Jesus foi ao inferno tomar a chave das mãos do diabo?
Jesus nunca foi ao inferno tomar do diabo alguma chave dos portões infernais. Quando se mistura Bíblia com lendas, gibi, ficção científica, filmes de terror e livros de Dan Brown o resultado é uma salada conspiratória. Primeiro, Cristo foi direto ao Paraíso assim que morreu, e seu corpo foi sepultado (é isto que significa que “tinha descido às partes mais baixas da terra” - Ef 4:9). Segundo, o diabo não tem nenhuma chave e nem mora no inferno. No presente momento ele circula entre a terra e o céu, e se ler os dois primeiros capítulos do livro de Jó verá Satanás ali em uma audiência com o Senhor.
Algumas versões da Bíblia confundem por traduzir as palavras Geena (hebraico), Hades (grego) e “lago de fogo” indistintamente por um genérico “inferno”. Mas são coisas com significados diferentes e que também dependem do contexto para serem entendidas. O “lago de fogo” (Ap 19:20; 20:10, 14-15) é onde serão lançados os perdidos mortos após terem recebido de volta seus corpos no juízo final do “Grande Trono Branco”. Esse lugar — também chamado de “fogo eterno” — não foi preparado para os homens e sim para Satanás e seus anjos, como o Senhor ensinou: “Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” (Mt 25:41).
Deus não destinou o homem para a perdição, mas este, caindo em pecado e não aceitando a graça salvadora que trouxe Cristo até a cruz para nos remir, será lançado no lago de fogo que arde eternamente, juntamente com os anjos caídos. Mas não tem ninguém nesse lago de fogo eterno hoje, e os primeiros a inaugurarem suas chamas serão a besta e o anticristo. “E a besta foi presa, e com ela o falso profeta, que diante dela fizera os sinais, com que enganou os que receberam o sinal da besta, e adoraram a sua imagem. Estes dois foram lançados vivos no lago de fogo que arde com enxofre” (Ap 19:20). Mil anos depois, “o diabo... foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre” (Ap 20:10).
Hoje, quem morre tem seu corpo transformado em pó na terra e seu espírito e alma condicionados ao Hades, que não é exatamente um lugar físico, mas uma condição de morte e separação do corpo. Por isso o rico em Lc 16 estava no Hades e podia ver de lá Lázaro no “seio de Abraão”, uma figura do acolhimento que o crente desfruta junto a Deus dentro de uma perspectiva judaica. Mas como aprendemos da morte do malfeitor convertido e da promessa que Jesus fez a ele de estarem juntos naquele mesmo dia no Paraíso (Lc 23:43), podemos estar certos de que todo aquele que fecha seus olhos aqui na terra na fé em Cristo, irá abri-los imediatamente depois no céu na presença dele. Quem morre salvo por Cristo fica ali aguardando a ressurreição de seu corpo, e os que morrem sem Cristo estão na condição de Hades — separação do espirito e alma do corpo — aguardando receber de volta seus corpos para serem lançados no lago de fogo no juízo final.
E as chaves? Bem, quem tem as chaves de qualquer coisa tem o controle, como é o caso do carcereiro, que pode abrir ou trancar alguém na cela. Sempre foi assim, e o mesmo vale para as coisas de Deus. Somente Cristo conquistou ou venceu a morte e saiu da sepultura ressuscitado, subindo ao céu glorificado. Mais ninguém até agora experimentou isso. Somente ele pode determinar quem entra na morte e no Hades, e mais tarde no “lago de fogo”, e somente ele possui as chaves. Ele é quem tem autoridade sobre a morte e sobre o destino dos mortos, mais ninguém.
Satanás nunca teve chave alguma neste sentido e ele próprio está destinado a habitar no lago de fogo, um lugar onde até agora ele nunca esteve porque está vazio. Ou você ainda tem na cabeça aquela imagem de gibi, de um diabo de rabo e chifres sentado num trono em meio às chamas e cutucando as pessoas com seu garfo? Ou talvez tenha acreditado no “Inferno de Dante”, um autor que conhecia as coisas eternas tanto quanto Leonardo Da Vinci entendia de santa ceia, quando pintou a cena com todos sentados à moda europeia do mesmo lado de uma mesa elevada como se posassem para uma foto. Na Judeia dos tempos de Jesus as pessoas se reclinavam no chão em torno de uma mesa baixa, e é por isso que não há nada de estranho na expressão: “Ora, um de seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus” (Jo 13:23).
Apocalipse deixa muito claro QUEM tem o poder sobre a morte e a perdição eterna, e seria ir além do que está escrito querer sugerir que talvez no passado ele não tivesse esse poder e precisasse roubá-lo do diabo. Ele diz: “Eu sou o primeiro e o último; E o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1:17-18). Jesus não precisou lutar contra o diabo para conquistar coisa alguma, e até a obra na cruz, que aos olhos do diabo foi uma derrota para Jesus, sabemos que foi a vitória. “E, despojando os principados e potestades (aqui fala do diabo e seus anjos), os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo” (Cl 2:15).
Mas existe sim um sentido no qual Jesus subtraiu algo do diabo. Começou quando andou aqui curando as pessoas oprimidas pelo diabo e libertando-as de seu jugo. Pedro, em seu discurso a Cornélio e seus amigos, fala de “como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude; o qual andou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele” (At 10:38). Em Mateus 12:29 era a isso que Jesus se referia: “Ou, como pode alguém entrar em casa do homem valente, e furtar os seus bens, se primeiro não maniatar o valente, saqueando então a sua casa?”. O “homem valente” é o diabo, que Jesus despojou de seus bens.
Hoje o diabo continua perdendo militantes para Jesus. É graças a Deus que os que creem podem afirmar que ele nos libertou “da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor” (Cl 1:13). E a obra completa de libertação se deu na morte de Cristo na cruz para que, “pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo; e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão” (Hb 2:14-15).
Neste momento o diabo passeia pela terra e o céu, mas haverá um momento ainda futuro quando será expulso das esferas celestiais e lançado na terra em dias de grande tribulação. Antes que você se surpreenda em saber que o diabo tem acesso aos lugares celestiais, lembre-se dos dois primeiros capítulos do livro de Jó e também da exortação quanto ao lugar onde estão os verdadeiros inimigos do crente, que não são seres humanos, mas anjos caídos (o termo caído não é no sentido de cair de um lugar, mas cair de uma posição, o que aconteceu em tempos imemoráveis quando se rebelou contra Deus):
“Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo. Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (Ef 6:11-12).
E agora um vislumbre do que o futuro reserva para o diabo e seus anjos, lembrando que aqui ele é identificado claramente como a mesma serpente da tentação no Jardim do Éden:
“E houve batalha no céu; Miguel e os seus anjos batalhavam contra o dragão, e batalhavam o dragão e os seus anjos; mas não prevaleceram, Nem mais o seu lugar se achou nos céus. E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele. E ouvi uma grande voz no céu, que dizia: Agora é chegada a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado, o qual diante do nosso Deus os acusava de dia e de noite. E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho; e não amaram as suas vidas até à morte. Por isso alegrai-vos, ó céus, e vós que neles habitais. Ai dos que habitam na terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo. E, quando o dragão viu que fora lançado na terra, perseguiu a mulher [Israel] que dera à luz o filho homem [Jesus, a semente da mulher prometida no Éden]” (Ap 12:7-13).