O cristão deve ser sem igreja?

A ideia de um “cristão sem igreja” é absurda e não tem fundamento nas Escrituras. Atos 2:47 diz que “ todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar” . Se o próprio Senhor acrescenta à Igreja todos os dias os que “ haviam de se salvar” ou, como diz em outra tradução, “ os que iam sendo salvos” , como pode existir um salvo “sem igreja”? A igreja é o corpo de Cristo, ao qual cada salvo é adicionado como membro, e desse corpo ele jamais será subtraído, e nem conseguirá se desligar por si próprio, pois esse corpo é controlado pela cabeça, que é Cristo.

Resumindo: é impossível a qualquer ser humano se tornar membro da igreja por decisão sua, e é impossível também que ele se desligue ou seja desligado da igreja que é o corpo de Cristo. E quando cristãos estão congregados sobre o fundamento bíblico do “um só corpo” não estão considerando “seu grupo” a igreja, mas apenas o testemunho ou expressão local desta. Um exemplo prático e interessante foi o diálogo de um irmão congregado ao nome do Senhor somente, com outro irmão em Cristo membro de uma denominação, quando se encontraram no ponto de ônibus:

O primeiro: “Vi você hoje lá na reunião quando celebramos a ceia do Senhor”

O segundo: “Impossível, eu não vou lá e nunca fui”

O primeiro: “Mas eu vi você sim. Você estava lá no pão”.

(1 Co 10:16) “ Porventura o cálice de bênção que abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos, não é porventura a comunhão do corpo de Cristo? Pois nós, embora muitos, somos um só pão, um só corpo ; porque todos participamos de um mesmo pão”.

A grande confusão é que a maioria dos cristãos considera “igreja” como uma organização ou o conjunto de organizações religiosas existentes no mundo. E aí alguns saem proclamando os cristãos a se tornarem “sem igreja”.

Ontem recebi uma mensagem de uma irmã que criou o “Movimento dos Sem-Igreja”, seja lá o que isso signifique. Obviamente as razões para o seu movimento é a decepção com o sistema tradicional. O problema é que para embasar o seu “movimento” ela começa a ensinar (contrariando o que diz em 1 Timóteo 2:12 sobre a mulher ensinar) que a ceia do Senhor a que Paulo se refere não é com pão e vinho tangíveis, mas espirituais. Ou seja, diante da questão de onde iriam participar da ceia os que seguissem seu movimento “sem igreja”, ela resolveu o problema eliminando a própria ceia, isto porque continua considerando “igreja” uma instituição organizada.

Pode esperar que essa decepção com a cristandade institucional só levará a mais erros, pois a discussão toda perde de vista o ponto principal. O que está errado não é só a maneira como os cristãos estão congregados ou organizados, mas o fundamento de tudo isso. A grande maioria dos livros e movimentos conclamando as pessoas a saírem de suas denominações e buscarem alternativas no modo de congregar-se simplesmente se propõe a buscar uma melhoria do sistema, e não abandonar de vez os fundamentos do mesmo sistema, e tampouco voltar aos fundamentos da Palavra, em especial à Pedra fundamental.

Um texto muito bom para ler é Hebreus 13. Havia todo um sistema de coisas do judaísmo às quais os cristãos-hebreus teimavam permanecer apegados. Mas o Espírito Santo diz simplesmente que Cristo não estava nesse sistema de coisas, por mais pessoas piedosas e verdades que ele pudesse incluir. Jesus tinha sido excluído dali e estava agora “fora do arraial” (o sistema organizado judaico). Hebreus 13:13 ordena: “ Saiamos, pois, a ele fora do arraial, levando o seu vitupério”.

A questão não está em reformar o arraial, e também não se limita a sair do arraial. O ponto focal da mensagem de Hebreus está na expressão “ a ele” . Trata-se de sair a Cristo. Não se trata nem de reformar, e nem de apenas sair, mas de sair a Cristo, de ter a ele como o centro como era no princípio, quando dois ou três estavam congregados em seu nome, para ele, e reconhecendo a ele somente como centro das atenções.

No monte da transfiguração os discípulos ainda tinham sua atenção dividida entre Jesus, Moisés e Elias, tanto é que se propõem a construir três tendas, uma para cada um deles. Eles colocam Jesus no mesmo plano daqueles homens e Deus precisa intervir para tirar de vez o foco deles de outros e concentrá-lo em Jesus.

(Mc 9:7-8) “ E desceu uma nuvem que os cobriu com a sua sombra, e saiu da nuvem uma voz, que dizia: Este é o meu Filho amado; a ele ouvi. E, tendo olhado ao redor, ninguém mais viram, senão Jesus com eles”.

Não se trata de “sair da igreja” porque isso que existe por aí não é igreja . Igreja foi, é, e continuará sendo o Corpo de Cristo, o conjunto indivisível e indenominado de todos os salvos por Cristo. E a expressão local e visível dessa igreja (é um equívoco pensar numa “igreja invisível”, mesmo porque os salvos são perfeitamente visíveis neste mundo) é formada por dois ou três reunidos em nome de Jesus, nos moldes que ele determinou em Mateus 18. Qualquer leitor atento verá que o texto ali não está tratando de dois ou três cristãos batendo papo durante o cafezinho, mas de algo solene que até mesmo envolve a ação de ligar e desligar, ou seja, inclui responsabilidades, governo e juízo.

Resumindo, existe hoje um sistema, que se denomina “igreja” e não é , e um movimento de repúdio a essa “igreja” visando reformar tudo isso para criar algo alternativo e melhor que também não será “igreja”. Eu estou fora de um e de outro, porque nada disso é o que encontro em Hebreus: sair a Jesus.

Qualquer denominacional protestante se sente ofendido quando dizemos que sua igreja não é a igreja da Bíblia, como também fica ofendido o católico se negarmos à igreja católica o status de “igreja”. O que não percebem é que, ainda que seus respectivos sistemas e organizações não sejam a igreja e nem a representem, eles próprios, os indivíduos que crerem, são membros do corpo de Cristo, que é a Igreja. Negar às organizações o status de igreja não é negar aos seus membros o status de membros do corpo de Cristo. Se todas as organizações humanas chamadas igrejas desaparecessem neste exato momento, a Igreja continuaria existindo de forma visível no conjunto de membros do corpo de Cristo e onde dois ou três estivessem congregados em nome de (e para) Jesus.

De um lado temos homens historicamente organizados, e de outro temos homens tentando se reorganizar. Mas a pergunta é: Onde está Jesus para eu sair a ele? O cristão sincero encontrará a resposta se fizer a pergunta ao próprio Senhor, como os discípulos fizeram, e depois seguir “o homem carregando um cântaro de água” até o cenáculo.