Devo perder tempo lendo o Antigo Testamento?

Considerando que hoje não vivemos mais nos tempos da Lei, e a Igreja não é Israel, sua dúvida é se deveríamos realmente nos aplicar à leitura do Antigo Testamento, que você considera entediante, e usar melhor o tempo lendo o Novo Testamento. Considerando que toda a Bíblia é a Palavra de Deus é difícil querer considerar uma parte mais importante que outra, se considerarmos que toda ela fala sempre do único e mais sublime tema de todos: Jesus. Quando você adota esta perspectiva acaba indo além de achar que apenas o Novo Testamento ou as Epístolas dos Apóstolos devem ocupar seu tempo, mas compreende que se o Antigo Testamento fala de Cristo, ainda que em sombras e figuras, alguém que tem agora a nova vida em Cristo irá apreciar tudo o que diz respeito a ele.

Uma leitura que me ajudou muito a apreciar o Antigo Testamento foi a coleção “Notas Sobre o Pentateuco” de C. H. Mackintosh. Estes livros foram escritos no século 19 e estão em domínio público, portanto você deverá encontrá-los em mais de um idioma, tanto para comprar em formato impresso como para baixar em formato digital. Com essa coleção aprendi a apreciar o Antigo Testamento e mais ainda o Novo Testamento como Palavra de Deus, dada aos homens do modo como um compositor distribui sua partitura à orquestra.

Os diferentes instrumentos imprimiram nela a tonalidade de cada um, mas um só compositor e maestro esteve por detrás de suas notas. Sua execução levou 1500 anos, tocada por 40 homens de diferentes culturas e níveis sociais. Muitos nunca se conheceram e trabalharam separados por séculos e quilômetros de distância. Pense nesses vídeos que encontra no Youtube, nos quais uma mesma música é executada por artistas de diferentes países em diferentes momentos e depois o conjunto é editado como se todos estivessem tocando juntos e ao mesmo tempo. Aí você terá uma vaga ideia de como foi a composição do texto sagrado.

Um só é o tema da Bíblia, do princípio ao fim: Cristo. Ele é o Alfa, a primeira letra do alfabeto grego, e o Ômega, a última. Por isso Jesus aparece de Gênesis a Apocalipse, e se você deseja conhecer a Verdade e se aproximar de Deus precisará conhecer a Jesus. Ele disse: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” (Jo 14:6). Este é o genuíno. Qualquer outro caminho, verdade e vida são falsos. Não se chega a Deus sem Jesus, por isso é tão importante conhecê-lo. Se você ainda não confia nele é porque não o conhece.

Uma vez uma senhora me ligou pedindo referências de uma empregada que havia cuidado de meu filho deficiente. Ela buscava alguém para tomar conta de sua mãe idosa, mas queria uma pessoa de confiança. À medida que eu ia falando, ela ia conhecendo melhor a pessoa e eu podia perceber que sua confiança ia crescendo. Nós pedimos referências de alguém para sabermos o quanto podemos confiar nessa pessoa. O mesmo ocorre com Jesus. Como você poderia ter total confiança nele sem conhecê-lo? Portanto, leia a Bíblia toda, não para saber o que Deus exige de você ou como se fosse um texto motivacional para recarregar suas baterias. Leia para encontrar Jesus em suas páginas, conhecê-lo, apreciar sua Pessoa e confiar nele cada vez mais.

Você sabia que ele aparece no primeiro versículo da Bíblia, em Gênesis 1:1? Sim, ali diz “No princípio criou Elohim os céus e a terra” e onde aparece “Deus” em nossas versões modernas a palavra original é “Elohim”. Sabia que esta palavra hebraica é plural? “Elohim” é plural, mas o verbo está no singular — “criou” — mostrando que Deus é UM, mas em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. No momento da criação o Filho eterno de Deus, Jesus, já participava da gênese de todas as coisas. João diz em seu Evangelho que “no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus” (Jo 1:1-2).

Jesus está também no último versículo da Bíblia, em Apocalipse 22:21, onde diz: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos vós”, e até nisso podemos considerar suas palavras quando ele disse ao apóstolo João no princípio do livro de Apocalipse, “Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso.” (Ap 1:8). Você escutou bem Jesus dizer a João que é o Todo-Poderoso”.

A dificuldade que muitos têm de entender como aquele Deus Todo-Poderoso, o Jeová do Antigo Testamento, poderia ser o mesmo Jesus dos evangelhos, tão manso e gentil. Ora, basta observar ele agindo como Juiz no livro de Apocalipse para saber que é a mesma Pessoa, apenas com diferentes atribuições. Nos evangelhos ele é aquele “que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” (Fp 2:6-8).

