Como um cristão pode viver solteiro?
Você falou da sua dificuldade diante das tentações por ter ficado viúvo há 3 anos. Acredite, você não está sozinho. Eu diria até que devem existir mais cristãos solteiros, separados e viúvos do que casados neste mundo. Portanto não assuma a posição de vítima ou mártir pensando que o problema é só seu.
(1 Pe 5:8-9) “ Sede sóbrios, vigiai. O vosso adversário, o Diabo, anda em derredor, rugindo como leão, e procurando a quem possa tragar ; ao qual resisti firmes na fé, sabendo que os mesmos sofrimentos estão-se cumprindo entre os vossos irmãos no mundo ” .
Quando perguntou se, antes de casar-se novamente, Deus o condenaria por ter relações sexuais com cristãs que estão na mesma situação que você, fiquei na dúvida se estava falando sério ou brincando. É que se mudarmos um pouco sua pergunta, ela serviria também para quem está temporariamente desempregado: “Até eu conseguir um novo emprego, posso sair por aí roubando?”.
Para entender a questão das tentações e desejos sexuais, primeiro é preciso entender por que Deus criou o sexo. O desejo sexual não é, como muitos pensam, como o apetite ou a sede. Um ser humano não pode viver sem comer, beber ou respirar, mas pode viver sem ter relações sexuais. Ninguém morreu por ser celibatário ou por praticar a abstenção, mas é comum você ouvir de pessoas que morreram no ato sexual e por causa dele.
Deus deu aos seres humanos a atividade sexual, que inclui o prazer sexual, depois de criar o homem e a mulher para formarem um casal, dizendo que crescessem e se multiplicassem. Então o sexo foi dado como algo complementar à união entre um homem e uma mulher, uma espécie de união de fato ou consumação do compromisso assumido, e nesta ordem: primeiro Deus os fez um casal para viver o compromisso do matrimônio, e depois deu a eles a ordem da multiplicação que envolve o ato sexual.
Não creio, porém, que o ato sexual entre um casal esteja restrito à procriação, pois vemos Isaque e Rebeca brincando, provavelmente com carícias sexuais que não são feitas entre irmãos e caracterizam uma relação entre um casal:
(Gn 26:8-9) “ Ora, depois que ele se demorara ali muito tempo, Abimeleque, rei dos filisteus, olhou por uma janela, e viu, e eis que Isaque estava brincando com Rebeca, sua mulher . Então chamou Abimeleque a Isaque, e disse: Eis que na verdade é tua mulher; como pois disseste: E minha irmã?"
Encontramos também referências em Coríntios para que o casal não se abstenha de ter relações sexuais, salvo por mútuo consentimento, e ali certamente não está restringindo à questão da procriação:
(1 Co 7:3-5) “ O marido pague à mulher o que lhe é devido, e do mesmo modo a mulher ao marido. A mulher não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim o marido; e também da mesma sorte o marido não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim a mulher. Não vos negueis um ao outro, senão de comum acordo por algum tempo, a fim de vos aplicardes à oração e depois vos ajuntardes outra vez, para que Satanás não vos tente pela vossa incontinência”.
Repare que nesta segunda passagem, trata-se de uma relação de dar, e não de receber. O marido deve dar à mulher o que deve ser dela e vice-versa. Aqui significa que se o marido tiver desejo de sexo, a mulher deve satisfazê-lo, e se a mulher tiver desejo de sexo, o marido deve satisfazê-la. Equivale dizer que cada cônjuge não pratica a relação para a satisfação própria, mas para a satisfação do outro.
Como em todas as outras coisas, o cristão deve buscar fazer as coisas para o Senhor e para o próximo, não para si mesmo. Esta é uma das razões pelas quais a masturbação não é uma prática saudável para o cristão, pois é egocêntrica. Trata-se de buscar prazer para si mesmo, e não raro termina em frustração pelo fato de se sentir solitário. Toda a imaginação e fantasia de uma segunda pessoa desaparece tão logo acaba o prazer físico.
