Servos perdem a salvação?
Você mencionou a parábola do servo prudente em Mateus 24:45-51 e também dos talentos em Mateus 25:14-30 indagando como poderíamos afirmar que o crente não perde a salvação se nas duas parábolas Jesus está falando de servos e não de incrédulos e nelas os servos negligentes são lançados nas trevas exteriores. As passagens são estas:
"Quem é, pois, o servo fiel e prudente, que o seu senhor constituiu sobre a sua casa, para dar o sustento a seu tempo? Bem-aventurado aquele servo que o seu senhor, quando vier, achar servindo assim. Em verdade vos digo que o porá sobre todos os seus bens. Mas se aquele mau servo disser no seu coração: o meu senhor tarde virá; e começar a espancar os seus conservos, e a comer e a beber com os ébrios, virá o senhor daquele servo num dia em que o não espera, e à hora em que ele não sabe, e separá-lo-á, e destinará a sua parte com os hipócritas; ali haverá pranto e ranger de dentes” (Mt 24:45).
"Porque isto é também como um homem que, partindo para fora da terra, chamou os seus servos, e entregou-lhes os seus bens... Mas, chegando também o que recebera um talento, disse: Senhor, eu conhecia-te, que és um homem duro, que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste; e, atemorizado, escondi na terra o teu talento; aqui tens o que é teu. Respondendo, porém, o seu senhor, disse-lhe: Mau e negligente servo; sabias que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei?... Lançai, pois, o servo inútil nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes". (Mt 25:14-30).
Quando ler os evangelhos tenha em mente que ali não existem cristãos, mas judeus. A igreja só seria fundada em Pentecostes, portanto antes disso não existia cristianismo do modo como o conhecemos e nem pessoas tendo o Espírito Santo habitando nelas, como é hoje o caso de todo aquele que verdadeiramente creu em Jesus. Os discípulos do Senhor eram judeus, adoravam no Templo de Jerusalém e ofereciam sacrifícios de animais mortos, como José e Maria fizeram no início dos evangelhos. Quando Jesus curava, ele ordenava ao curado que se apresentasse aos sacerdotes do templo para as oferendas que a Lei determinava em casos assim. Entenda que nada disso faria sentido se aquilo fosse cristianismo, mas estava bem de acordo com o judaísmo.
O próprio Jesus deixou claro que estava aqui neste mundo tratando com judeus e não com gentios: "E ele, respondendo, disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15:24). Ao enviar seus discípulos ele também deixou claro que missão deles nada tinha a ver com os gentios, mas era exclusivamente para judeus: "Jesus enviou estes doze, e lhes ordenou, dizendo: Não ireis pelo caminho dos gentios, nem entrareis em cidade de samaritanos; mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10:5-6).
Tendo isto em mente é preciso entender também que o evangelho que Jesus e seus discípulos pregavam era o "evangelho do Reino", anunciando o Rei que havia chegado para reinar. Um rei tem súditos e entre eles podem ser encontrados os que são fiéis ao rei e os que não são fiéis. O reino que era anunciado, apesar de ter sua origem nos céus, e por isso ser chamado em Mateus de "reino dos céus", devia ter sido instalado na terra caso os judeus recebessem o seu Rei.
Como os judeus não receberam o Rei, o reino passou a existir aqui em forma invisível, conforme o Senhor avisou nesta passagem: "E, interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o reino de Deus, respondeu-lhes e disse: o reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui, ou: Ei-lo ali; porque eis que o reino de Deus está entre vós” (Lc 17:20-21). Mesmo estando o Rei entre eles os judeus não se davam conta de que se encontravam dentro da esfera de um reino que reúne tanto joio como trigo, falsos e verdadeiros servos ou súditos do Rei.
Virá um dia quando o Rei Jesus voltará para estabelecer na terra seu reino de modo manifesto a todos e então os maus servos serão lançados nas trevas exteriores. Mas quando isso acontecer, a Igreja, que são os salvos por Cristo da atual dispensação, já terá sido removida da terra pelo menos sete anos antes no arrebatamento e descerá com Cristo para o evento descrito em detalhes em Mateus 25.