No livro de Apocalipse João o vê como o “Filho do Homem, vestido até aos pés de uma roupa comprida, e cingido pelos peitos com um cinto de ouro. E a sua cabeça e cabelos eram brancos como lã branca, como a neve, e os seus olhos como chama de fogo; e os seus pés, semelhantes a latão reluzente, como se tivessem sido refinados numa fornalha, e a sua voz como a voz de muitas águas. E ele tinha na sua destra sete estrelas; e da sua boca saía uma aguda espada de dois fios; e o seu rosto era como o sol, quando na sua força resplandece”. O resultado dessa visão João descreve assim: “E eu, quando vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me: Não temas; eu sou o primeiro e o último; e o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre” (Ap 1:13-18).

Mais adiante no mesmo livro João voltará a vê-lo em sua atribuição de guerreiro e conquistador, descendo dos céus para vingar seus inimigos e libertar seu povo:

E vi o céu aberto, e eis um cavalo branco; e o que estava assentado sobre ele chama-se Fiel e Verdadeiro; e julga e peleja com justiça. E os seus olhos eram como chama de fogo; e sobre a sua cabeça havia muitos diademas; e tinha um nome escrito, que ninguém sabia senão ele mesmo. E estava vestido de uma veste salpicada de sangue; e o nome pelo qual se chama é a Palavra de Deus. E seguiam-no os exércitos no céu em cavalos brancos, e vestidos de linho fino, branco e puro. E da sua boca saía uma aguda espada, para ferir com ela as nações; e ele as regerá com vara de ferro; e ele mesmo é o que pisa o lagar do vinho do furor e da ira do Deus Todo-Poderoso. E no manto e na sua coxa tem escrito este nome: Rei dos reis, e Senhor dos senhores” (Ap 19:11-16).

E entre o primeiro e o último versículo da Bíblia você encontrará Jesus em todas as páginas da Palavra de Deus, nos mais diversos tipos e figuras, e também em Pessoa nos evangelhos, primeiro manso e humilde, depois como Juiz para julgar os vivos e os mortos em Apocalipse. Portanto deixe-me ajudá-lo a encontrar Jesus no Antigo Testamento e tenho certeza de que você irá apreciá-lo ainda mais quando ler a Bíblia.

Em Gênesis você encontra Adão, o primeiro homem, de cuja costela Deus tirou uma esposa (Gn 2:21-24). Não é difícil enxergar nele uma figura do segundo Homem, Jesus, que Deus colocou no sono da morte para de seu lado saírem sangue e água, os meios da criação e purificação de uma noiva, a Igreja. Você acha que é muita imaginação enxergar Cristo em Adão? A carta de Paulo aos Romanos declara que Adão “é a figura daquele que havia de vir” (Rm 5:14).

Após a queda, Deus disse ao diabo: “E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3:15). A passagem não diz mulher no sentido genérico, mas fala da mulher, Maria, a virgem, e isso é corroborado em outra passagem do Antigo Testamento: “Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel” (Is 7:14), ao que Mateus acrescenta “que [Emanuel] traduzido é: Deus conosco” (Mt 1:23).

Só existe um homem descendente apenas de mulher: Jesus, o filho da virgem Maria. Isso é significativo no fato de Deus dizer à serpente que seria da semente da mulher que viria o que pisaria sua cabeça. Mais tarde Satanás usaria seus agentes para traí-lo e levá-lo à morte, mas na cruz a cabeça da serpente — que é onde está o veneno — seria esmagada perdendo seu poder mortífero e cumprindo plenamente o que havia sido previsto no livro de Gênesis. “E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo; e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão” (Hb 2:14-15).

Logo em seguida Jesus apareceria novamente em Gênesis, desta vez tipificado no animal que Deus sacrificou para, com sua pele, cobrir a nudez de Adão e Eva: “E fez o Senhor Deus a Adão e à sua mulher túnicas de peles, e os vestiu” (Gn 3:21). Aquele ato prefigurava o Cordeiro de Deus, que um dia viria ao mundo para morrer como consequência do pecado do homem. Graças à morte de Cristo você pode ser purificado de seus pecados, perdoado de sua culpa com a cobertura proporcionada por Deus graças a um inocente sacrificado em seu lugar. Abel é outra figura de Cristo, pois ofereceu a Deus um sacrifício de sangue (Gn 4:4) e “depois de morto, ainda fala” (Hb 11:4).

