Por que tanto silêncio nas reuniões?

Você esteve pela primeira vez em uma reunião de irmãos congregados ao nome do Senhor e chamou sua atenção o silêncio que acontece muitas vezes entre uma coisa e outra. Refiro-me à quando um irmão propõe um hino e ao terminarmos de cantar nem sempre outro irmão propõe outro hino ou oração ou ministra um comentário da Palavra de Deus. Mas certamente não foi apenas o silêncio que chamou sua atenção. Você também percebeu que não havia um homem à frente dirigindo a reunião, como é costume nos diferentes grupos de cristãos.

A descrição bíblica mais clara que temos de como funciona uma reunião da assembleia está em 1 Coríntios 14:26-40, e o trecho começa justamente dizendo o que fazer quando nos reunimos: “Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para edificação...” (1 Co 14:26).

Qualquer leitor atento e livre do condicionamento religioso das denominações logo percebe que na passagem não existe um dirigente além do Espírito Santo de Deus e ninguém está olhando para um ”padre” ou ”pastor” esperando para saber o que fazer, pois é em torno de Cristo, e não de um homem, que estão congregados. ”Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mt 18:20). Assim, ”um tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro, interpretação. Faça-se tudo para edificação” (1 Co 14:26).

A passagem segue dizendo que ”tratando-se de profetas [Os que proferem a Palavra de Deus], falem apenas dois ou três” (1 Co 14:29), indicando que o ministério da Palavra em uma reunião da assembleia ou igreja não está limitado a um “padre” ou “pastor” e muito menos a pessoas indicadas por eles. É o Espírito quem decide e levanta quem trará a Palavra porque somente o Espírito de Deus sabe as reais necessidades daquela assembleia para aquele momento.

A passagem continua dizendo ”e os outros julguem” (1 Co 14:29), apontando a responsabilidade que a assembleia tem de julgar tudo o que está sendo falado segundo o padrão que temos na Palavra de Deus. Se alguém trouxer uma palavra contendo erros doutrinários, ou que venha a tumultuar a ordem, os irmãos podem pedir a esse irmão que se cale. Embora no mundo religioso você não veja isso acontecer com frequência e esteja até acostumado com expressões do tipo ”a igreja do padre Fulano” ou ”a igreja do pastor Sicrano”, a assembleia congregada ao nome do Senhor tem apenas a Jesus no centro, e ninguém mais.

Sem um homem na direção, ”todos podereis profetizar, um após outro, para todos aprenderem e serem consolados” (1 Co 14:31), lembrando que esse ”profetizar” não se trata de algum balbuciar extático (em êxtase) porque ”os espíritos dos profetas estão sujeitos aos próprios profetas” (1 Co 14:32). Isto elimina de vez a desculpa de alguém dizer que, por ser dirigido pelo Espírito Santo, não é capaz de exercer o autocontrole. Ninguém deve perder o controle de si mesmo quando ministra a Palavra na assembleia, e a sequência explica: ”porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz”.

O apóstolo continua dizendo algo que não estava restrito à assembleia em Corinto, mas era praticado ”em todas as igrejas dos santos”, de modo coerente com o endereçamento da própria epístola que é universal e não depende da época e nem do lugar: ”À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados santos, com todos os que em todo o lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1 Co 1:2).

Além de tudo isso, o que mais vemos que era praticado ”em todas as igrejas dos santos”? ”As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas [plural e não restrito a Corinto], porque não lhes é permitido falar” (1 Co 14:34). Embora algumas traduções coloquem vírgula e ponto final após a sentença no versículo 33, outras a ligam ao versículo 34, como você pode reparar nestas duas versões abaixo:

“Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos. As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei” (1 Co 14:33-34) - Almeida Revista e Corrigida Fiel.

“Porque Deus não é de confusão, e sim de paz. Como em todas as igrejas dos santos, conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina” (1 Co 14:33-34) - Almeida Revista e Atualizada.

Tanto uma versão como a outra não trazem problemas quando lemos isso em associação com o que Paulo escreve em 1 Coríntios 7:17: ”É o que ordeno em todas as igrejas”.

