Por que protestantes e católicos criticam o dispensacionalismo?
Muitos líderes católicos e protestantes, principalmente os das correntes fundamentalistas dessas religiões, não gostam nem de ouvir falar de dispensacionalismo porque tal ideia toca dois pontos nevrálgicos da cristandade institucional: um é a questão de Israel ainda “estar na jogada”, isto é, “Deus não rejeitou o seu povo, que antes conheceu” (Rm 11:2), porém apenas permitiu um endurecimento temporário para introduzir um parêntese na profecia a fim de que Cristo tivesse sua Noiva, a Igreja. Ao menos é o que Paulo escreve aos Romanos:
“Porque não quero, irmãos, que ignoreis **este segredo **(para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que **a plenitude dos gentios **haja entrado. E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, E desviará de Jacó as impiedades. E esta será a minha aliança com eles, quando eu tirar os seus pecados. Assim que, quanto ao evangelho, são inimigos por causa de vós; mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais. Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” (Rm 11:25-29)
Para entender melhor, onde você lê “segredo”, leia “mistério”, porque faz parte dos mistérios que estavam escondidos em Deus. Esses mistérios incluem a revelação dada inicialmente com exclusividade a Paulo, já que nenhum profeta do Antigo Testamento teve acesso a essa informação:
“A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios, por meio do evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo, e demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo; para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor” (Ef 3:8-11).
Duas expressões devem ser entendidas para se entender o contexto profético: “O tempo dos gentios” (Lc 21:24) e “A plenitude dos gentios” (Rm 11:25). O “tempo dos gentios” começou quando Deus entregou a Nabucodonosor o comando do mundo, deixando de lado Israel que falhou em sua missão de cabeça, como Deus havia prometido caso fossem obedientes: “E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda; e só estarás em cima, e não debaixo, se obedeceres aos mandamentos do Senhor teu Deus, que hoje te ordeno, para os guardar e cumprir” (Dt 28:13).
A história demonstra o quanto isso foi verdadeiro a respeito dos judeus, conforme Deus anunciara: “O estrangeiro, que está no meio de ti, se elevará muito sobre ti, e tu mais baixo descerás; ele te emprestará a ti, porém tu não emprestarás a ele; ele será por cabeça, e tu serás por cauda. E todas estas maldições virão sobre ti, e te perseguirão, e te alcançarão, até que sejas destruído; porquanto não ouviste à voz do Senhor teu Deus, para guardares os seus mandamentos, e os seus estatutos, que te tem ordenado” (Dt 28:43-45). A história dos judeus é também a história dos bancos, pois eles parecem ter tentado reverter essa maldição se transformando nos maiores banqueiros do mundo — os que emprestam, e não que pedem emprestado.
Desde Nabucodonosor o poder está nas mãos dos gentios, e se Israel aparece palidamente hoje como nação, é somente graças à misericórdia de Deus em preservar um povo para o cumprimento das profecias ainda futuras. E para preservá-los, Deus usa nações de gentios como Estados Unidos e Inglaterra, como usou a Babilônia do passado, mas que estas nações não se achem grande coisa por isso. Profeticamente elas ficarão tão desoladas quanto Babilônia ficou. Quando Jesus esteve no mundo tudo parecia normal em Israel, e tinham até seu templo restaurado. Porém eles mesmos eram apenas um resíduo do que tinham sido as doze tribos, dez das quais desaparecidas entre as nações, e estavam debaixo de Herodes, um rei fantoche que nem judeu era, mas idumeu, e este respondia ao César romano. Alguém poderia pensar que esse “tempo dos gentios” tivesse terminado por Israel estar hoje sob o domínio dos judeus. Será?
Basta ver os enclaves palestinos em seu território para saber que não é bem assim. E se considerar que na pérola da coroa de Israel — Jerusalém — os judeus só detêm parte da cidade, pergunte a algum judeu se consegue dormir com um barulho desse. Além da divisão da cidade entre judeus e árabes, tendo estes o pé fincado no mais santo lugar de Jerusalém, a esplanada do Templo, lembre-se também de que diferentes religiões cristãs reclamam seu direito a porções do território consideradas sagradas pela cristandade.
Portanto, o “tempo dos gentios” tem a ver com os procedimentos administrativos e disciplinatórios de Deus para com Israel, e a “plenitude dos gentios” com o modo de Deus agir com todos os homens em graça. Esse período todo compreende a história da humanidade desde Nabucodonosor, e a “plenitude dos gentios” tem a ver com a graça com que Deus tem tratado o mundo desde a rejeição, morte, ressurreição e ascensão de nosso Senhor Jesus. Sendo assim, a queda dos judeus foi efetivamente razão de bênção para os gentios, tanto no passado como no presente. Basta ver o quanto a mensagem da graça de Deus se espalhou pelo mundo desde a formação da Igreja no dia de Pentecoste. Todavia, “Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se completem” (Lc 21:24). Quando o último membro for acrescentado ao corpo de Cristo, as profecias concernentes a Israel voltarão a se desenrolar e o relógio profético, parado há dois mil anos, voltará a bater.
Mas veja que Deus também não pega leve com os gentios em suas responsabilidades governamentais. Onde está Babilônia? Há muito se transformou num montão de ruínas. E os gregos, que eram o outro império representado pela estátua do sonho de Nabucodonosor? Existem ainda como nação, mas sem a grandeza do passado. Os romanos também tiveram o mesmo fim e hoje formam apenas mais um país dentre muitos. E os judeus continuam aí, perseguidos, mas indestrutíveis porque Deus os preserva para mostrar graça para com eles quando se arrependerem como nação, o que só se dará após o arrebatamento da Igreja. “Porque, se a sua rejeição é a reconciliação do mundo, qual será a sua admissão, senão a vida dentre os mortos?” (Rm 11:15).