Sete, outro filho de Adão e Eva, cujo nome significa “Escolhido”, nasceu depois da morte de Abel e é uma figura de Cristo ressuscitado, do qual veio a linhagem que “começou a invocar o nome do Senhor” (Gn 4:26). Um descendente de Sete foi Enoque, o “sétimo depois de Adão” (Jd 1:14), e “Enoque foi trasladado para não ver a morte, e não foi achado, porque Deus o trasladara; visto como antes da sua trasladação alcançou testemunho de que agradara a Deus” (Hb 11:5). Enoque é uma figura de Cristo subindo para o Pai, depois de andar em perfeita obediência e agradar em tudo a Deus.

Seguindo essa linha da genealogia de Adão que iria chegar a Jesus no Novo Testamento encontramos Noé, por meio de quem o Espírito de Cristo pregou aos incrédulos antes do dilúvio, os quais agora são espíritos em prisão. Muitos cristãos têm uma visão equivocada do que Pedro escreveu em sua primeira epístola, achando que ali o assunto fosse Noé, quando na verdade era o Espírito de Cristo em Noé. Veja a passagem, à qual vou acrescentar alguns comentários para você entender melhor:

Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito; no qual [Espírito] também foi, e pregou aos espíritos em prisão; os quais [que hoje estão em prisão] noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca” (1 Pe 3:18-20). Se ler a carta de Pedro desde o início verá que ele já tinha usado esse tipo de raciocínio no capítulo 1, quando escreveu da salvação que os profetas do Antigo Testamento tratavam de inquirir e tratar: “Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir” (1 Pe 1:10-11). O mesmo Espírito de Cristo que estava nos profetas do Antigo Testamento estava em Noé, que também profetizou de Cristo aos rebeldes de sua época que agora, por não terem aceitado sua pregação, se encontram aprisionados no hades, o lugar de morte, e destinados ao lago de fogo.

Se Adão foi uma figura de Cristo como Senhor de todas as coisas e Cabeça da Igreja, Noé representa Jesus como o regente do mundo vindouro em seu reinado de mil anos numa terra restaurada. Ao sair da Arca, Deus disse a Noé: “todo o animal da terra... toda a ave dos céus; tudo o que se move sobre a terra, e todos os peixes do mar, nas vossas mãos são entregues” (Gn 9:2). Você encontra as mesmas palavras no Salmo 8, porém falando de Cristo.

Em nossa jornada em busca de Jesus nas páginas da Bíblia nós o encontramos em Gênesis 14 prefigurado em Melquisedeque, aquele que “não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas sendo feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre”. Além de ser chamado de sacerdote eternamente, Melquisedeque, “que primeiramente é, por interpretação, **rei **de justiça, e depois também rei de Salém, que é rei de paz” (Hb 7:2-3), títulos dados também a Jesus.

Em Gênesis 22 vemos Isaque, o filho de Abraão, como figura de Cristo tanto em sua morte como em ressurreição. A diferença entre o tipo e o antítipo foi que Deus providenciou um carneiro para substituir Isaque, porém Jesus não teve um substituto na morte. Tendo Isaque sido libertado da morte — assim como Cristo o foi pela ressurreição — no capítulo 24 de Gênesis, Abraão envia um servo através do deserto em busca de uma esposa para seu filho, uma figura de Deus Pai enviando o Espírito Santo a este mundo para reunir a Igreja, a noiva de Cristo.

Mais tarde encontramos Esaú e Jacó, representando respectivamente o fruto da carne e do Espírito, e ao seguirmos a carreira de Jacó, a vida de Cristo vai pouco a pouco sendo revelada nele, até ter sua plenitude em seu filho José. Este, o predileto de seu pai, é também uma figura de Cristo. A história toda você pode ler em sua Bíblia nos capítulos finais do livro de Gênesis, do capítulo 37 ao 50. José foi odiado por seus irmãos, vendido como escravo e dado como morto. No Egito, preso por resistir à tentação da mulher de Potifar, ele se destacou na prisão como capaz de revelar os sonhos e segredos das pessoas, uma habilidade que você encontra nos Evangelhos em Jesus, capaz de sondar os pensamentos. Mais tarde José revelaria também o que havia por detrás do sonho de Faraó e acabaria exaltado ao trono de vice-rei de todo o Egito. O Egito é uma figura do mundo e sabemos que quando Cristo voltar ele irá estabelecer o seu reino milenial sobre o mundo inteiro.

Considerando a ligação dos tipos da história de Jacó e José com o antítipo Jesus nos evangelhos, não é coincidência encontrarmos Jesus no capítulo 4 do Evangelho de João justamente à beira do poço em “uma cidade de Samaria, chamada Sicar, junto da herdade que Jacó tinha dado a seu filho José”, conversando com uma mulher samaritana. Impressionada com a capacidade de Jesus descobrir seus segredos, assim como José fazia no Egito, a mulher correu à cidade anunciando: “Vinde, vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito”. Muitos dos habitantes do lugar, depois de conhecerem Jesus, “creram nele, por causa da sua palavra. E diziam à mulher: Já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo” (Jo 4:1-42).

