Esses irmãos guardam a unidade do corpo?
Você disse que alguns irmãos visitaram sua igreja e lá pregaram dizendo que fazem parte de um grupo que procura preservar ao máximo a unidade do corpo de Cristo. Bem, a Bíblia não nos exorta a preservarmos a unidade do Corpo de Cristo, já que essa é inabalável e não precisa do homem para ser preservada. Mas a Bíblia nos exorta a guardarmos a unidade do Espírito. Antes de explicar a diferença, vamos ao que afirmam os membros desse grupo que seguem os ensinamentos de um líder oriental e afirmam praticar o que diz em 1 Coríntios 1:10: “Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa, e que não haja entre vós dissensões; antes sejais unidos em um mesmo pensamento e em um mesmo parecer”.
Na tentativa de colocar isso que chamaram de “unidade” em prática, em todas as cidades do mundo eles leem a mesma passagem das Escrituras no mesmo dia, acompanhada da leitura dos mesmos ensinos dos mesmos autores orientais. Ou seja, todos eles, todos os dias, em todos os lugares, falam uma mesma coisa, aprendem uma mesma doutrina, ocupam-se com um mesmo assunto da Bíblia. E invocam: “Ó Senhor Jesus!”. Bem, o que eles não contaram para você é que possuem um líder mundial que dirige tudo a partir de uma sede mundial, de onde partem as ordens para as diferentes cidades. Possuem também uma imprensa oficial mundial de onde sai tudo o que devem ler naquele determinado dia. Não, eu não estou falando do Papa, de Roma, dos escritos que passam pela chancela da Sé romana, e nem daquele folheto entregue no início da missa — a Homília — que procura manter todas as suas igrejas ocupadas com um mesmo tema num mesmo dia. Mas é bem parecido, não é? Portanto esse grupo não faz nada original. A Igreja Católica vem fazendo isso há séculos.
Obviamente não é disso que a Bíblia fala quando se refere à união do Corpo de Cristo, que não pode ser abalada, ou à unidade do Espírito que os crentes devem guardar. Se observar as sete cartas às sete igrejas em Apocalipse 2 e 3 elas eram distintas, porque cada igreja ali passava por exercícios distintos. E nas cartas dos apóstolos às igrejas eles tratavam também de questões muito particulares de cada assembleia, apesar de encorajarem que uma igreja lesse a carta enviada à outra — e todos nós lemos hoje todas elas por formarem a doutrina apostólica. Mas é inegável que cada assembleia de irmãos reunidos passa por diferentes problemas e dificuldades, e que a direção para cada uma é dada pelo Espírito Santo presente naqueles e no meio daqueles reunidos.
O princípio encontrado nas Escrituras é que o Espírito Santo — e não um líder sentado no trono de uma sede mundial — é quem conhece essas dificuldades locais e saberá como tratá-las. “A manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil... Mas um só e o mesmo Espírito opera todas essas coisas, repartindo particularmente a cada um como [ELE] quer” (1 Co 12:7). Tampouco os crentes, quando reunidos, devem ficar sujeitos ao ministério de algum clero formado por líderes, mas o Espírito pode usar quem ele quiser para trazer aquilo que ele achar necessário. O único texto que é absoluto entre todos os salvos é a Bíblia, a Palavra de Deus. “Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros; para que todos aprendam, e todos sejam consolados” (1 Co 14:31).
Portanto, o grupo que visitou sua denominação e se apresentou como a última bolacha do pacote não é bem assim. Trata-se de uma “denominação” que se apresenta “sem denominação”, mas arvorando ser “a igreja” nesta ou naquela localidade. No mais, nada diferem das denominações, com um líder ou conselho supremo, uma sede mundial, preletores treinados e ordenados para esse trabalho, etc. Estes, em particular, trazem uma doutrina perniciosa que separa os crentes em Cristo entre “vencedores” e “perdedores”. A primeira classe, obviamente dos que “se acham” mais espirituais, não passará pela tribulação, mas a outra, que eu chamaria de sinceros, passará para uma espécie de purificação — ou purgatório — de seus pecados, pois não alcançaram o nível dos mais espirituais. Creio que você já viu que o que eles dizem talvez seja até mais pernicioso do que aquilo que é ensinado dentro da denominação que frequenta. Mas digo isto, não como um aval ou aprovação à sua denominação, pois o fato de separar os crentes por diferentes nomes já é algo ruim o suficiente para você se apartar desse sistema.
