Estarei seguro congregando fora das denominações?

Assisti a uma palestra de um especialista em segurança do trabalho que deu o exemplo de dois motoristas. Um seria dono de uma Hilux novinha, freios ABS, vários air bags e outros dispositivos de segurança. O outro, dono de um Chevette 1971 caindo aos pedaços. O motorista do Chevette, quando viaja a sessenta por hora e vê um caminhão a um quilômetro de distância, começa a bombear seu freio para a eventualidade de o caminhão estar parado na pista e poder conseguir frear quando chegar lá. O motorista da Hilux, todo confiante a cento e cinquenta por hora, deixa para frear quando está a poucos metros do caminhão.

O ponto que o palestrante queria ressaltar era que os EPIs ou Equipamentos de Proteção Individual adotados nas indústrias, como capacetes, botas, luvas, cintos, óculos, etc., nem sempre tornam o trabalho mais seguro, mas apenas elevam o nível de risco ao qual o trabalhador irá se sujeitar. Um trabalhador da construção civil não iria se arriscar a passar sem capacete sob alguém martelando algo no quinto andar, com medo de ser morto caso a ferramenta escapasse da mão do pedreiro. Mas com a falsa sensação de segurança que um capacete lhe dá ele irá se arriscar. O que ele não sabe é que um martelo caindo do quinto andar chegará ao seu capacete de plástico a oitenta quilômetros por hora. Seria fatal.

O mesmo exemplo serve para quem sai do sistema denominacional para congregar em um grupo de irmãos sem denominação achando que isso seja uma apólice de seguro contra o erro. Não é. Basta ler as epístolas à assembleia que estava em Corinto para ver as coisas escabrosas que estavam ocorrendo ali e precisaram da intervenção do apóstolo Paulo, como o caso do homem que dormia com a madrasta no capítulo 5 da primeira carta. “Geralmente se ouve que há entre vós fornicação, e fornicação tal, que nem ainda entre os gentios se nomeia, como é haver quem abuse da mulher de seu pai. Estais ensoberbecidos, e nem ao menos vos entristecestes por não ter sido dentre vós tirado quem cometeu tal ação” (1 Co 5:1-2).

Muitos grupos de cristãos que alegam estar congregados somente ao nome do Senhor e fora dos sistemas denominacionais podem ter doutrinas malignas que não são encontradas nem mesmo nas religiões cristãs tradicionais. Alguns desses grupos negam a divindade de Cristo, a Trindade, o pecado original, a salvação por graça, etc. Outros são divisões que ocorreram no passado entre irmãos congregados ao nome do Senhor, e os que se unem a eles não se dão ao trabalho de investigar sua origem que começou com um pecado ou ato de insubordinação de algum herege excluído da comunhão. A associação com o mal, ainda que por ignorância, pode contaminar.

Uma assembleia congregada ao nome do Senhor que exercite o julgamento conforme é exigido pela doutrina apostólica, obviamente estará menos propensa a ter o erro disseminado em seu meio, mas não devemos ser ingênuos ao ponto de pensar que o erro não possa existir em estado embrionário latente. Como só é possível julgar àquilo que conhecemos, quando o erro se manifesta e é trazido à tona, seguem-se medidas disciplinares que podem envolver o silenciamento daquele que ensina o erro ou até mesmo sua exclusão. O que é ensinado numa assembleia deve ser obrigatoriamente julgado, conforme ensina 1 Coríntios 14:29: “E falem dois ou três profetas, e os outros julguem”. Não é o caso de julgar a pessoa, mas sim suas palavras e ações. No capítulo 5 o apóstolo havia falado do julgamento do mal moral, mas aqui o assunto é o mal doutrinário, pois este também pode levedar toda a massa como no outro caso.

Todavia, nos tempos de ruína em que vivemos, nem sempre existe conhecimento e maturidade suficientes para exercitar esse julgamento, principalmente em assembleias mais novas onde todos estão crescendo praticamente juntos no conhecimento da sã doutrina. Mas o problema também pode ser encontrado entre irmãos de assembleias mais antigas, e aí não é por falta de conhecimento, mas por excesso de orgulho de possuir o conhecimento apenas no cérebro. Então a peneira fica mais discriminatória, como era a dos fariseus, coando mosquitos e deixando passar enormes camelos por pura conveniência. Grandes danos já foram causados em assembleias de irmãos congregados ao nome do Senhor por uma atitude do tipo: “Se foi o irmão Fulano que disse, então está tudo bem”. Devemos nos lembrar de que “daqui por diante a ninguém conhecemos segundo a carne” (2 Co 10:2).

Veja que até nos primeiros dias da igreja, e mesmo com discípulos de grande reputação entre os irmãos, o inimigo sempre encontrava uma brecha na carne desses para semear o erro, como estava acontecendo entre os cristãos da Galácia, assediados pelos judaizantes que plantavam a ideia de que os cristãos ainda estariam sob a Lei mosaica e seriam obrigados a observá-la. Paulo conta que foi a Jerusalém, e menciona os “falsos irmãos que se intrometeram, e secretamente entraram a espiar a nossa liberdade, que temos em Cristo Jesus, para nos porem em servidão; aos quais nem ainda por uma hora cedemos com sujeição, para que a verdade do evangelho permanecesse entre vós. E, quanto àqueles que pareciam ser alguma coisa (quais tenham sido noutro tempo, não se me dá; Deus não aceita a aparência do homem), esses, digo, que pareciam ser alguma coisa, nada me comunicaram... E, chegando Pedro à Antioquia, lhe resisti na cara, porque era repreensível. Porque, antes que alguns tivessem chegado da parte de Tiago, comia com os gentios; mas, depois que chegaram, se foi retirando, e se apartou deles, temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus também dissimulavam com ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação” (Gl 2:1-13).