Hoje Jesus é Salvador de todos os que nele creem e em breve voltará, primeiro para buscar sua Igreja e encontrá-la nos ares, entre a terra e o céu, e depois em glória para colocar seus pés sobre o Monte das Oliveiras e reinar sobre a terra. Então ele será reconhecido pelos judeus, assim como José foi reconhecido por seus irmãos em uma das mais dramáticas passagens da Bíblia no capítulo 45 de Gênesis. Depois de rejeitado, vendido e dado como morto por seus próprios irmãos, José se tornou o salvador deles e em amor e graça tirou deles qualquer temor de revanche, ao dizer: “Vós bem intentastes mal contra mim; porém Deus o intentou para bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar muita gente com vida. Agora, pois, não temais; eu vos sustentarei a vós e a vossos filhos. Assim os consolou, e falou segundo o coração deles” (Gn 50:20-21).

Continuando em nossa busca por Jesus no Antigo Testamento chegamos a Moisés, que surge no livro de Êxodo como figura de Jesus, o Libertador de seu povo do jugo de Satanás, representado ali por Faraó. Se você leu os Evangelhos deve se lembrar de que o rei Herodes mandou matar os meninos na tentativa de livrar-se de Jesus, a mesma estratégia usada por Satanás ao inspirar Faraó a eliminar os meninos hebreus. Mas Moisés escapou da morte e mais tarde o encontramos casando-se com Zípora, uma mulher gentia cujo nome significa “passarinha”, algo pequeno e insignificante.

Paulo também descreveu a Igreja, a noiva de Cristo, como insignificante aos olhos do mundo: “Porque, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; e Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante ele” (1 Co 1:26-29).

A libertação do povo no Egito aconteceu por meio de outra figura de Cristo: um cordeiro sem defeito sacrificado na instituição da Páscoa. Seu sangue, aplicado ao batente das portas das casas dos hebreus, seria a garantia de que a morte não entraria ali quando o juízo de Deus caísse sobre todo o Egito. Depois, em outra figura representando o crente associado a Cristo em sua morte, vemos os hebreus passando pelo fundo do mar, um lugar de morte, e saindo triunfantes e salvos do outro lado, porém ainda num deserto a caminho da terra prometida. O deserto é uma figura do mundo onde o cristão se encontra depois de salvo por Cristo. Assim como ocorre hoje com o crente em Jesus em sua jornada rumo à pátria celestial, os hebreus eram guiados por Cristo, representado na coluna de nuvem de dia, e na coluna de fogo à noite. Em sua carta aos Coríntios, Paulo explica que durante a peregrinação do povo de Deus no deserto, figura deste mundo, “todos comeram de uma mesma comida espiritual, e beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo” (1 Co 10:3-4).

Chegamos ao Monte Sinai, e ali Moisés é uma figura de Cristo como Mediador entre Deus e os homens e também como o Profeta. Em Deuteronômio Deus disse a Moisés, referindo-se a Jesus: “Eis lhes suscitarei um profeta do meio de seus irmãos, como tu, e porei as minhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar. E será que qualquer que não ouvir as minhas palavras, que ele falar em meu nome, eu o requererei dele” (Dt 18:18). E no evangelho Jesus diz: “Quem me rejeitar a mim, e não receber as minhas palavras, já tem quem o julgue; a palavra que tenho pregado, essa o há de julgar no último dia” (Jo 12:48).

No Monte Sinai Moisés ficou quarenta dias e noites ouvindo Jeová, que é o próprio Jesus, falar do Jesus que séculos mais tarde viria em carne e na forma humana, representado em cada detalhe da Lei que homem algum seria capaz de cumprir, exceto o Homem perfeito. Jesus era o único que podia dizer, como disse: “Quem dentre vós me convence de pecado?” (Jo 8:46), pois “não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado [ou ‘pecado à parte’]” (Hb 4:15). Em obediência e perfeição, ele caminhou neste mundo revelando o Homem segundo o coração de Deus. Imaculado, sem pecado e sem a possibilidade de pecar, por ser Deus e Homem, somente ele poderia, em graça soberana, libertar o pecador da maldição da Lei que o condenava, e torná-lo irrepreensível e sem pecado aos olhos de Deus. Se você for daqueles que acreditam que Jesus poderia pecar, faça a si mesmo a seguinte suposição: “E se ele, que é Deus, tivesse pecado?”. Isso será suficiente para entender quão absurda é a ideia de Deus pecando.