A alegação de que preservam a unidade do corpo de Cristo é falsa, pois o único que preserva isso é o próprio Cristo. Esse corpo não pode de maneira alguma ser desmembrado ou desfigurado, pois Cristo não permitiria que um só membro fosse arrancado. A igreja é um corpo, portanto todos os salvos fazem parte desse único corpo e estão sob a direção de uma só cabeça no céu, Cristo, independentemente de onde estejam congregados. “Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também” (1 Co 12:12). Esse “um corpo” foi formado apenas uma vez, e isso aconteceu no dia de Pentecostes em Jerusalém e é descrito como todos os salvos por Cristo tendo sido “batizados em um Espírito”. Veja o que o apóstolo Paulo escreveu em sua carta aos crentes de Corinto: “Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito” (1 Co 12:13).
Lembre-se de que quando aquele batismo “em um Espírito” aconteceu, nem Paulo, nem os Coríntios aos quais ele escreve, eram sequer convertidos. Esse é o único batismo no Espírito que temos na Bíblia, feito uma vez e que incluiu todos os salvos que estavam em Jerusalém naquele momento e todos os que ainda iriam se converter ou até mesmo nascer nos séculos que se seguiriam. O batismo em um Espírito foi o que Deus usou para formar a Igreja. Hoje cada crente que se converte a Cristo não é “batizado em um Espírito”, porque isso implicaria criar novamente a Igreja, mas é selado com o Espírito. “Em quem [Cristo] também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, **fostes selados com o Espírito Santo **da promessa. O qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão adquirida, para louvor da sua glória” (Ef 1:13-14).
Não existia Igreja antes de Cristo ter subido ao céu e os crentes na terra terem recebido o Espírito Santo. Se o Israel do Antigo Testamento fosse a Igreja, o corpo de Cristo, esse teria sido um corpo acéfalo — sem cabeça — porque a Cabeça, que é Cristo, precisava ser glorificada antes de o corpo ser formado. Para isso, Cristo primeiro ressuscitou e ascendeu ao céu, dando dons aos homens. O Espírito desceu no dia de Pentecostes, para unir os crentes a esse Jesus Cristo, o Homem glorificado nos céus. O corpo vive na terra, mas a Cabeça está nos céus. Isto fica claro nesta passagem: “E isto disse ele do Espírito que haviam de receber os que nele cressem; porque o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda Jesus não ter sido glorificado” (Jo 7:39). O Espírito só seria dado depois de Jesus glorificado.
Tudo isso nos fala da união que existe entre o corpo e a cabeça, uma união fundamentada na obra completa de Cristo, que inclui morte, ressurreição e glorificação. O corpo só pode estar ligado à cabeça em vida ressurreta, que é a vida que agora possui todo verdadeiro crente em Cristo que tem o Espírito habitando em si. Os santos do Antigo Testamento não podiam dizer de si mesmos:
“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo... E **nos ressuscitou juntamente com ele **e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus... Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor. No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito” (Ef 1:3; 2:6; 2:21-22).
Se a união é entre o corpo e a cabeça, a unidade, por sua vez, é entre os membros do corpo. Esta existe pela presença do Espírito Santo que habita em cada um e permite que todos tenham o mesmo sentimento e o mesmo entendimento das Escrituras; que possam agir em uníssono como duas cordas de violões diferentes afinadas no mesmo tom e que vibram juntas, quando apenas uma é tocada. Quando estas coisas não são visíveis, existe algum problema no guardar essa unidade. Lembrando mais uma vez que é impossível comprometer a união do corpo, que existe entre os crentes e a Cabeça, que é Cristo na glória, mas muitas coisas podem atrapalhar a manifestação visível da unidade do Espírito.
Essa unidade é do Espírito, não é dos crentes e não somos exortados a produzi-la (pois ela já existe), mas a “guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4:3). Esse vínculo ou elo é a harmonia entre os crentes que serve de testemunho para o mundo. “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros... Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 13:35; 17:21). Nem preciso dizer o quanto essa unidade tem sido comprometida por todas as divisões que vemos hoje no testemunho cristão no mundo. O corpo de Cristo é um, único, indissolúvel, mas o testemunho que foi deixado sob a responsabilidade do homem está dividido e o que o mundo vê não é unidade, mas diversidade, fragmentação e vergonha.