Mas nem sempre os que Paulo chama de “falsos irmãos” semeiam sua má doutrina à luz do dia. Muitos a dissimulam misturando-a com verdades e especialmente apelando para os sentimentos de seus ouvintes. Conheci mais de um que, durante anos, ministrou o erro embutido em seu ministério com toques de sabedoria humana e também misticismo. Um deles, quando desmascarado pela assembleia onde congregava, acabou causando um cisma que abalou grandemente o testemunho por já ter feito vários discípulos entre os irmãos.

O herege de carteirinha costuma ser cuidadoso o suficiente para não vomitar suas heresias em público. Ele é mais ladino e atua nas sombras dos bastidores, convidando ora um, ora outro, para injetar neles pequenas doses de erro como faz um traficante com suas primeiras ofertas gratuitas. Os cordeiros do rebanho, mais tenros e vulneráveis, são assim viciados pelo afago do herege até chegarem ao ponto de considerarem uma injustiça quando a assembleia decide julgá-lo e excluí-lo da comunhão. Aí não é apenas aquela “estrela” sombria que é afastada, mas ela arrasta consigo todos os satélites que orbitavam ao seu redor atraídos pela gravidade de sua persuasão.

Então, voltando à questão original, que era se você estaria seguro saindo do sistema religioso para congregar com irmãos somente ao nome do Senhor, a resposta é “depende”. Primeiro, depende de você examinar bem a origem daqueles irmãos com os quais está se associando. Segundo, depende de ter discernimento para perceber qualquer ação de discipulado de bastidores, como o que mencionei. Terceiro, depende de ter em mente que todo ser humano, por mais que pareça ser alguma coisa ou tenha sido alguma coisa no passado, está sujeito a cair no engano e pecado. A única apólice de seguro que você pode ter em qualquer lugar ou circunstância é o Senhor, o apego à sua Palavra, e o discernimento de enxergar aqueles que porventura circulem entre os irmãos trazendo um anzol escondido em seu ministério para fisgar discípulos. Paulo falou disso ao se despedir dos anciãos de Éfeso:

Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho; e que de entre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si. Portanto, vigiai, lembrando-vos de que durante três anos, não cessei, noite e dia, de admoestar com lágrimas a cada um de vós. Agora, pois, irmãos, encomendo-vos a Deus e à palavra da sua graça; a ele que é poderoso para vos edificar e dar herança entre todos os santificados” (At 20:29-32).

Um alerta especial cabe para estes novos tempos das redes sociais, pois aqueles que conhecemos no virtual nem sempre são a mesma coisa no real. As bandeiras “anti-denominação”, “anti-dízimo”, “anti-clero”, etc., acabaram se tornando tão fortes ao ponto de unirem cristãos, não à verdade ou ao nome do Senhor, mas ao ataque aos erros dos sistemas religiosos. Onde quer que você congregue fora das denominações, procure perguntar: “Se não existissem denominações, pastores corruptos, dízimos, venda de talismãs etc., será que ainda teríamos assunto ou motivo para congregar?” Se a resposta for não, sinto dizer que você não está congregado ao nome do Senhor, mas a alguma causa anti-igrejas.

Outro aspecto envolvendo Internet e redes sociais é que, se por um lado ficou mais fácil levar a Verdade a mais pessoas, o mesmo passou a valer para a mentira. Mas atenção, porque enquanto você está levando a Verdade no “atacado”, o herege tem sua estratégia voltada para o ‘varejo’. O que quero dizer é que ele teria um trabalho imenso pescando no oceano da cristandade em geral para perverter a mente de alguns, pois ali existe de tudo um pouco, e mais perdidos do que salvos. Por isso, ele estrategicamente procura jogar sua isca nas lagunas daqueles que se separaram do “atacado” com um propósito maior em guardar a Verdade.

Quando uma empresa contrata um vendedor, ela obviamente está interessada em sua capacidade de vender, mas muito mais em sua carteira de clientes, pois ainda que aquele vendedor amanhã venha a sair da empresa, sua lista de contatos irá ficar. E uma das estratégias dos hereges da era das redes sociais é justamente se valer dos contatos daqueles que ele considera que valerá a pena desviar da Verdade, e estes são encontrados em pequenos grupos. Já vi pessoas participarem de grupos ou comunidades virtuais de cristãos apenas para obter a “carteira de clientes” e depois abordar por fora um a um para vender suas ideias.

Portanto fica aqui o alerta e a solução. O alerta é que não basta se apartar da iniquidade, como ensina 2 Timóteo, mas também apartar-se dos vasos de desonra como ensina a continuação da passagem:

Todavia o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo Aparte-se da iniquidade. Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra” (2 Tm 2:19-21). É preciso também atenção para com aqueles que promovem agitação em função de sua imaturidade pelas “paixões da mocidade” e seguir “a justiça, a fé, o amor, e a paz com os que, com um coração puro, invocam o Senhor” (2Tm 2:22).

Alguns acreditam que o fato de participar de algum grupo ou comunidade com um propósito comum “anti-denominações” garanta algo, mas o objetivo deve ser sempre seguir “a justiça, a fé, o amor, e a paz com os que, com um coração puro — ou purificado do erro — invocam o Senhor”. Isso é a essência de estar congregado e em comunhão à mesa do Senhor, pois a admissão a esta implica em um julgamento feito previamente pela assembleia local quanto à idoneidade moral, doutrinária e eclesiástica da pessoa. Mas como já expliquei, isto é um bom capacete, mas não irá funcionar sem oração, discernimento e uma boa dose de prudência.