A Lei dada a Moisés não se limitava aos dez mandamentos, porém incluía centenas de ordenanças encontradas nos escritos de Moisés. Cada oferenda ali nos fala de Cristo e cada sacrifício aponta para o sangue que seria derramado na cruz para a glória de Deus e a salvação do pecador. Os livros “Notas sobre o Pentateuco”, de C. H. Mackintosh, são particularmente úteis para você entender isso. O Tabernáculo, a grande tenda que Deus ordenou como o lugar de adoração dos hebreus, é uma figura de Cristo, bem como seus utensílios e até mesmo o véu, a grande cortina que impedia o acesso ao Santo dos Santos, figura da presença de Deus. É disto que fala a carta aos Hebreus, ao mencionar o véu do Templo rasgado no momento da morte de Jesus: “Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne” (Hb 10:19-20).

Aarão, irmão de Moisés, era uma figura do sacerdócio de Cristo, intercedendo por nós junto a Deus. Cada detalhe de suas vestes e de seu ministério apontava para o caráter e ministério de Jesus como nosso Sumo Sacerdote. Porém, por mais preciosas que sejam as figuras do Antigo Testamento, a carta aos Hebreus nos exorta a não nos ocuparmos com os tabernáculos, templos, sacerdotes humanos e rituais copiados do judaísmo pela cristandade atual, mas com a realidade que agora é Cristo. Aos Colossenses Paulo referiu-se ao Antigo Testamento como “sombras das coisas futuras” (Cl 2:16-17) e aos Coríntios que “estas coisas foram-nos feitas em figura” (1 Co 10:6), e Hebreus diz que “servem de exemplo e sombra das coisas celestiais” e devem ser vistas como “figura do verdadeiro” (Hb 8:5; 9:24).

Quando Cristo veio como sumo sacerdote dos benefícios agora presentes”, diz a carta aos Hebreus, “ele adentrou o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito pelo homem, isto é, não pertencente a esta criação. Não por meio de sangue de bodes e novilhos, mas pelo seu próprio sangue, ele entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, e obteve eterna redenção... Temos um sumo sacerdote... o qual se assentou à direita do trono da Majestade nos céus e serve no santuário, no verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, e não o homem” (Hb 9:11-12; 8:1-2).

Depois de saber disto, como um cristão pode de sã consciência adorar a Deus em um templo feito de tijolos, com um sacerdote humano, um altar de mentirinha e tantos utensílios piratas, cópias baratas das figuras do Antigo Testamento?

No capítulo 21 do livro de Números encontramos Jesus representado na serpente de bronze que Moisés fez para curar os israelitas das picadas de serpentes no deserto. “O Senhor disse a Moisés: ‘Faça uma serpente e coloque-a no alto de um poste; quem for mordido e olhar para ela viverá’. Moisés fez então uma serpente de bronze e a colocou num poste. Quando alguém era mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, permanecia vivo” (Nm 21:8-9).

Não teríamos como ver Jesus ali se não fosse pela explicação dada a Nicodemos no Evangelho de João, ao falar da vida que está disponível para o pecador moribundo que crê no crucificado: “Da mesma forma como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do homem seja levantado, para que todo o que nele crer tenha a vida eterna” (Jo 3:14-15). No mesmo livro de Números o mercenário Balaão, um profeta pagão, é obrigado a falar de Jesus, que virá para a Igreja como a Estrela da Manhã, e para Israel como o cetro que reinará por mil anos. Balaão profetizou: “Uma estrela surgirá de Jacó; um cetro se levantará de Israel” (Nm 24:17).

Deixamos de lado muitas outras figuras do Pentateuco para entrarmos no livro de Josué, o qual é um tipo de Jesus ressuscitado e liderando o seu povo na conquista da terra prometida. É por Jesus que “em todas estas coisas somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou... nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8:37-39).

No livro de Juízes vemos a triste figura de um povo que se desviou de Deus, mas ainda ali é possível ver, nos diferentes juízes e libertadores levantados por Deus, uma tênue figura de Jesus, o verdadeiro Libertador e Juiz. Entramos no livro de Rute e nele visitamos Belém, onde nasceu Obede, figura do verdadeiro Servo de Deus que nasceria na mesma cidade e seria descendente do próprio Obede, pai de Jessé, e pai de Davi, do qual viria o Cristo.

