É errado usar a palavra ‘ídolo’ e ‘adorar’?

Você menciona o que escrevi em uma de minhas crônicas: “... O banal virou motivo de júbilo e, na falta de ídolos confiáveis, adotamos o piloto como herói...”. Sua dúvida é se não estou contrariando a Palavra de Deus no que diz respeito à idolatria.

Obviamente não estou falando de idolatria, mas de heróis. Se eu digo que meu ídolo é o Roberto Carlos, estou usando o sentido que os dicionários dão como “pessoa ou coisa muito admirada”. Ou será que alguém poderia achar que tenho em casa um altar com uma imagem do Roberto Carlos, diante da qual me curvo e faço minhas orações? Certamente não, mas tudo é possível, depois que descobri que existe até uma igreja que adora o Maradona!

De qualquer maneira, uso a palavra apenas no sentido de admiração, e tenho certeza de que 99% de meus leitores devem ter entendido assim. Nosso vocabulário é cheio de nuances que às vezes podem causar dificuldades de acordo com a carga cultural que uma pessoa recebe.

É comum recém-convertidos se apegarem com muita força a questões de vocabulários, ou por um zelo excessivo que é comum à conversão, quando às vezes sem querer acabamos “cozinhando o cabrito no leite da mãe”, (Dt 14:21), ou seja, usando algo que foi designado para alimentar como instrumento de morte, que é o que às vezes fazemos batendo com a Bíblia na cabeça das pessoas (não literalmente, claro).

É comum também alguns pregadores se apegarem a detalhes dos meios de comunicação para fazerem alarde sobre isso, como aconteceu no tempo do He-Man e das comparações que alguns pregadores faziam com a Bíblia. Acontece também com alguns que vivem encontrando coisas nos desenhos animados da Disney e, de repente, ajudam a fazer muitos cristãos correrem para as locadoras e pegar o DVD só para conferir. A Disney devia dar comissão a esses pregadores.

Uma ocupação excessiva com o mal (há pregadores que ficam supostamente entrevistando o diabo em suas reuniões) certamente não é de Deus. O mesmo cuidado (excesso) deve ser tomado quando a questão é o vocabulário, pois este muda seu significado dependendo do tempo e lugar.

Por exemplo, eu posso perfeitamente dizer que adoro jaca e ninguém de sã consciência iria pensar que faço peregrinações a plantações dessa fruta para pagar promessas. Também adoramos pessoas no sentido de amar, o que não tem nada de errado porque o contexto claro é de afeição. Se eu disser que adoro sol, fica claro que gosto de praia, mas se disser que adoro “o Sol”, então pode parecer que eu seja descendente de algum faraó egípcio.

Portanto quem interpreta uma expressão deve interpretar também o contexto para não ser purista demais. Conheço um rapaz que não diz “obrigado”, só diz “agradecido”, porque ele acha que dizer “obrigado” está errado, porque o outro que fez algo digno de agradecimento não fez por obrigação ou “obrigado”. Aí ele perde boa parte de seu tempo tentando corrigir pessoas que dizem obrigado a ele e que, dez minutos depois, já estão arrependidas de terem agradecido.

Veja, por exemplo, a palavra “igreja”. Hoje todo mundo entende como um templo feito de tijolos quando você diz que vai à igreja. A palavra acabou assim, deturpada, mas foi o que restou dela. Mas o seu sentido “bíblico” também é uma deturpação do sentido original grego de Eclésia ou Eklesia. No sentido bíblico comumente aceito ela quer dizer a reunião de todos os cristãos ou de um grupo local de cristãos, como era a igreja que estava em Corinto. Ou quer dizer a união total dos salvos, o corpo de Cristo.

Mas, no original, a expressão queria dizer qualquer agrupamento de pessoas. Você encontra a palavra em Atos (no original grego) falando de ajuntamento de pessoas que não tinham nada de cristãos, como é o caso de Atos 19:32, 29 e 41. Assim, há dois mil anos se você ouvisse um grego dizer que ia à igreja, ele podia estar se referindo a um motim, a uma reunião do sindicato, a uma reunião de uma quadrilha de bandidos ou a qualquer coisa. Daí a importância de entendermos o contexto em que cada palavra é falada.