O cristão deve permanecer no anonimato?
O anonimato em si não é necessariamente uma coisa boa. Pessoas escrevem cartas anônimas para não serem responsabilizados por suas palavras ou suas consequências. Quando encontramos o anonimato na Palavra de Deus, o objetivo é evitar que o cristão sucumba à vanglória.
Como a própria palavra parece dizer, vanglória pode ser entendida como vã-glória, ou a glória que não serve para nada, que não passa de vaidade. Em Romanos 3:23 vemos que “ todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus ”. Ao ser separado de Deus pelo pecado, o ser humano ficou também destituído da glória daquele que o criou.
Restou ao homem sua própria glória, mas que glória é essa e de quê serve tal glória? A glória do homem é tudo aquilo que buscamos para preencher esse vazio de glória que existe em nós. Procuramos nos gloriar em nossos feitos, em nossa saúde, em nosso carro, em nossa casa, em nossa aparência etc. Porém 1 Pedro 1:24 diz que “ toda a glória do homem é como a flor da erva” que se seca e cai. Tiago4:16 diz que o homem se gloria em suas presunções e “ toda glória tal como esta é maligna” .
Portanto, quando vemos a orientação para fazermos as coisas anonimamente como cristãos é no sentido de evitarmos a vanglória, ou nos gloriarmos em nós mesmos, e não em Deus. É evidente que somente com a ajuda de Deus somos capazes de não nos gloriarmos naquilo que fazemos, ou de não nos sentirmos orgulhosos. Isso está de tal forma entretecido em nossa natureza que se qualquer um de nós disser que não se gloria em si mesmo está mentindo.
Neste sentido não temos um exemplo mais perfeito do que Jesus, que nunca quis atrair a atenção para si, que nunca quis ocupar lugares elevados e queria que apenas o Pai fosse glorificado em tudo o que fazia aqui. Ele não se gloriava em si mesmo, mas em Deus. Este deve ser também o “gloriar-se” do cristão também:
(1 Co 1:30) “ Mas vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção; para que, como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor ” .
O apóstolo Paulo repete a mesma exortação ao falar da obra do evangelho em 2 Coríntios 10:16. Ele não pretendia se gloriar no trabalho que outros tinham feito antes dele, e conclui que “ não é aprovado aquele que se recomenda a si mesmo, mas sim aquele a quem o Senhor recomenda. Mas, agora, vos gloriais em vossas presunções; toda glória tal como esta é maligna ” .
O Senhor Jesus criticou os fariseus em Mateus 23:5 por fazerem “ todas as obras a fim de serem vistos pelos homens ... e o serem chamados pelos homens: — Rabi, Rabi. Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos ” .
Nesta passagem ele mostra também o erro de um cristão adotar títulos que o distinga de seus irmãos, como “Rabi”, “Mestre”, “Doutor”, “Reverendo”, “Pastor”, “Padre”, “Missionário” etc. Dons como pastores, evangelistas e mestres, ou ofícios como anciãos e diáconos, jamais deveriam ser usados como títulos honoríficos, como os homens costumam fazer com “Doutor Fulano” ou “Presidente Sicrano”.
Nas coisas do homem está bem chamar alguém de “Doutor”, “Presidente”, “Mestre”, porque são títulos humanos que distinguem os homens por suas posições na sociedade, mas na “sociedade” de Deus não há posições humanas.
Ainda falando dos fariseus o Senhor Jesus ensinou em Mateus 6:5 que “ quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois gostam de orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa ” .
O erro não estava em orar publicamente, já que existem orações públicas, como as que fazemos quando reunidos ou mesmo à mesa antes das refeições. O problema estava no objetivo da oração, que era a autopromoção. O Senhor conclui que, por ser esse o objetivo deles, já tinham sido atendidos. Se eu orar com o objetivo de ser visto, e não de me dirigir a Deus para expor minhas necessidades, terei sido atendido no objetivo (ser visto), mas não o serei nas necessidades, pois não foram elas o motivo de minha oração.
Quando ele fala da ajuda ao próximo, também exorta ao anonimato: Mateus 6:3 “ quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita; para que a tua esmola fique em secreto ; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará". Creio que aqui vale também o mesmo raciocínio: se ajudo alguém com o objetivo de receber glória dos homens, é só isso que vou receber em troca.
No caso da coleta que é feita na reunião da assembleia, em 1 Coríntios 16:2 diz que “ no primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar” e em 2 Coríntios 9:7 que “ cada um contribua segundo propôs no seu coração” . Embora a expressão “segundo propôs no seu coração” possa indicar um ato feito no anonimato, não se trata de uma lei ou regra. Mas faremos bem se seguirmos o princípio do evangelho: “para que fique em secreto”.
Em qualquer situação, seja ao contribuir ou fazer o bem a alguém, o que o Senhor abomina é a vanglória, e não o ato em si. O melhor é fazermos essas coisas no anonimato, pois “ muitos há que proclamam a sua própria bondade ; mas o homem fiel, quem o achará?" (Pv 20:6). Em Provérbios 16:5 diz que o Senhor detesta os orgulhosos de coração e em Tiago4:6 Deus se opõe a eles .
Mas o que fazer quando se trata de escrever um comentário bíblico ou pregar o evangelho? Devo fazer isso no anonimato para evitar a vanglória? Evidentemente é difícil pregar publicamente mantendo-se no anonimato. Não consigo imaginar um pregador atrás de uma cortina ou falando pelo sistema de som ambiente para não se identificar.
No meu entendimento anonimato na pregação do evangelho e principalmente no ensino e comentário das Escrituras traz um sério perigo. Pessoas que falam ou escrevem anonimamente geralmente não querem ser responsabilizadas pelo que estão fazendo. Se leio um texto anônimo que contém erros graves contra a Pessoa de Jesus, a quem devo responsabilizar por isso?
Existe também o perigo da falsa humildade escondida na decisão não assinar um livro ou um texto. O argumento mais frequente é que o autor não deseja ser louvado pelo que fez, mas quer que todo louvor seja dado a Deus.
Pode parecer uma decisão muito bonita, mas eu pergunto: Quem foi que disse que aquilo seria digno de alguma admiração ou louvor? Não seria presunção do autor achar que seu trabalho viria a merecer algum louvor ao decidir que ele deveria ser dirigido a Deus?
(2Tm 3:2) “ Porque haverá homens amantes de si mesmos, presunçosos ..."
(Tg 4:16) “ Mas, agora, vos gloriais em vossas presunções ; toda glória tal como esta é maligna”.
O melhor mesmo é também nisto buscar a direção do Senhor, pois nem todos os que assinam seu trabalho podem estar buscando sua própria glória, e nem todos os que não assinam seu trabalho fazem isso para fugir de serem responsabilizados por algum erro. Digno de nota é o caso de Fanny Crosby, que escreveu mais de 9 mil letras hinos, muitos deles cantados regularmente por muitos cristãos, como é o caso de “A Deus demos glória”, “Junto a Ti”, “Quero estar ao pé da cruz” e outros.
Sua produção de hinos era tão grande, que para evitar que alguns hinários ficassem só com o seu nome em todos os hinos os editores sugeriam que ela usasse pseudônimos. Assim muitos de seus hinos foram publicados com pseudônimos com Ella Dale; Jenny V., Mrs. Jenie Glenn, Mrs. Kate Grinley, Viola, Grace J. Francis, Mrs. C. M. Wilson, Lizzie Edwards, Henrietta E. Blair, Rose Atherton, Maud Marion, Leah Carlton e outros.