Nos dois livros de Samuel vemos o profeta de mesmo nome, que Deus levantou em meio à ruína do testemunho, e ele é uma figura do verdadeiro Profeta por meio de quem Deus falaria nos últimos dias. Ali encontramos Davi, o Rei segundo o coração de Deus e figura do Rei que virá em glória e majestade para reinar. Mas no caráter de um reino de paz, Jesus é prefigurado por Salomão. Nos Evangelhos ele fez questão de se apresentar como aquele “que é maior do que Salomão” (Mt 12:42), mostrando que as sombras, por mais representativas que sejam da realidade, podem se desvanecer como aconteceu com o final inglório da vida do primeiro Salomão.

Deve ter sido maravilhoso para os dois discípulos a caminho de Emaús ouvirem Jesus falar do Antigo Testamento. “E começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes o que constava a respeito dele em todas as Escrituras”. Mais tarde ele diria aos discípulos: ‘Foi isso que eu lhes falei enquanto ainda estava com vocês: era necessário que se cumprisse tudo o que a meu respeito estava escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos’. Então lhes abriu o entendimento, para que pudessem compreender as Escrituras” (Lc 24:27; 44-45).

Embora ele tenha citado apenas a Lei, os Profetas e os Salmos, é possível vê-lo também nos livros de Reis e Crônicas, porém com uma nitidez cada vez menor à medida que Deus esgotava as tentativas de despertar fidelidade em seu povo. Guardadas as devidas proporções, alguns outros reis — Asa, Josafá, Ezequias e Josias — são também figuras de Cristo. Então vem o cativeiro e chegamos ao livro de Ester, o único livro da Bíblia que não menciona o nome de Deus, e nele conhecemos Mordecai, um tipo do verdadeiro Libertador dos judeus. Em Esdras e Neemias vemos figuras de Jesus como o Restaurador do povo e da adoração ao Deus verdadeiro.

A chave para entendermos o livro de Jó continua sendo Cristo, porém ali demonstrado como aquele que é o único cuja justiça pode prevalecer aos olhos de Deus. Era esta a lição que Jó, orgulhoso de sua justiça própria, precisava aprender. Para isto Deus usou Eliú, uma figura de Cristo, nosso Grande Sumo Sacerdote. Ao mesmo tempo em que intercedia por Jó, “Eliú... indignou-se muito contra Jó, porque este se justificava a si mesmo diante de Deus” (Jó 32:2).

O livro de Salmos é como um diário pessoal de Jesus, no qual ele anotou os seus sentimentos em sua identificação com o seu povo. No Salmo 16 encontramos “Jesus, autor e consumador da nossa fé” (Hb 12:2) e em muitos outros ele pode ser visto sofrendo o abandono que sofrerá o remanescente judeu fiel—os “pequeninos irmãos” de Mateus 25—na “grande tribulação”. O Salmo 22 mostra sua senda de sofrimento, desamparado por Deus e massacrado pelos homens. No Salmo 40 ele aparece cumprindo a vontade de Deus pelo sacrifício de si mesmo, e mais detalhes surgem no Salmo 69. O Salmo 102 revela seus sentimentos de pequenez, “como o pardal solitário no telhado” (Sl 102:7).

Porém nos Salmos 8 e 91 nós o vemos como o Segundo Homem, em seu domínio sobre todas as coisas, e no Salmo 18 o Rei aparece triunfante, e no Salmo 24 o Rei da glória toma posse daquilo que é seu por direito. No Salmo 45 ele é o Conquistador, cuja espada não poupa os ímpios em sua vingança a favor do sofrido remanescente fiel, que é amparado na jornada rumo ao reino milenial. Este tem suas glórias descritas no Salmo 100. Falta tempo para mostrar Jesus em todos os Salmos, portanto leia todos eles, começando com o Salmo 1, que mostra a perfeição da sua Pessoa, verdadeiro Deus e genuíno Homem.

No livro de Provérbios encontramos Jesus, o verdadeiro Filho de Davi e aquele que é “maior do que Salomão”, como a personificação da sabedoria de Deus. Reserve alguns minutos para ler o capítulo 8 de Provérbios e conhecer melhor este que é de “Eternidade a eternidade, porque dele são a sabedoria e a força” (Dn 2:20). É neste livro que você encontra Jesus também como “o amigo [que] ama em todos os momentos” e “um irmão na adversidade” (Pv 17:17).

O livro de Eclesiastes quase deixa Cristo de fora, por ser um compêndio de sabedoria humana debaixo do sol, ou seja, como o homem enxerga sua vida neste mundo. Mesmo assim nós o encontramos na alegoria de “uma pequena cidade em que havia poucos homens, e veio contra ela um grande rei, e a cercou e levantou contra ela grandes baluartes; e encontrou-se nela um sábio pobre, que livrou aquela cidade pela sua sabedoria, e ninguém se lembrava daquele pobre homem” (Ec 9:14-15). A carta de Paulo aos Coríntios nos faz lembrar de “nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre; para que pela sua pobreza enriquecêsseis” (2 Co 8:9).

