O clero tem fundamento bíblico?

Considerando que você já tem planos de buscar um aprendizado formal no meio eclesiástico, certamente tudo o que eu disser será inócuo. O apelo eclesiástico é muito forte e há muitos cristãos que almejam essa posição, muito embora não encontrem qualquer indício de uma ordenação humana nas escrituras.

Sobre a questão de um clero, em seu e-mail você já indicou a força que isso tem nas denominações. Veja suas afirmações: "Dou graças a Deus que meu pastor dá oportunidade para todos os irmãos, (...) meu pastor que concede tão boas oportunidades para aprendermos. (...) E o pastor, em determinado momento, foi um a um, perguntando se queria oportunidade.”.

Percebe que é o pastor, e não o Espírito Santo, quem está dirigindo tudo? Nas epístolas não existe qualquer sinal desse tipo de coisa numa reunião da igreja. Isso é o que o clericalismo faz: substitui a direção do Espírito pela direção de um homem, e ainda faz as pessoas pensarem que estão congregando com liberdade porque esse homem dá liberdade (Quem é ele que tem o poder de dar essa liberdade? Quem o capacitou para tanto?).

Se você perguntar a Deus o que fazer quando estiver congregado, terá uma resposta clara em 1 Coríntios 14. Tente encontrar nessa descrição de uma reunião da igreja a figura do dirigente, pastor ou quem quer que seja que se arvore no direito de dirigir a reunião ou conceder licença para que os santos (que ele geralmente chama de membros de “sua igreja”) tenham oportunidade de falar.

(1 Co 14:26) "Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação. E, se alguém falar em língua desconhecida, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete. Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus. E falem dois ou três profetas, e os outros julguem. Mas, se a outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro. Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros; para que todos aprendam, e todos sejam consolados. E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas. Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos. As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja. Porventura saiu dentre vós a palavra de Deus? Ou veio ela somente para vós? Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor. Mas, se alguém ignora isto, que ignore. Portanto, irmãos, procurai, com zelo, profetizar, e não proibais falar línguas. Mas faça-se tudo decentemente e com ordem”.

Hoje, textos em outros idiomas já não representam dificuldade para ninguém, e você, como jovem, estudante e aspirante a uma profissão, deve se manter atualizado com essas ferramentas se quiser ter sucesso em sua carreira profissional. O sistema da Google traduz bem o suficiente para se entender o texto, apesar de não substituir uma tradução humana. Fora isso, aconselho que estude inglês para o bem de sua carreira profissional, pois quando sair da faculdade verá que as portas se abrem com maior facilidade para quem fala inglês.

Escrevi sobre o cargo ou profissão de “pastor” que você encontra nas denominações, não por existirem muitos “pastores” que fazem barbaridades por aí, mas simplesmente por não encontrar na Palavra de Deus essa função de um homem liderando uma congregação local. O que não existe na Palavra de Deus nós não devemos inventar.

Eu tenho certeza de que existem muitos irmãos sinceros ocupando essa posição nas denominações e Deus os tem usado também. Porém o sistema que os homens criaram mais atrapalha do que ajuda. Conheço um pastor presbiteriano que tem um dom muito especial de evangelista e gosta mesmo de sair pregar o evangelho. Ele próprio me confessou que prefere estar em campo pregando a dirigir a congregação que lhe foi designada.

Agora veja você que situação: por fazer parte do sistema ele seguiu o caminho que a tradição ditou: estudou teologia, foi ordenado pastor e assumiu a liderança de uma congregação ou “igreja” em uma pequena cidade. Como seu dom é de um evangelista, aquela congregação não escuta mais que o evangelho todas as semanas e fica assim privada de aprender aquilo que Deus tem preparado para ensinar por intermédio dos que tem o dom de pastor ou mestre (lembre-se de que ele reconhece não ter o dom de pastor, mas de evangelista).

Naquela congregação podem existir outros irmãos que tenham recebido do Senhor o dom de pastor ou de mestre (ou doutor), porém o sistema determina que é o “pastor ordenado” quem deve ficar à frente da congregação, pregar, ensinar, pastorear, etc. Então todos perdem: esse “pastor”, por reconhecer que não tem o dom e acaba fazendo menos do que poderia; os outros dons, que não têm tantas oportunidades de se manifestarem como teriam se estivessem se congregando segundo 1 Coríntios 14; e a congregação como um todo, que não será alimentada com mais do que a mensagem básica do evangelho, que é o que o “pastor” sabe pregar bem.