A falta de entendimento — ou recusa em aceitar a verdade dispensacional — leva muitos cristãos a adotarem costumes judaicos, como templos, clérigos, dízimos, etc. Consideram a Igreja uma continuação de Israel e herdeira das mesmas promessas terrenas de prosperidade feitas àquele povo. Se pensar que foram “cristãos”, e não muçulmanos, os que mais se esforçaram em destruir os judeus nos últimos dois mil anos, fica bem claro que agiram como o filho bastardo que não tem escrúpulos em matar o herdeiro para ficar com a herança. A história se repete pois, os judeus fizeram o mesmo com o Filho de Deus. Mas a Igreja nada tem a ver com Israel, pois é um “mistério que, durante as épocas passadas, foi mantido oculto em Deus” (Ef 3:9). E tampouco ela tem sua esperança na Terra, como Israel, mas foi abençoada “com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo” (Ef 1:3). Seu destino não é viver aqui, pois “a nossa cidadania está nos céus, de onde esperamos ansiosamente um Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Fp 3:20). Portanto, a Bíblia fala sim em prosperidade, mas não para a Igreja. A prosperidade prometida no Antigo Testamento irá se cumprir em Israel quando este for restaurado.
Portanto, o primeiro “nervo” dolorido para católicos e protestantes é a questão sionista: Como iriam os líderes dessas duas correntes religiosas admitir que o domínio do mundo futuro não foi dado à Igreja, mas a Israel? Como reconhecer o erro histórico cometido pelos cristãos que perseguiram e mataram judeus nas inquisições católica e protestante? Como explicar a razão de terem se apropriado, além de seus bens, também de suas tradições religiosas transformando-as num cristianismo pirata? Sim, pois coisas como sacerdotes, reverendos, templo, altares, vestes talares, clero, corais de músicos, dízimos, sacrifícios etc. nada têm a ver com a doutrina dos apóstolos, mas com judaísmo. Sugiro que pesquise sobre “Teologia do Domínio”para ver o quanto a cristandade está envolvida na tentativa de dominar o mundo, não no sentido de evangelização dos perdidos, mas no sentido de deter o poder secular e religioso sobre toda a humanidade na terra. O slogan de fachada é: “Queremos preparar o mundo para Cristo poder vir estabelecer seu reino”.
Antes que você ache que apenas católicos perseguiram judeus, faça uma busca do texto de Martinho Lutero denominado: “Dos judeus e suas mentiras”. Você ficará estarrecido com o ódio destilado por aquele grande reformador contra o povo terreno de Deus. Mas desconto seja dado a Lutero por ser esse o pensamento geral e corrente de sua época. Se fosse feita uma enquete de opinião pública em seus dias ela diria que 99% dos judeus deveriam ser convertidos à força ao cristianismo ou então exterminados. E seus bens deveriam ficar com... não preciso nem dizer.
E qual seria o segundo nervo que o “dedo” do dispensacionalismo aperta e dói tanto em católicos e protestantes? A questão do clero, pois no momento em que se entende que TODOS os salvos são igualmente sacerdotes e têm igual acesso a Deus, sem intermediários humanos, ao contrário do que acontecia no judaísmo que separava esse acesso simbolicamente por um véu, como fica a profissão dos clérigos? Como fica a vida de pompa e circunstância que muitos deles sempre levaram? Como fica a reputação de líderes religiosos, tanto católicos como protestantes, hoje paparicados por políticos ateus em busca de favores? Como fica?
Não é de admirar que muitos deles combatam com unhas e dentes o dispensacionalismo e irmãos que no século dezenove trouxeram à tona esta verdade com a correta divisão da Palavra de Deus, dentre eles G. V. Wigram, F. W. Grant, J. N. Darby, W. Kelly, J. G. Bellet, C. H. Mackintosh, A. Miller, C. Stanley, E. Dennett, W. Trotter, J. L. Harris, F. G. Patterson, H. L. Rossier, e outros mais contemporâneos que elaboraram sobre os escritos daqueles irmãos, como W. W. Fereday, A. J. Pollock, H. Smith, C. H. Brown, G. C. Willis, B. Anstey e muitos outros.
Esses trouxeram à tona verdades esquecidas por séculos de entulho doutrinário que nenhuma empreiteira católica ou protestante irá querer remover, pois ficará evidente a corrupção que causaram na verdade na tentativa de ocultar tesouros preciosos à fé cristã. Geralmente eles não tentam refutar a questão clerical denunciada por aqueles irmãos porque isso daria muito na vista, então contestam verdades como o arrebatamento da Igreja, a posição inabalável do crente em Jesus, a inexistência de denominações na Bíblia e o lugar que Israel ocupa nas profecias.
Do ponto de vista institucional corporativo, o primeiro nervo dói bastante, pois exige que a cristandade diga: “Ok, judeus, nos perdoem por não termos apenas pisado na bola com vocês, mas queimado a bola, furado a bola, estraçalhado a bola...”. Dentre os que tocaram esse nervo existem também clérigos, como Cyrus I. Scofield, que ficou conhecido por sua “Bíblia Anotada por Scofield”, porém que adotou apenas parte das verdades trazidas à tona pelos irmãos do século dezenove, deixando de fora justamente o segundo “nervo” ao qual me referi e isso por razões óbvias relacionadas à sua posição de clérigo. É que do ponto de vista pessoal o segundo nervo dói até mais, pois exige que o clérigo desça de seu patamar e lugar de comando e se coloque lado a lado com aqueles que hoje ele chama de “leigos”, mas que são igualmente ovelhas de Cristo, o único e verdadeiro Pastor das ovelhas.