Mas se a descrição árida de sabedoria humana encontrada no livro de Eclesiastes só aumenta nossa sede por Jesus, o livro de Cantares abre um manancial de água pura. Trata-se de uma alegoria que fala de Salomão, uma figura de Cristo, e sua noiva, a Sulamita, uma figura do povo terrenal de Deus, em especial o remanescente judeu fiel que será oprimido durante a “grande tribulação”. Ali tudo aponta para Cristo e sua extrema formosura. Ao perguntarem: “Que é o teu amado mais do que outro amado, ó tu, a mais formosa entre as mulheres?”, a Sulamita responde:

O meu amado é branco e rosado; ele é o primeiro entre dez mil. A sua cabeça é como o ouro mais apurado, os seus cabelos são crespos, pretos como o corvo. Os seus olhos são como os das pombas junto às correntes das águas, lavados em leite, postos em engaste. As suas faces são como um canteiro de bálsamo, como flores perfumadas; os seus lábios são como lírios gotejando mirra com doce aroma. As suas mãos são como anéis de ouro engastados de berilo; o seu ventre como alvo marfim, coberto de safiras. As suas pernas como colunas de mármore colocadas sobre bases de ouro puro; o seu aspecto como o Líbano, excelente como os cedros. A sua boca é muitíssimo suave, sim, ele é totalmente desejável. Tal é o meu amado, e tal o meu amigo, ó filhas de Jerusalém” (Ct 5:9-16).

Seguem-se os livros dos profetas, que falam de Cristo, de sua obra e do reino vindouro. Digno de nota é o capítulo 53 de Isaías, escrito 700 anos antes da morte de Jesus e dizendo que ele “Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados... porquanto derramou a sua alma na morte, e foi contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos”.

Chegamos, então, aos Evangelhos e em Mateus Jesus é o Rei de Israel, em Marcos o Profeta e Servo fiel, em Lucas o perfeito Homem e em João o Verbo de Deus, a própria habitação de Deus com os homens.

A revelação dada por Deus aos homens foi progressiva, portanto Moisés e os profetas que vieram depois dele não entenderam a profundidade das revelações que eles próprios recebiam. Muitas coisas só fariam sentido para aqueles que tivessem a revelação completa de Deus, por isso é impossível alguém entender corretamente as sombras e figuras do Antigo Testamento sem ler a realidade apresentada no Novo Testamento. Em sua primeira carta o apóstolo Pedro nos dá uma ideia mais clara disto, ao mencionar a salvação eterna pela fé em Jesus, que hoje o crente pode ter como certa e segura. Ele escreveu:

Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir. Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho; para as quais coisas os anjos desejam bem atentar” (1 Pe 1:10-12).

Mesmo assim, nem os próprios apóstolos tiveram toda a revelação de Deus durante o período dos Evangelhos. Algumas coisas ficaram ocultas como “mistérios” e foram reveladas especificamente ao apóstolo Paulo. Ele é o autor do “quinto evangelho”, a carta aos Romanos, que ele chama de “o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto, mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno” (Rm 16:25-26). A expressão “que se manifestou Agora” significa que antes de Paulo isso ainda era um mistério.

Um dos mistérios revelados a Paulo foi a ressurreição dos santos no arrebatamento. Ele escreveu: “Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados; num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados” (1 Co 15:51-52). A carta aos Tessalonicenses dá mais detalhes deste mistério, e Paulo se inclui ali entre os que já esperavam por este evento: “Dizemo-vos, pois, isto, pela palavra do Senhor: **que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, **não precederemos os que dormem. Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor” (1Ts 4:15-17).

No Antigo Testamento Jesus foi apresentado em tipos e figuras e depois sua Pessoa descrita em detalhes nos Evangelhos. Mas o modo como ele se revelou a Paulo foi peculiar. Os outros discípulos haviam conhecido Jesus antes de sua morte e também depois, já ressuscitado. A Paulo ele apareceu glorificado e, como se isto não bastasse, levou-o para conhecer o Paraíso ou “terceiro céu”, onde o apóstolo “ouviu palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar” (2 Co 12:4).