Quando conhecemos o Novo Testamento entendemos que a união de um casal no matrimônio é figura de algo ainda mais elevado, que é união entre Cristo e sua noiva, a Igreja. A cada ato sexual o casal está confirmando ser “uma só carne”, daí a exortação em 1 Coríntios para o cristão não se unir sexualmente com uma prostituta, pois isso caracterizaria o “uma só carne”, porém sem o compromisso do matrimônio e nem sequer a amizade que deve existir entre duas pessoas que se desnudam revelando assim não estarem escondendo coisa alguma uma da outra.
(1 Co 6:15-20) “ Não sabeis vós que os vossos corpos são membros de Cristo ? Tomarei pois os membros de Cristo, e os farei membros de uma meretriz? De modo nenhum. Ou não sabeis que o que se une à meretriz, faz-se um corpo com ela ? Porque, como foi dito, os dois serão uma só carne . Mas, o que se une ao Senhor é um só espírito com ele. Fugi da prostituição. Qualquer outro pecado que o homem comete, é fora do corpo; mas o que se prostitui peca contra o seu próprio corpo. Ou não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que habita em vós, o qual possuís da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço; glorificai pois a Deus no vosso corpo ” .
Agora pense no relacionamento entre Cristo e sua Igreja, ou particularmente entre ele e cada cristão. Você imaginaria alguém se converter a Cristo sem um compromisso, mas apenas para receber certas vantagens? Algo do tipo, “quero que o Senhor me salve, me abençoe, me faça sentir bem, ser feliz, etc., mas não quero um comprometimento”.
Quando um homem chega a uma mulher, ou uma mulher a um homem, em busca de sexo fora do casamento, é como se estivesse dizendo: “Quero me desnudar na sua presença, ter todo o prazer e benefícios do ato sexual, mas sem nenhum compromisso”. Imagine o Senhor dando a você o que pede e depois dizendo: “Muito bem, você precisava de um emprego e eu lhe dei um. Agora não me procure mais que não temos nada juntos”.
A união entre um homem e uma mulher é uma figura da relação entre Cristo e sua Igreja, e essa relação é de união mesmo. Tanto é que somos chamados de corpo, do qual ele é a cabeça. Agora Cristo é meu e eu sou dele. Esta expressão é usada pela noiva de Cantares em relação ao seu Noivo, ali uma figura de Israel e do Messias que é Jesus: (Ct 2:16) “ O meu amado é meu, e eu sou dele” .
Mas como lidar com a condição de viúvo ou solteiro? na verdade a Palavra de Deus diz que é uma condição até melhor do que a de casado.
(1 Co 7:1-35) “ Ora, quanto às coisas de que me escrevestes, bom seria que o homem não tocasse em mulher ; mas, por causa da prostituição, tenha cada homem sua própria mulher e cada mulher seu próprio marido.... Acho, pois, que é bom, por causa da instante necessidade, que a pessoa fique como está . Estás ligado a mulher? não procures separação. Estás livre de mulher? não procures casamento. Mas, se te casares, não pecaste; e, se a virgem se casar, não pecou. Todavia estes padecerão tribulação na carne e eu quisera poupar-vos . Isto, porém, vos digo, irmãos, que o tempo se abrevia; pelo que, doravante, os que têm mulher sejam como se não a tivessem... Pois quero que estejais livres de cuidado. Quem não é casado cuida das coisas do Senhor, em como há de agradar ao Senhor, mas quem é casado cuida das coisas do mundo, em como há de agradar a sua mulher, e está dividido. A mulher não casada e a virgem cuidam das coisas do Senhor para serem santas, tanto no corpo como no espírito; a casada, porém, cuida das coisas do mundo, em como há de agradar ao marido. E digo isto para proveito vosso ; não para vos enredar, mas para o que é decente, e a fim de poderdes dedicar-vos ao Senhor sem distração alguma”.
