O cristianismo não é uma religião?

Será que entendi que você é católico? Quando me converti a Cristo voltei para o catolicismo onde havia sido criado. Durante um ano fui assíduo frequentador das missas e ajudava o padre, tendo formado um grupo de jovens para estudar a Bíblia. Enquanto isso devorava os livros de doutrina católica e a Bíblia, até perceber que havia várias discrepâncias (a primeira foi a sensação de ter sido ludibriado quando descobri que os dez mandamentos haviam sido reduzidos a 9 e o último dividido em dois para continuarem dez). Você deve ter lido minha história em www.stories.org.br/angels.html/.Na escola podemos aprender que o cristianismo é uma religião, como tantas outras. Mas não é tão simples assim.

Ao contrário do que aconteceu com o judaísmo, a única religião no verdadeiro sentido da palavra que foi dada por Deus aos homens, o cristianismo não é nem a continuação do judaísmo e nem uma nova religião. Sim, você está certo ao falar de religião com sua conotação de “religar”, mas o cristianismo não é capaz disso. Foi uma Pessoa que Deus deu para religar o homem a Deus e, em certo sentido, nem é mais religar, mas criar de novo, porque Deus não reforma a ruína em que se tornou o homem com a queda. Deus cria um novo homem em Cristo. Trata-se de uma nova criação (a tradução mais adequada para “Pelo que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” 2 Co 5:17).

O judaísmo, sim, era uma religião, com seus rituais, suas práticas, seus dogmas, seus sacerdotes, e tantas coisas que acabaram só servindo para reforçar a realidade de que é impossível o homem se salvar ou se “religar” a Deus por suas próprias práticas.

Você escreveu que nem toda a verdade está na Bíblia, mas a pergunta óbvia para isso é “O que é a verdade?”. Pilatos fez a mesma pergunta: “Perguntou-lhe Pilatos: Que é a verdade? E dito isto, de novo saiu a ter com os judeus, e disse-lhes: Não acho nele crime algum” (Jo 18:38). Pilatos nem ao menos deu tempo para a resposta, pois imediatamente voltou-se para os judeus. A verdade estava na frente dele.

Sim, a Verdade é Cristo e a Bíblia contém toda a Verdade, porque é de Cristo que ela se ocupa. Ele é o princípio e o fim da Bíblia tanto quanto da Criação em Gênesis (“No princípio era o Verbo...”) quanto das últimas palavras de Apocalipse (“Ora, vem, Senhor Jesus”). Cristo é o cerne e espírito de tudo o que Deus quis revelar ali, pois “o testemunho de Jesus é o espírito da profecia” (Ap 19:10).

É claro que seria impossível toda a verdade acerca de Jesus, a Verdade em Pessoa, caber em um livro. É por isso que, quando a Bíblia apresenta em maior profundidade seu caráter de Deus, ela o faz através do evangelho de João, um livro que, de suas primeiras às suas últimas palavras, não tem começo (“No princípio...”) e não tem fim (“E ainda muitas outras coisas há que Jesus fez; as quais se fossem escritas uma por uma, creio que nem ainda no mundo inteiro caberiam os livros que se escrevessem”).

Pensar em “erros” na transmissão da Palavra de Deus é pensar que não exista um Deus cuidando disso e que nós, meros humanos, poderíamos por tudo a perder. De fato pusemos tudo a perder no sentido do testemunho que foi deixado aos homens (veja a bagunça em que se transformou a cristandade), mas no que ficou para Deus resolver, ele cuidou direitinho para que eu e você pudéssemos ter acesso à sua Palavra. Antes de Gutemberg ela era copiada à mão ou guardada na memória. É um engano pensar que apenas Roma teve acesso aos manuscritos (que são, na verdade, cópias de cópias). O volume de manuscritos existentes fora dos muros de Roma é maior do que os existentes lá.

Havia imperfeições na transmissão? Possivelmente, mas sabendo que nada acontece se não existir uma ação do Espírito Santo na alma antes até da pessoa receber a Palavra de Deus, podemos ficar sossegados que ele deu um jeito de salvar pessoas todo esse tempo, apesar das imperfeições dos homens. A ideia de sucessores dos apóstolos é equivocada, já que apóstolos não tiveram sucessores (não há apóstolos hoje), por terem sido pedras do alicerce do qual Cristo foi a pedra angular.

Sei que muitos católicos se arrepiam quando trato deste assunto, mas Pedro não foi a “pedra” sobre a qual Cristo disse que edificaria sua igreja, pois decidi perguntar isso a Pedro e ele respondeu dizendo quem era essa “pedra” à qual Cristo se referia. “Chegando-vos para ele, [Jesus] pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa. Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual... Eis que ponho em Sião a Pedra principal da esquina, eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido. E assim para vós, os que credes, é preciosa, mas para os rebeldes, a Pedra que os edificadores reprovaram essa foi a principal da esquina: e uma Pedra de tropeço e Rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na Palavra”. (1 Pe 2:4-8).

Quanto às pessoas às quais você se referiu, que viveram santamente, se elas creram em Jesus estão salvas, no céu. Minha mãe, que já está lá porque creu no Salvador, costumava dizer às suas amigas católicas, tendo ela mesma sido católica por muitos anos antes de entender o evangelho mais claramente: “De quem São Fulano, Santa Cicrana e São Beltrano eram devotos? Leia a história deles e você verá que todos eram devotos de Jesus. Faça o mesmo você.”

Já sobre as referências que fez a Lourdes e Aparecida, obviamente falando das aparições e dos chamados “milagres” que se seguiram, tenho minha opinião a respeito. Deus jamais quis exaltar qualquer um de seus santos do Novo Testamento e, por mais que Maria, mãe de Jesus, tenha sido bem-aventurada e mulher escolhida para o Espírito Santo gerar nela a humanidade do Salvador, é diante de Cristo que todo joelho se dobrará e toda língua confessará que é Senhor. Jesus, que é Deus, não pode ter sua glória e majestade dividida com Maria, e nem posso crer que aquele que disse claramente “Vinde a mim” iria querer que eu fosse a algum preposto para poder chegar a ele.

A religião “mariana” nada mais é do que uma adaptação que o catolicismo fez dos antigos ritos pagãos que veneravam o elemento feminino como símbolo da fertilidade. O fato de alguém enxergar uma aparição e sinais decorrentes disso não é suficiente para se colocar a chancela de algo vindo de Deus. Paranoia e manifestações demoníacas são apenas duas das explicações para a maioria dos chamados “milagres” que vemos por aí que não fazem outra coisa senão desviar o olhar dos incautos, tirando-o de Cristo e colocando-o em alguma imagem de barro ou representação de alguma criatura. “Dizendo-se sábios, tornaram-se estultos, e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível” (Rm 1:22-23).