Portanto, ainda que você encontre Jesus em figuras no Antigo Testamento, e vivo, morto e ressuscitado nos Evangelhos, é por meio de Paulo que poderá conhecê-lo glorificado e em sua relação com a Igreja, o corpo de Cristo. Isto por causa da “revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto, Mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé” (Rm 16:25-26). A chave para você abrir o cofre dos segredos ou mistérios de Deus é a “Obediência da fé”. Não apenas fé, mas a fé daquele que está disposto a obedecer para conhecer a “a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória” (1 Co 2:7).

Trata-se de coisas que pertencem a outra dimensão; que Deus tinha em mente antes que existisse o tempo, pois são “coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam.”, diz o apóstolo Paulo em sua carta aos Coríntios (1 Co 2:8-9). Por mais privilegiados que tenham sido os homens de Deus do Antigo Testamento ou mesmo os discípulos no período dos evangelhos, nenhum deles teve o Espírito Santo habitando em si como o crente tem agora, depois de Pentecostes, e é somente pelo Espírito que estas coisas podem ser compreendidas.

Quando Deus decidiu revelar a verdade do mistério ele escolheu um vaso muito especial, e sabemos disso porque em Efésios 3 Paulo diz: “Se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada; como me foi este mistério manifestado pela revelação, como antes um pouco vos escrevi” (Ef 3:2-3). Paulo ainda não tinha recebido a revelação do mistério quando o Senhor mostrou a ele a essência da verdade deste mistério no caminho para Damasco, ao perguntar: “Saulo, Saulo, por que **me **persegues?” (At 9:4). Jesus revelava assim que os santos, que Saulo perseguia na terra, formavam um corpo e estavam unidos a Cristo, a Cabeça, nos céus.

Faltava um mistério a ser revelado, e a tarefa coube a Paulo. Com este segredo trazido à tona, a revelação de Deus estaria completa. É o que ele diz aos Colossenses, ao falar da Igreja, o corpo de Cristo e habitação do Espírito: “da qual eu estou feito ministro segundo a dispensação de Deus, que me foi concedida para convosco, para cumprir a palavra de Deus; o mistério que esteve oculto desde todos os séculos, e em todas as gerações, e que agora foi manifesto aos seus santos; aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória” (Cl 1:24-27).

No grego a palavra traduzida como “cumprir” tem o sentido de completar ou preencher uma lacuna. É a mesma usada por João, ao dizer: “Estas coisas vos escrevemos, para que o vosso gozo se cumpra.” (1 Jo 1:4). Paulo colocou a peça que faltava na revelação de Deus e nos fez saber que “os gentios são coerdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho”, e continua dizendo do privilégio que ele recebeu pela revelação do evangelho da graça de Deus: “do qual fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a operação do seu poder. A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios, por meio do evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo, E demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo; para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor” (Ef 3:6-11).

Por ser um mistério que ficou oculto no passado, a Igreja não existia no Antigo Testamento e nem mesmo nos evangelhos. Jesus a menciona pela primeira vez em Mateus 16:18, mas como algo ainda futuro. Ele diz: “Edificarei a minha igreja”. Como toda edificação da época, ela teria um alicerce com uma pedra de canto ou esquina — Cristo —, seguida das outras pedras do alicerce que seriam os apóstolos e profetas do Novo Testamento. Sobre este fundamento as paredes seriam levantadas com o acréscimo de cada salvo por Cristo.

É desta edificação que Paulo fala no capítulo 2 de Efésios ao dizer que somos “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor. No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito” (Ef 2:20-22). Em 1 Coríntios o apóstolo fala de sua responsabilidade em lançar os fundamentos da Igreja: “Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele. Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Co 3:10-11). Portanto é impossível você entender o que é a Igreja e saber como ela deve funcionar sem ler as cartas do apóstolo Paulo, a quem foi dada a tarefa de completar a Palavra de Deus.

Obviamente muitos pentecostais ou carismáticos não gostam da ideia de termos uma revelação completa, pois isto não lhes permite trazer suas próprias “revelações”, ou algum tipo de “pão quente”, como alguns costumam chamar aquilo que é falado espontaneamente em um púlpito, nem sempre com respaldo bíblico. Por isso é comum ouvirmos frases do tipo “O Espírito Santo me revelou....”, “Deus me disse...”, ou pessoas mudando a voz como se estivessem possuídas pelo próprio Espírito de Deus e falando na primeira pessoa coisas do tipo “Meu servo, eis que te ordeno...” ou “Meu servo, nenhuma obra maligna virá contra ti...”, etc. Será isso uma necessidade de autoafirmação ou insatisfação com a suficiência das Escrituras? Ou talvez um desejo por novidades? Pode ser, pois Paulo avisou a Timóteo: “Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; e desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas” (2Tm 4:3-4).