Resumindo: nos evangelhos você não encontra a Igreja, pois esta não existia ainda e o Senhor prometeu que edificaria sua Igreja (Mt 16:18). Nos evangelhos a relação dos homens com Cristo é a de servos porque ele veio para reinar sobre os seus, mas os seus não o receberam (Jo 1:11). Então algo novo acontece após a morte, ressurreição e glorificação do Senhor, que é transformar em nova criação todo aquele que recebe a Cristo, não como Rei (pois agora ele não está tratando com judeus apenas), mas como Senhor (Jo 1:12; Romanos 10:9).
Para compreender estas coisas você precisará deixar de lado as ideias da teologia do pacto (geralmente aceita nas denominações fundamentalistas), que considera a Igreja apenas uma continuação de Israel e detentora das promessas feitas outrora àquele povo. Depois precisará entender o que a Palavra de Deus ensina sobre as diferentes dispensações, que mostram que no presente momento Israel foi colocado de lado por um pouco de tempo, como Paulo explica em Romanos 11, para fundar a Igreja, o corpo de Cristo, e fazer dela o testemunho de Deus na terra.
A qualquer momento a Igreja será arrebatada para os céus (1 Ts 4:17) e dentre os que ficarem aqui, judeus e gentios, se levantará um remanescente de judeus fiéis que serão considerados por Deus o verdadeiro Israel, o qual anunciará que o Rei está voltando para reinar, ao que muitos gentios atentarão e se converterão em súditos do Rei Jesus quando ele estabelecer seu reino de mil anos na terra
Mas mesmo durante esse reino aqui as pessoas não estarão ressuscitadas, mas serão pessoas normais em seus corpos de carne natural como o que temos hoje, e que terão sobrevivido à grande tribulação. É por isso que, ao descrever a grande tribulação em Mateus 24, o Senhor diz que "se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria" (Mt 24:22). A terra será restaurada, mas apenas o suficiente para servir de morada para os que habitarão no reino de Cristo (enquanto isso a Igreja reinará com Cristo a partir do céu).
Durante esse reino de Cristo na terra as pessoas adoecerão, porém terão recursos de cura, e morrerão de velhas, ou serão mortas quando pecarem. A passagem a seguir mostra como será o governo de Cristo na terra nesse reino, com julgamentos diários (de manhã) daqueles que pecarem; a seguinte fala dos que morrerão de idade avançada e na outra fala de cura para as nações. Obviamente no céu não haverá nações, como existem hoje, mas elas existirão na terra durante o reino de mil anos de Cristo.
"Os meus olhos estarão sobre os fiéis da terra, para que se assentem comigo; o que anda num caminho reto, esse me servirá. O que usa de engano não ficará dentro da minha casa; o que fala mentiras não estará firme perante os meus olhos. Pela manhã destruirei todos os ímpios da terra, para desarraigar da cidade do Senhor todos os que praticam a iniquidade” (Sl 101:6-8).
"E exultarei em Jerusalém, e me alegrarei no meu povo; e nunca mais se ouvirá nela voz de choro nem voz de clamor. Não haverá mais nela criança de poucos dias, nem velho que não cumpra os seus dias; porque o menino morrerá de cem anos; porém o pecador de cem anos será amaldiçoado. E edificarão casas, e as habitarão; e plantarão vinhas, e comerão o seu fruto" (Is 65:19).
"No meio da sua praça, e de um e de outro lado do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a saúde das nações” (Ap 22:2).
Portanto, aqui continuará sendo a terra, e não o céu. No final dos mil anos "os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra, e as obras que nela há, se queimarão" (2 Pe 3:10), e haverá "novos céus e nova terra, em que habita a justiça" (2 Pe 3:13), dos quais a Bíblia não fala quase nada por se tratar do estado eterno.
Portanto, voltando à sua pergunta inicial, os servos de que falam as passagens dos evangelhos não são necessariamente salvos por Cristo, mas apenas sujeitos a Cristo de coração ou por conveniência (como ocorre hoje na cristandade). Por isso existe a possibilidade de aqueles que nunca se converteram de verdade serem lançados no lago de fogo.
Mas, como você mesmo mencionou em outra parte, os que creem realmente em Cristo têm a promessa inabalável de João 14:16, que diz "Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre". Obviamente alguém que foi salvo por Cristo tem o Espírito Santo habitando em si para sempre e não poderá jamais se perder, pois o Espírito Santo não ficaria para sempre nessa pessoa se ela fosse lançada no lago de fogo.