A passagem deixa clara a ordem para as irmãs não falarem durante as reuniões da assembleia. Elas obviamente cantam junto com os irmãos, pois falar e cantar são coisas diferentes, e dizem o ”amém” depois que algum irmão ora, apenas concordando com o que foi orado e não ministrando algo de si mesma. Sim, eu conheço todos os argumentos usados para desobedecer esta e muitas outras doutrinas que foram dadas a Paulo, o principal deles de que a cultura da época assim o exigia. Se a cultura fosse a bússola do cristão deveríamos considerar normais o sexo fora do casamento e a união de casais do mesmo sexo, práticas amplamente aceitas na cultura atual.

Você também reparou que as irmãs traziam a cabeça coberta, por um véu, lenço ou chapéu, e isto tem a ver com o que é ensinado em 1 Coríntios 11:1-16, outra das doutrinas dadas a Paulo que foi relegada ao esquecimento no século 20 (porque antes as mulheres cristãs obedeciam este preceito). A cobertura da cabeça também não é por causa da cultura, e fica fácil entender isso perguntando à própria Palavra de Deus: ”As mulheres deveriam cobrir a cabeça por causa dos costumes locais, porque algumas tinham sido prostitutas e tiveram a cabeça raspada ou por quê”? A resposta clara e inequívoca da Palavra de Deus é: ”Por causa dos anjos” (1 Co 11:10). Ao que me consta os anjos não seguem moda e cultura, portanto o que valia para então vale para hoje.

A passagem mostra também que a cobertura da cabeça (o texto original não traz “véu”, mas cabeça “velada”, isto é, coberta) é um ”sinal de poderio”, ou seja, de submissão à cabeça da mulher que é o varão. Este, por sua vez, não cobre a sua cabeça (aqui cabelo não conta como também não conta no caso da mulher) por causa de sua cabeça, que é Cristo. O próprio Senhor também faz parte desta ordem: ”Cristo é a cabeça de todo o homem, e o homem a cabeça da mulher; e Deus a cabeça de Cristo” (1 Co 11:3). Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso jamais iria considerar o texto como discriminatório, pois se fosse estaríamos discriminando Cristo como sendo inferior a Deus. Trata-se apenas de uma ordem que Deus estabeleceu.

O apóstolo Paulo finaliza a passagem deixando claro que as coisas que escreve devem ser obedecidas sem discutir pois, ”são mandamentos do Senhor” (1 Co 14:37), não de Paulo.

Mas sua pergunta estava relacionada apenas ao silêncio que percebeu na reunião, porém eu não poderia deixar de falar de toda a ordem da reunião de assembleia para você entender o contexto. Uma reunião da assembleia não tem o mesmo caráter de uma pregação do evangelho, por exemplo, quando a responsabilidade de falar é do irmão que irá exercer seu dom de evangelista ou pelo menos ”fazer a obra de um evangelista” (2 Tm 4:5), como Paulo exortou Timóteo a fazer por aparentemente ”evangelista” não ser o seu dom.

No caso de uma pregação do evangelho ela não é feita à igreja, ainda que muitos irmãos em Cristo estejam presentes, mas a incrédulos. O que prega tem a responsabilidade da reunião e de apresentar a mensagem com começo, meio e fim e não faria sentido ele ficar em silêncio esperando outros falarem, como acontece na reunião da assembleia. Não é uma reunião da assembleia de crentes, mas uma pregação do evangelho a incrédulos e ninguém esperaria que um incrédulo tomasse a palavra ou fizesse apartes.

Se já não viajei o suficiente discorrendo sobre a ordem da reunião da assembleia em 1 Coríntios 14 vou viajar agora para o Antigo Testamento porque o silêncio tem tudo a ver com a diferença entre a adoração de Israel e da igreja. Em Israel os adoradores não tinham o Espírito Santo habitando neles, como temos hoje. Eles precisavam de um templo de pedras (o único autorizado por Deus estava em Jerusalém), uma classe sacerdotal (clero) que fizesse a intermediação entre o povo (leigos) e Deus, um grupo de homens que eram sustentados pelo povo, os Levitas, para cuidar dos afazeres do templo e também do louvor, e todo um aparato físico, como instrumentos musicais, altares e utensílios.

Da conversa do Senhor Jesus com a mulher samaritana em João 4 aprendemos que aquela forma de adoração estava acabada e que Deus estaria então dando início a uma nova maneira de se adorar:

“Disse-lhe a mulher: Senhor, vejo que és profeta. Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos judeus. Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” (Jo 4:19-24).

