 1:8-10). Mas isto não é uma licença para pecar, mas apenas a primeira parte da explicação que Deus dá de como nos valermos de nosso Advogado no céu.

Deus deixou um recurso para o salvo usar quando cair, e está na continuação da mesma passagem. O recurso não é um aval para pecar, mas a demonstração da graça e misericórdia de Deus que estão disponíveis a todo aquele que crê. E curiosamente você verá que esse recurso não envolve pedir perdão a Deus, uma vez que o perdão já está garantido ao que crê. O recurso é “confessar” nossos pecados, sabendo que não estamos sozinhos nisso, mas temos um Advogado.

“Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça... Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo. E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo. E nisto sabemos que o conhecemos: se guardarmos os seus mandamentos. Aquele que diz: Eu conheço-o, e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e nele não está a verdade. Mas qualquer que guarda a sua palavra, o amor de Deus está nele verdadeiramente aperfeiçoado; nisto conhecemos que estamos nele. Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou” (1 Jo 1:9; 2:1-6).