O cristão pode jogar na loteria?
É errado pensar na vida cristã como uma lista de coisas permitidas e coisas proibidas. O cristão tem o Espírito Santo para ajudá-lo a discernir se algo é ou não do agrado do Senhor. Com respeito à loteria, não me lembro de alguma passagem que diga ser pecado apostar na loteria ou em qualquer forma de jogo de azar, porém há muitas passagens que condenam o amor ao dinheiro, que é uma das características dos apóstatas dos últimos dias, os “avarentos” de 2 Timóteo 3.
O mesmo Paulo escreve a Timóteo em 1 Timóteo 6:10 que “ o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores” . Também em Hebreus 13:5 diz: “ Sejam vossos costumes sem avareza (amor ao dinheiro), contentando-vos com o que tendes ; porque ele disse: Não te deixarei, nem te desampararei”.
Provérbios 13:11 também adverte contra o enriquecimento fácil: “ A riqueza adquirida às pressas diminuirá; mas quem a ajunta pouco a pouco terá aumento” , e Eclesiastes 5:11 diz que “ quando se multiplicam os bens, multiplicam-se também os que comem” , ou seja, nem sempre o mais significará mais no final.
Há ainda aqueles que jogam com a falsa desculpa de fazerem isso para ajudar na obra de Deus. Ouvi de pregadores (ou devo dizer “lobos”?) que estimulam a congregação a levar seus bilhetes de loteria para serem abençoados por eles. Obviamente, no caso de ganharem, uma parte vai obrigatoriamente para o “Leão”, mas a outra vai para o “lobo”.
Mas o que dizer dos cristãos que passam por necessidades e ficam em dúvida se a loteria não seria uma solução, não para ficarem milionários, mas apenas para ajudar a pagar as contas? Geralmente os cristãos que jogam na loteria não estão passando fome, mas vamos supor que a necessidade seja real ao ponto de alguém precisar apelar para isso. O problema aí é de fé, pois o cristão deve viver na certeza de que tem um Pastor que nada lhe deixa faltar.
Ficaria estranho eu ler o Salmo 23 assim: “O Senhor é o meu pastor, por isso tenho passado por necessidades”. Antes de duvidar da benignidade de Deus precisamos verificar se o Pastor não está usando seu cajado e sua vara — para evitar que desviemos por um caminho no qual a riqueza fácil nos levaria a andar, ou para nos disciplinar por termos sido levianos na administração das coisas que ele colocou em nossas mãos.
Quando vêm as necessidades, elas podem também ser lições preciosas de Deus para aprendermos a depender dele. Não podemos descartar a possibilidade de que elas venham também para estimular o exercício de outros irmãos, pois sabemos que uma das razões das coletas feitas numa assembleia é socorrer os irmãos necessitados. Todo cristão deve ter em mente que o que acontece consigo pode ser uma lição para si mesmo, uma lição para outros, ou ambas as coisas. Muito do que os santos do Antigo Testamento passaram faziam parte de um plano maior de Deus para nos ensinar lições preciosas:
(Rm 15:4) “ Porquanto, tudo que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que, pela constância e pela consolação provenientes das Escrituras, tenhamos esperança”.
Uma passagem que me vem à mente é a de Esdras, quando ele parte para Jerusalém com uma caravana transportando um tesouro de dar água na boca em qualquer assaltante. Veja o texto em Esdras8:21-32:
“ Então apregoei ali um jejum junto ao rio Aava, para nos humilharmos diante da face de nosso Deus, para lhe pedirmos caminho seguro para nós, para nossos filhos e para todos os nossos bens. Porque tive vergonha de pedir ao rei, exército e cavaleiros para nos defenderem do inimigo pelo caminho; porquanto tínhamos falado ao rei, dizendo: A mão do nosso Deus é sobre todos os que o buscam, para o bem deles ; mas o seu poder e a sua ira contra todos os que o deixam. Nós, pois, jejuamos, e pedimos isto ao nosso Deus, e moveu-se pelas nossas orações. Então separei doze dos chefes dos sacerdotes: Serebias, Hasabias, e com eles dez dos seus irmãos. E pesei-lhes a prata, o ouro e os vasos; que eram a oferta para a casa de nosso Deus, que ofereceram o rei, os seus conselheiros, os seus príncipes e todo o Israel que ali se achou...”.
Na continuação ele diz o que levava de riquezas na caravana: 750 talentos de prata e 100 talentos de ouro. Considerando que um talento era o equivalente a 34 quilos já dá para imaginar o valor do que transportavam sem proteção militar. Mesmo assim Deus honrou sua fé e protegeu aquele tesouro que era destinado ao Templo em Jerusalém:
“ E partimos do rio Aava, no dia doze do primeiro mês, para irmos a Jerusalém; e a mão do nosso Deus estava sobre nós, e livrou-nos da mão dos inimigos, e dos que nos armavam ciladas pelo caminho ” .
Deus nos ensina na sua Palavra que a fonte de nosso sustento deve ser o trabalho. No mundo moderno existem também os investimentos, que podem ser considerados como uma forma de trabalho, algo como comprar algo por um preço e vender por outro (é o caso de ações, fundos de investimentos, caderneta de poupança, etc.).
Mas, embora alguns investimentos envolvam risco, não creio que o jogo puro e simples da loteria possa ser considerado um investimento, já que as chances de alguém ter retorno são infinitamente pequenas. Jogar na loteria é arriscar tudo.
Creio que o maior problema da loteria para o cristão esteja na incoerência de professar uma fé através da qual Deus o sustenta (por meio do trabalho e do exercício dos irmãos na hora da necessidade), enquanto busca “atalhos” para enriquecer. Repito: a maioria dos cristãos que joga na loteria não está em extrema necessidade, mas fazem isso por mera ganância.
O sentimento de Esdras é bem apropriado aqui: ele sentiu vergonha de buscar um recurso que não estaria alinhado com a fé que professou diante do rei. Se um cristão precisar jogar na loteria para resolver seus problemas financeiros, então alguma coisa está muito errada com sua fé, seu modo de vida, ou com a forma como está usando os meios que o Senhor proveu.
É oportuno acrescentar que isto não inclui sorteios dos quais participamos involuntariamente. Ao comprar algo em uma loja e depois de alguns dias ganhar um prêmio graças àquela compra, isso não tem o mesmo caráter de uma aposta. Trata-se apenas de um presente que a loja decidiu dar a um cliente. Ainda que a empresa possa utilizar o sorteio da loteria para decidir para quem vai o prêmio, este decorre de uma compra de um produto necessário, e não do gasto em uma aposta.