Deus pode usar nossas habilidades naturais?

Acredito que sim. Tudo pode ser utilizado por Deus. Se analisar a época da vinda de Cristo, você verá que todo o contexto social e histórico tinha sido preparado por Deus, como o cenário é preparado em um palco, para a vinda do seu Filho.

E se pensar que o Império Romano criou uma fantástica rede de estradas, além de unificar as nações de forma que as pessoas pudessem viajar livremente, o que é isto senão um cenário perfeito para que os primeiros cristãos viajassem com facilidade para levar o evangelho?

O mesmo com as pessoas. Na parábola dos talentos, estes são distribuídos “a cada um segundo a sua capacidade” (Mt 25:15). Deus pode usar alguém com boa voz para pregar, ou um bom escritor para escrever, ou ainda um poliglota para usar sua habilidade na divulgação do evangelho.

Portanto, Deus faz uso das circunstâncias, e até interfere nelas, mas não está limitado a elas. Digo isto porque ele faz abundar sua graça em qualquer circunstância, independente da cultura, costumes ou habilidades naturais de cada um.

Um aspecto interessante de tudo isso é sua escolha dos quatro evangelistas, homens falhos como qualquer um de nós, responsáveis em apresentar a Cristo em seus diferentes aspectos. Mateus escreve sobre o Senhor como o Rei de Israel. No início encontramos “... viemos adorar aquele que é nascido Rei dos judeus” e no final, “... este é o Rei dos Judeus” escrito na cruz.

Mas quem era aquele que Deus escolheu para apresentar o Rei? Um coletor de impostos para os romanos, uma ocupação odiada pelos judeus e nada patriota, pois o povo estava sob o domínio de um povo invasor, os romanos, para quem Mateus trabalhava. O escolhido para apresentar o rei legítimo trabalha para o rei invasor!

Certamente nenhum judeu poderia acusar Mateus de estar cuidando de seus interesses. Um coletor de impostos para o rei romano precisava ter muita convicção para escrever de um novo Rei. É o que costumamos chamar de “dar um tiro no próprio pé”.

Para escrever sobre Cristo como Servo, quem Deus escolheu? Marcos, alguém que aparentemente não teve grande destaque entre os primeiros cristãos. Teria sido ele que fugiu nu na hora da prisão de seu Mestre? É interessante notar que, enquanto Mateus fala da genealogia real de Cristo, desde Davi, e Lucas trata da genealogia desde Adão, Marcos começa seu evangelho apresentando um Jesus sem genealogia, pois certamente um servo não era alguém que podia se dar ao luxo de ter uma genealogia.

O evangelho de Lucas apresenta a humanidade do Senhor Jesus e ninguém mais adequado para falar disso do que Lucas, um médico, alguém envolvido com o estudo do ser humano e sua natureza. Neste evangelho a genealogia do Senhor vem desde Adão, o primeiro homem.

Finalmente, João, aquele que se reclinava sobre o seio de Jesus, tem a incumbência de nos apresentar Aquele que veio do seio do Pai. João viu a transfiguração do Senhor e parecia ter uma intimidade maior que a dos outros discípulos. Quem mais poderia nos apresentar o caminho para termos intimidade com Deus?

No evangelho de João Jesus não tem genealogia, e nem poderia ter. Ele é Deus, portanto o evangelho acaba ficando sem um começo definido: “No princípio era o Verbo...”. Tampouco o evangelho tem fim, ao dizer que “... nem todos os livros do mundo” quando fala da infinitude das obras de Cristo. É o evangelho eterno, como a bendita Pessoa que nos apresenta.