O contraste é claro: os judeus adoravam em verdade, pois o faziam segundo os oráculos de Deus que lhes haviam sido confiados, mas não adoravam em espírito porque era uma adoração exterior. A palavra aqui é ”espírito” no sentido do espírito humano do adorador, o qual nesta atual dispensação da igreja está em conexão direta com o Espírito Santo, como mostra Romanos 8:

“Recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai. O próprio Espírito [Santo] testifica com o nosso espírito [humano] que somos filhos de Deus... Também o Espírito [Santo], semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito [Santo] intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito [Santo], porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos” (Rm 8:15-16, 26-27).

Observação: Nem todas as traduções são corretas na hora de tratar a palavra “espírito” na carta aos Romanos, às vezes confundindo Espírito Santo com espírito humano. Na dúvida sugiro que consulte a excelente versão de J. N. Darby (em inglês, francês e alemão) ou a de W. Kelly em inglês, que distinguem corretamente as duas palavras.

Repare que o que Jesus disse à mulher era algo totalmente novo. O crente seria dirigido pelo Espírito Santo de dentro para fora e não apenas de fora para dentro como era um israelita. A adoração do israelita era exterior e necessitava de todo um paramento para ser eficaz, enquanto a adoração cristã parte do interior do crente, do lugar onde o próprio Espírito de Deus habita na presente dispensação. É por isso que o judeu manifestava sua adoração de forma muito mais visível e audível, enquanto o cristão tem o privilégio de adorar a Deus em absoluto silêncio e imobilidade. Uma irmã na reunião da assembleia, mesmo sem dizer nada, pode estar ali em total adoração a Deus, pois sua adoração é em espírito. Mas só será também em verdade se estiver de acordo com as escrituras, e infelizmente não posso afirmar que estas sejam obedecidas em todos os grupamentos cristãos. Ao contrário de Israel também não temos outro sacerdote que não seja o próprio Senhor e nós mesmo somos, todos os salvos, um sacerdócio santo.

Mas se o silêncio pode significar adoração enquanto estamos reunidos ao nome do Senhor, pode também denunciar nossa fraqueza quando o assunto é o ministério da Palavra e o exercício dos dons. Vivemos numa época de ruína e os melhores dons podem não estar ali onde estamos congregados somente ao nome do Senhor, mas espalhados pelas diversas seitas ou divisões da cristandade. Nada podemos fazer para remediar isso a não ser reconhecermos que houve um tempo quando havia ”muitas luzes no cenáculo” [andar superior da casa], mas não vivemos mais nesse tempo do início da igreja. A maior parte das ”luzes” caíram ao nível do mundo, como o jovem Êutico da janela, depois de ter ficado com um pé dentro e outro fora da assembleia até despencar ao nível do chão (veja Atos 20:9-12).

A igreja como um todo caiu do mesmo modo como caiu Israel por desprezar a Palavra de Deus e a direção do Senhor. ”Como se escureceu o ouro! Como se mudou o ouro puro e bom! Como estão espalhadas as pedras do santuário sobre cada rua!”, diz Lamentações 4:1 acerca de israel. Mesmo assim eles achavam que eram justos e corretos enquanto crucificavam seu Messias, o Senhor da glória, até Deus os ter rejeitado por um tempo permitindo que o Templo que tanto prezavam fosse reduzido a escombros no ano 70. A igreja segue o mesmo caminho e é denunciada pelo Senhor em Apocalipse 3:15-18, uma clara descrição de seu estado atual de orgulho, riqueza e, ao mesmo tempo, cegueira e nudez.

“Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca. Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu; aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo, para que te enriqueças; e roupas brancas, para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez; e que unjas os teus olhos com colírio, para que vejas” (Ap 3:15-18).

Portanto, uma resposta breve à sua dúvida sobre o silêncio excessivo entre uma e outra atividade na reunião de assembleia se deve, primeiro ao estado de fraqueza em que vivemos hoje como um remanescente congregado somente ao nome do Senhor e fora dos sistemas religiosos, onde está a grande maioria de nossos irmãos. Segundo, porque precisamos esperar pela direção do Espírito antes de agir na forma de um hino, oração ou ministério da Palavra. Terceiro, porque mesmo em silêncio podemos adorar em espírito e Deus entenderá que fazemos assim em submissão a ele se estivermos também adorando em verdade, e não seguindo preceitos de homens e sendo liderados por eles.