Estou sendo injustamente perseguido?
Você se converteu a Cristo e na época sentiu toda a rejeição e desprezo que todo verdadeiro crente conhece bem. Mas sua família e irmãos de seu convívio até apoiaram, pois logo você foi batizado e feito membro da congregação cristã onde seus pais já estavam. Até o dia em que entendeu que Deus não criou nenhuma denominação cristã, que a salvação é por graça e não fruto de sua perseverança, e que você agora podia dizer com todas as letras que sua salvação é eterna e ninguém pode extrair você das mãos do Pai. Obviamente estas afirmações foram um soco no estômago de sua família e irmãos mais chegados, porque contradizem muito do que é ensinado na denominação que frequenta. O seu caso é parecido com o do cego de nascença, que foi curado por Jesus, mas que precisava ainda conhecer algumas coisas se quisesse conhecer melhor quem era seu Benfeitor.
Nem todos aqueles que já conhecem ao Senhor Jesus como Salvador podem se identificar integralmente com o cego de nascença de João 9. É claro que todos podem se identificar com o fato de terem sido também libertados das trevas quando creram em Jesus, mas existe uma passagem que às vezes passa despercebida para a maioria. Ela mostra que, apesar da importância da salvação eterna, Deus não quer que o salvo pare aí. Tem algo mais. Veja você: “Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1 Tm 2:3-4). Tendo este versículo em mente você irá encontrar na passagem de João 9 alguns detalhes que revelam ter ela uma aplicação mais ampla e de maior significado ainda para os dias difíceis em que vivemos, quando você encontra uma organização cristã apelidada de “igreja” em cada esquina da cidade.
No capítulo 9 do Evangelho de João encontramos o cego curado pelo Senhor, mas o povo não consegue entender como aquilo havia acontecido. Certamente os sábios fariseus teriam uma explicação para aquilo. Mas não têm. Em Marcos 3 eles alegaram que o poder para Jesus expulsar demônios vinha de Belzebu, o príncipe dos demônios. Aqui, na cura do cego de nascença, o que Jesus expulsa são as trevas da vida daquele jovem, e os líderes religiosos não conseguem entender como alguém, que nem mesmo fazia parte do clero, e que não guardava o sábado, poderia ter feito tal coisa fora do sistema religioso que eles tanto prezavam. Eles dizem: “Este homem não é de Deus, pois não guarda o sábado. Diziam outros: Como pode um homem pecador fazer tais sinais?” (Jo 9:16), e se ler isto em conexão com o que eles dizem em João 7:48, irá perceber qual era o espírito que dominava a mente daqueles clérigos: “Creu nele porventura algum dos principais ou dos fariseus? Mas esta multidão, que não sabe a lei, é maldita”.
O homem que fora cego é interrogado por aqueles clérigos e, a princípio, também não entende muita coisa, mas de uma coisa ele tem certeza: ele era cego, mas agora vê. Seus pais, por prezarem mais a religião exterior do que a verdadeira obra que Deus estava fazendo em seu próprio filho, dizem não saber de nada, pois não querem se indispor com os sacerdotes e fariseus. Afinal, é preferível ficar do lado do sistema religioso oficial, reconhecido por toda a sociedade, do que dar um testemunho comprometedor. Quem iria querer ser discípulo daquele pobre filho de carpinteiro que diziam ser o Messias? Com todas as vantagens que o convívio social e religioso lhes oferecia, os pais do ex-cego não queriam nem pensar na possibilidade de serem expulsos da sinagoga.
E assim, ignorado por sua família e rejeitado pela religião de seus pais, o que era cego acaba sendo expulso pelos líderes religiosos. Dizem-lhe eles: “Tu és nascido todo em pecados, e nos ensinas a nós?” (Jo 9:34). Todavia o veneno nas palavras dos fariseus indica também o antídoto: somente aquele que tomou consciência de sua natureza pecaminosa, está apto a aprender de Deus. O apóstolo Paulo, que fora mestre em Israel, considerou como lixo toda a bagagem religiosa carnal que trazia, ao dizer:
“Ainda que também podia confiar na carne; se algum outro cuida que pode confiar na carne, ainda mais eu: Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; segundo a lei, fui fariseu; segundo o zelo, perseguidor da igreja, segundo a justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo. E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo, e seja achado nele, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus pela fé” (Fp 3:4-9). Ele entendeu que, mesmo tendo sido nascido e criado na casta mais nobre e elevada da religião judaica, dentre os pecadores, ele era o principal (1Tm 1:15).
Agora o cego já está curado; pode enxergar perfeitamente a luz. Agora vem a segunda parte do versículo que mencionei, que diz que Deus “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1Tm 2:3-4). É só depois de deixar para trás todo o sistema religioso de sua época — depois de ser expulso até pelo próprio clero — que o jovem passa a enxergar e conhecer melhor aquele que lhe havia curado. “Jesus ouviu que o tinham expulsado e, encontrando-o, disse-lhe: Crês tu no Filho de Deus? Ele respondeu, e disse: Quem é ele, Senhor, para que nele creia? E Jesus lhe disse: Tu já o tens visto, e é aquele que fala contigo. Ele disse: Creio, Senhor. E o adorou” (Jo 9:35-38).
Uma adoração livre, completa e desimpedida não teria sido possível enquanto ele fosse cego, figura do estado em que nos encontrávamos quando ainda incrédulos. Mas também, mesmo depois de ver, ele continuava em um sistema religioso de homens que, embora zelosos de Deus e portadores das Escrituras, não reconheciam plenamente os direitos e reivindicações de Cristo. Foi preciso que saísse — ou fosse expulso — para conhecer melhor o Filho de Deus em sua rejeição. O Senhor Jesus estava fora, e é nesse lugar de rejeição que ele vai encontrar aquele que tinha sido. Aqui cabe muito bem a exortação de Hebreus 13:13, que diz:
“Temos um altar, de que não têm direito de comer os que servem ao tabernáculo. Porque os corpos dos animais, cujo sangue é, pelo pecado, trazido pelo sumo sacerdote para o santuário, são queimados fora do arraial. E por isso também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio sangue, padeceu fora da porta. Saiamos, pois, a ele fora do arraial, levando o seu vitupério (ou rejeição). Porque não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura”.
O Senhor sabia que o rapaz tinha sido expulso do sistema religioso dos judeus, e sabia também que ele havia permanecido numa posição de corajosa fé diante dos líderes religiosos, não temendo as consequências que isso lhe traria de rejeição até em sua própria família. Prostrando-se aos pés de Jesus, ele o adora, numa atitude que era reservada exclusivamente a Deus. Certamente ele acabara recebendo uma medida especial de revelação. Quão precioso é estar na posição daquele que fora cego e poder adorar ao Senhor fora de tudo o que é do homem e, mesmo diante da incompreensão e ataques recebidos, poder permanecer firme junto a Cristo, professando “Eu era cego e agora vejo”! E também que tamanho privilégio ele tinha agora de adorar ao Senhor em total liberdade e sem nenhum clérigo humano para fazer a intermediação entre ele e Deus.