Preocupados com isso, muitos cristãos têm pavor da ideia de se separarem de sua denominação, achando até que todas as denominações deveriam se unir para demonstrar que são um só corpo. Mas isso encontra alguns problemas: primeiro, a Palavra de Deus nunca disse que o corpo de Cristo seja formado por diferentes denominações, mas sim por diferentes indivíduos — pessoas — que foram salvas por Cristo e, apesar de não andarem unidas na prática, elas estão todas unidas à única cabeça no céu, que é Cristo. Unir denominações ou organizações religiosas não é jamais a vontade de Deus, pois ele nem mesmo autorizou a existência delas. A Palavra nos exorta sim a nos apartarmos (separarmos) do mal e da iniquidade, e é impossível fazer isso andando junto com aqueles que pregam o erro, mesmo que sejam irmãos em Cristo e membros do mesmo corpo. A Palavra também nos exorta a nos separarmos dos vasos de desonra e a nos juntarmos aos que, com um coração já purificado desses erros, invocam o nome do Senhor. É este o sentido desta passagem:
“O fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade. Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra. Foge também das paixões da mocidade; e segue a justiça, a fé, o amor, e a paz com os que, com um coração puro, invocam o Senhor” (2Tm 2:19-22).
O outro problema da tentativa de unir as diversas denominações cristãs em uma grande colcha de retalhos é que isso exigiria nivelar a verdade pelo mínimo denominador comum. Ou seja, aqueles grupos que possuam uma maior fidelidade à verdade das Escrituras terão de abrir mão de muitas delas para descerem ao nível dos que nem sequer consideram a Bíblia a Palavra de Deus. Isso não produziria unidade, mas uma enorme colcha de retalhos que só traria desonra ao nome de Cristo; seria oficializar a derrota e violentar a consciência dos crentes individualmente, pois alguns seriam obrigados, por essa união compulsória, a engolir sapos de todos os tipos e tamanhos. “Aquele que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado” (Tg 4:17). Um texto de J. N. Darby pode ajudar a compreender isso:
“O próprio Deus deve ser a fonte e o centro da unidade, e somente ele pode estar no comando e preeminência. Qualquer centro de unidade fora de Deus será uma completa negação da sua divindade e glória. Considerando que existe o mal — sim, é esta a nossa condição natural — não pode existir uma união da qual o santo Deus seja o centro e o poder, senão por meio da separação do mal. A separação é o primeiro elemento de unidade e união”.
Outro texto que pode ser de ajuda é tirado do livro “A ordem de Deus”, de Bruce Anstey:
“Nas palavras que o Senhor dirige às sete igrejas em Apocalipse capítulos 2 e 3 há um ponto em que o Senhor já não reconhece a massa da profissão cristã, e a partir daí passa a tratar com um testemunho remanescente. Ele distingue um remanescente ao dizer: ‘Mas eu vos digo a vós, e aos restantes [ou remanescentes]...’ E é neles que o Senhor passa a tratar a partir de então (Ap 2:24-29). A razão disso é que o estado da igreja chegou a um ponto em que já não existe conserto. A partir daí ocorre uma mudança notória na maneira como o Senhor trata com a igreja. Isto é indicado pela expressão ‘ouça o que o Espírito diz às igrejas’, que passa a vir depois da promessa ao que vencer, ao invés de precedê-la, como tinha sido o padrão até aquele ponto. Nas palavras do Senhor às três primeiras igrejas, a recompensa ao que vencer era colocada diante de toda a igreja, pois o Senhor ainda tratava com ela como um todo. Mas desse ponto em diante já não é mais assim. A expressão ‘ouça o que o Espírito diz às igrejas’ só é dada a um remanescente, pois somente os que fazem parte dele irão ouvir e vencer. Walter Scott disse que a razão dessa mudança é que a grande massa da profissão cristã passa a ser tratada como incapacitada de ouvir, arrepender-se e praticar a verdade.
“W. Kelly disse: ‘Desse ponto em diante o Senhor coloca a promessa [ao que vencer] primeiro, e o faz porque é inútil esperar que a igreja como um todo irá recebê-la... apenas um remanescente irá vencer, e a promessa é para os que fazem parte dele; no que diz respeito aos outros, é caso encerrado’. Portanto, já que é assim, não podemos esperar que em nossos dias o princípio divino da unidade seja praticado em meio à massa da profissão pública, mas apenas dentro de um testemunho remanescente. Na prática, alguém que se une a uma determinada denominação em detrimento das outras, já não tem autoridade para criticar aqueles que querem se separar das denominações, pois foi exatamente o que fez! Ao limitar-se a uma denominação, acabou deixando de lado todas as outras, pois ninguém pode ser Batista e Presbiteriano ao mesmo tempo. Portanto, ao unir-se à denominação de sua escolha, sua atitude o excluiu de todas as outras, deixando assim de guardar a unidade do Espírito. Quem quiser argumentar sobre este ponto precisará primeiro praticar por si mesmo a unidade que espera que os outros pratiquem.” — Bruce Anstey em “A ordem de Deus”.