Pode parecer estranho encontrarmos isso no Novo Testamento, uma vez que no Éden Deus decidiu que não era bom o homem estar só, por isso lhe deu a mulher. Em Gênesis 2:18 “ Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só ; far-lhe-ei uma ajudadora que lhe seja idônea". Então em 1 Coríntios 7 diz que “é bom... que a pessoa fique como está”, ou seja, solteira.
Mesmo que pareça uma incoerência, as duas coisas estão corretas e vou explicar a razão. Deus continua abençoando a união estável entre um homem e uma mulher no matrimônio, e ao mesmo tempo nos diz que é melhor ficarmos solteiros, ou literalmente, “ bom seria que o homem não tocasse em mulher” .
A razão disso é o que depois que Deus instituiu o matrimônio, o pecado entrou na Criação e arruinou tudo. A partir de então, até as coisas que Deus estabeleceu como boas, como o matrimônio, estão sujeitas a fracassar e a trazer dores e sofrimentos. Deus ordenou que eles se multiplicassem, porém depois da queda as dores de parto entraram em cena para estragar a alegria da mulher e às vezes até levá-la à morte. Deus ordenou que Adão lavrasse o jardim, mas depois da queda a terra passou a dar espinhos e pragas, e hoje é com suor que o homem ganha o pão.
Portanto, não se iluda: o matrimônio traz muitas alegrias, mas pode também trazer muitas tristezas, e é disto que o apóstolo está falando em 1 Coríntios. O próprio Senhor aconselha o celibato ao tratar do divórcio, esse fracasso no matrimônio. A “Escala de Holmes-Rahe para Avaliação do Estresse” coloca o “divórcio” como segunda maior causa de estresse, só perdendo para o primeiro da lista que é “a morte do cônjuge”. Em terceiro vem “ser preso” e em quarto “a morte de pessoa da família”. É por esta razão que o divórcio, que é um efeito colateral dos danos causados pelo pecado na instituição do matrimônio, foi comentado pelo Senhor Jesus seguido de um conselho para que o homem permanecesse solteiro:
(Mt 19:10-12) “ Disseram-lhe os discípulos: Se tal é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar . Ele, porém, lhes disse: Nem todos podem aceitar esta palavra, mas somente aqueles a quem é dado. Porque há eunucos que nasceram assim; e há eunucos que pelos homens foram feitos tais; e outros há que a si mesmos se fizeram eunucos por causa do reino dos céus. Quem pode aceitar isso, aceite-o ” .
Não devemos nos esquecer também que Jesus, o homem perfeito, e que é nosso exemplo a ser seguido, era solteiro.
Eu sei que não dei a você o remédio para a aflição de suas tentações sexuais, mas quis mostrar dois pontos importantíssimos: primeiro, que o ato sexual é um complemento do casamento, o qual é em si um compromisso assumido com tanta seriedade quanto quando nos convertemos a Cristo. Não existe um desnudamento de nosso ser diante de Deus e a aceitação dos benefícios da salvação sem um comprometimento. E não deve existir um desnudamento de um casal e uma união pelo ato sexual sem que antes exista um compromisso matrimonial.
A outra coisa que tentei mostrar a você é que ser solteiro não é uma desgraça ou o fim do mundo. Mesmo num casamento perfeito o romance tem seus altos e baixos, e o sexo um dia termina, mas a relação de amizade, comunhão, compromisso, intimidade e respeito podem continuar muito bem, pois são as bases que sustentam a união homem-mulher.
Hoje somos bombardeados por uma cultura que, ao mesmo tempo em que tenta nos convencer que somos perdedores e fracassados se não estivermos em algum tipo de relacionamento, insiste que devemos viver livres de um compromisso sério, buscando apenas a proximidade necessária para satisfazer o apetite sexual, como se fosse algo tão vital quanto comer, beber e respirar.
Lembrei-me de que o livro “Vida com propósitos” de Rick Warren traz dois capítulos bem pertinentes sobre como lidar com as tentações sexuais. Eu particularmente não gosto do livro por ser do tipo motivacional, mas estes capítulos particularmente têm instruções bem práticas para o assunto tratado aqui.