Resumindo o que escrevi, a profissão ou cargo de “pastor” que você encontra nas denominações na figura de um homem dirigindo o culto e responsável por uma congregação não existe na Bíblia.

Na Bíblia o pastor é um dom, como é o evangelista e o mestre. O evangelista sai a pregar o evangelho, as pessoas se convertem e o pastor as incentiva a permanecerem no Senhor, enquanto o mestre ensina doutrina a elas. Você encontra os diferentes dons em ação em Atos 11:

Evangelistas: "Aqueles, pois, que foram dispersos pela tribulação suscitada por causa de Estêvão, passaram até a Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus. Havia, porém, entre eles alguns cíprios e cirenenses, os quais, entrando em Antioquia, falaram também aos gregos, anunciando o Senhor Jesus. E a mão do Senhor era com eles, e grande número creu e se converteu ao Senhor." (Atos 11:19-21).

Pastor: "Chegou a notícia destas coisas aos ouvidos da igreja em Jerusalém; e enviaram Barnabé a Antioquia; o qual, quando chegou e viu a graça de Deus, se alegrou, e exortava a todos a perseverarem no Senhor com firmeza de coração; porque era homem de bem, e cheio do Espírito Santo e de fé. E muita gente se uniu ao Senhor." (Atos 11:22-24).

Mestre: "Partiu, pois, Barnabé para Tarso, em busca de Saulo; e tendo-o achado, o levou para Antioquia. E durante um ano inteiro reuniram-se naquela igreja e instruíram muita gente; e em Antioquia os discípulos pela primeira vez foram chamados cristãos.” (Atos 11:25-26). (Aparentemente Barnabé reunia os dons de pastor e mestre, pois diz que ele ensinava juntamente com Paulo).

A responsabilidade de uma assembleia local não está sobre um só homem (como costuma ser o “pastor” das denominações), mas sobre vários irmãos que a Bíblia chama de anciãos, bispos ou presbíteros (ou guias). Estes não são dirigentes das reuniões, mas funcionam como zeladores do rebanho.

Quanto ao que disse de Davi, escolhido por Deus para ser o líder de Israel, ele é uma figura de Cristo Rei para Israel (nas epístolas dadas à igreja Cristo nunca aparece como rei da Igreja, mas sempre como Senhor). Mas no início Deus não queria dar um rei para Israel, mas queria que o seu povo dependesse somente de Deus como seu Líder. O povo pediu um rei porque queria ser como as outras nações e Deus lhes deu Saul.

No que diz respeito à Igreja de Deus, o próprio Senhor é o Sumo Pastor, o Espírito Santo o dirigente das reuniões e os próprios crentes são o templo ou casa espiritual de Deus e exercem um sacerdócio santo. Percebe o quão diferente tudo isso é do modelo que o protestantismo copiou do catolicismo que, por sua vez, emprestou de Israel? Inventaram um clero formado por homens em uma posição intermediária entre a congregação e Deus, arranjaram para esses homens vestes distintas, deram a eles títulos honoríficos como “padre”, “pastor”, “bispo”, “sacerdote”, “reverendo”, etc. e chegaram ao ponto, no catolicismo, de chamar um homem de Sumo Pontífice ou Sumo Sacerdote.

Espero que desta vez tenha ficado mais claro para você. Repito: minha intenção não é denegrir as pessoas que ocupam a posição de “pastores” nas denominações, pois a grande maioria desses irmãos simplesmente ignora o que a Palavra de Deus diz a respeito, tendo “engolido” aquilo que a tradição religiosa lhes passou sem nem mesmo irem conferir nas epístolas. O melhor mesmo é sermos como os irmãos de Bereia quando os apóstolos vieram lhes trazer as novas do Evangelho. Conhecedores das escrituras do Antigo Testamento, eles foram conferir se as coisas eram de fato do jeito que aqueles homens estavam lhes falando.

(Atos 17:11) "Ora, estes eram mais nobres do que os de Tessalônica, porque receberam a palavra com toda avidez, examinando diariamente as Escrituras para ver se estas coisas eram assim".