A Bíblia não é toda inspirada?

O que escrevi a respeito de Eclesiastes não significa que a Palavra de Deus não seja inspirada, mas apenas que é preciso entender a perspectiva das diferentes porções da Palavra. Quando um escritor qualquer conta de sua vida em uma autobiografia entendemos que aquilo é diferente de um romance que ele tenha escrito ou de um livro de negócios de sua autoria. Todos são de sua autoria, mas cada livro tem um aspecto diferente, uma aplicação diferente. Assim é a Bíblia.

O livro de Ester, por exemplo, em nenhum momento traz a palavra “Deus”, mas isso não significa que Deus não esteja nos bastidores de tudo o que acontece ali. Portanto, entender que os livros de Provérbios e Eclesiastes são escritos da perspectiva das coisas que acontecem nesta vida é importante, pois também podemos ver que o que eles dizem é plenamente aplicável a todos os homens, independente de serem crentes ou incrédulos.

Um ateu que viva segundo os preceitos de Provérbios ou Eclesiastes será relativamente feliz e evitará muitos problemas nesta vida, em seu relacionamento com a esposa, o patrão, etc., ainda que depois seja condenado ao lago de fogo. Mas, no que diz respeito a esta vida (ao que está debaixo do sol), os preceitos desses livros se aplicam perfeitamente a ele e não são impossíveis de serem cumpridos. Porém, para ele nada do que diz, por exemplo, o capítulo 1 de Efésios tem qualquer validade, pois ele não está entre os que desfrutam de uma vocação celestial. Quando ali fala de uma herança celestial, não está se referindo a ele, mas aos que creem.

Você perguntou sobre Jó7:9 como se o que está ali fosse incompatível com passagens que falam da ressurreição de Lázaro, por exemplo. (Jó 7:9) “ Tal como a nuvem se desfaz e passa, aquele que desce à sepultura nunca tornará a subir ” . Este é um caso onde também precisamos entender quem disse e em que contexto. Quem disse isso, Deus ou Jó Na verdade na maior parte do livro Deus está nos contando o que Jó disse, que pode ou não representar o pensamento de Deus. Neste caso em particular estamos vendo as palavras de Jó citadas na Palavra de Deus, como acontece quando um autor cita uma frase de outra pessoa em seu livro, sem com isso querer dizer que aprova o pensamento do outro.

Aliás, se ler com atenção o livro de Jó verá que muito do que não apenas Jó mas também seus amigos, dizem está errado, apesar de estar na Bíblia. São os pensamentos de Jó e de seus amigos, e Deus os repreende por isso no final. O que Jó diz aqui ele está dizendo para Deus, é uma espécie de queixa por seu estado. Em outra passagem, porém, Jó declara em alto e bom som que irá ressuscitar:

(Jó 19:25-27) “ Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consumida a minha pele, ainda em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros, o verão; e, por isso, o meu coração se consome dentro de mim”.

Obviamente agora Jó está falando, não como um homem se queixando contra Deus, mas inspirado o suficiente para proclamar a esperança da ressurreição (que ele negava algumas páginas antes). Agora vemos que os pensamentos de Jó estão em sintonia com os pensamentos de Deus, o autor da Bíblia.

O perigo de ler a Bíblia como um livro de regras reside aí: tomar tudo como ordenança de Deus. Toda a Bíblia é a Palavra de Deus, mas é preciso distinguir quando Deus está falando e quando o homem está falando. O fato de o Autor às vezes narrar o que alguém disse não significa que ele concorde automaticamente com aquilo, ou que seu escrito não seja genuíno ou inspirado.