As organizações religiosas não vêm de Deus?

Sim, realmente tudo o que você escreveu aconteceu: várias igrejas locais foram surgindo e todas elas tinham o aval divino para se organizarem. Mas existe uma diferença enorme entre aquela situação e o que vemos hoje. A igreja era uma só, apenas manifestada localmente pelas diferentes igrejas ou assembleias que, evidentemente, não eram independentes entre si e tinham plena comunhão umas com as outras.

Naquele tempo tudo era semelhante ao que é hoje o Exército Brasileiro. Existe um só exército, porém ele está representado localmente em todas as cidades através dos quartéis e “Tiros de Guerra”. Ninguém jamais ousaria fundar outro exército.

Porém o que vemos hoje não são manifestações locais da única e mesma igreja, mas diferentes igrejas independentes, fundadas sobre diferentes fundamentos, lideradas por diferentes homens e até mesmo identificando a si mesmas e aos seus membros diferentemente, cada uma com sua própria denominação. Nem precisamos nos debruçar muito sobre a questão para percebermos que um projeto assim não veio de Deus, mas do homem.

O que fazer numa situação assim? Sair desse “arraial” religioso para voltar aos princípios encontrados no Novo Testamento: estar congregado somente ao nome de Jesus (sem nenhum outro nome ou identidade); ter a ele no centro como motivo de nossa reunião (e não um pregador, uma banda, uma doutrina, etc.) e; livrarmo-nos de qualquer nome ou denominação que nos faça distintos de nossos irmãos salvos por Cristo e nos identifique por uma denominação que não possa ser usada por todos sem distinção.

Para isso primeiro é preciso reconhecer que as divisões criadas pelo homem na forma das diferentes denominações é um pecado do qual Deus não quer que tomemos parte. Mas, antes que nos venha qualquer ideia de “começar algo melhor”, é preciso reconhecer que existe uma igreja da qual todos os salvos fazem parte, mesmo aqueles que não estejam congregados conosco, e em qualquer lugar sempre encontraremos pessoas iguais.

Portanto não se trata de nos livrarmos de alguns erros, mas de abandonar todo o princípio denominacional e sectário que é contrário à Palavra de Deus. É errado cristãos serem deste ou daquele, e mais ainda alguns se acharem como os que são de Cristo, como se os outros não fossem.

(1 Co 1:11-13) "Porque a respeito de vós, irmãos meus, me foi comunicado pelos da família de Cloé que há contendas entre vós. Quero dizer com isto, que cada um de vós diz: Eu sou de Paulo, e eu de Apolo, e eu de Cefas, e eu de Cristo. Está Cristo dividido?".

(1 Co 3:3-4) "Porque ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja, contendas e dissensões, não sois porventura carnais, e não andais segundo os homens? Porque, dizendo um: Eu sou de Paulo; e outro: Eu de Apolo; porventura não sois carnais?".

Considerando que todas essas denominações, em maior ou menor medida, têm suas próprias formas de governo e eleição de líderes, precisamos também entender como a liderança local era levantada na igreja no princípio e como deveria ser também hoje.

Se você buscar nas Escrituras sem qualquer preconceito implantado em sua mente pelo denominacionalismo, verá que não podemos ter hoje qualquer indício de uma classe sacerdotal como havia no Antigo Testamento. Hoje cada crente é um sacerdote apto para entrar na presença de Deus sem qualquer intermediário que não seja o próprio Jesus, nosso único e suficiente Sumo Sacerdote. Tendo isto em mente evitamos cair no erro do clericalismo, hoje tão difundido na cristandade, o qual separara os crentes em duas classes: clero (ou liderança) e leigos.

Então nos resta entender a figura do “pastor” evangélico ou “padre” católico, coisas que não encontramos na Palavra. Segundo a Palavra de Deus, pastor é um dom, não um posto de liderança. Por ser um dom, é concedido pelo próprio Senhor, não por uma junta de homens, o mesmo ocorrendo com os dons de mestre ou doutor e evangelista.

(Ef 4:11-12) "E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, Querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo;”.

Desnecessário é dizer que os outros dois dons destinados à edificação da igreja, que são apóstolose profetas, já não existem por terem sido responsáveis por formar o fundamento ou alicerce.

(Ef 2:19-20) "Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; Edificados sobre o fundamento (alicerce) dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina;”.

Hoje estamos na época das pedras que compõem as paredes, não o alicerce. Nestas sim há os dons de pastor, evangelista e mestre atuando, cada um na sua função e de modo universal.

(Ef 2:21-22) "No qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor. No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito”.

(1 Pe 2:5) "Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo”.

Nenhum destes dons (pastores, evangelistas e mestres) é limitado a uma assembleia local, por terem sido dados à igreja como um todo, portanto é errado limitar a atuação de qualquer um deles a uma assembleia local (não existe base bíblica para dizer algo como “o pastor da igreja tal” referindo-se ao dom de pastor). Eles tampouco ocupam um papel de liderança (exceto os anciãos que são chamados de “pastor” em algumas passagens, mas no sentido de presbíteros ou supervisores do rebanho).

Os evangelistaspregam o evangelho aos incrédulos, os pastoresapascentam ou cuidam do bem estar daqueles que se tornaram ovelhas de Cristo, e os mestres ou doutores as alimentam com a sã doutrina. Uma bela exposição disso você encontra em Atos 11:20 em diante.

Resta saber o papel dos presbíteros (anciãos) em tudo isso. Estes sim ocupam uma função ou ofício, independente dos dons que possuam, e são funções locais, não universais. Um ancião na assembleia de Corinto não era ancião da assembleia de Éfeso e vice-versa (embora obviamente fossem reconhecidos por seu trabalho local em sua assembleia de origem). É bom lembrar que não existia um único presbítero ou ancião numa localidade, mas a designação sempre aparece no plural: “anciãos”, “presbíteros”, “bispos” — neste caso são sinônimos.

Nas passagens onde você os encontra sendo chamados de “pastores” (Hb 13:7 e 17), também no plural, por sua função ter algumas características de cuidado e pastoreio. A palavra "presbítero” poderia ser traduzida em termos modernos como "supervisor”. Então encontramos "supervisores”, e não "diretores”, nas assembleias bíblicas. Supervisoré quem observa, vigia, acompanha, etc. Diretoré quem dirige, mas ninguém pode querer dirigir o que o Espírito Santo de Deus já faz por ser esta a sua função.

(1 Co 12:11) "Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como [Ele, o Espírito, e não um homem] quer”.

(2 Co 3:17) "Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade”.

Alguém que se arvore na condição de “dirigente” dos santos quando estes estão reunidos, dizendo que fulano deve fazer isso, sicrano deve fazer aquilo, beltrano deve fazer aquilo outro, precisa pensar duas vezes no que está fazendo, pois pode estar usurpando uma posição que não lhe pertence. Alguns cristãos erroneamente interpretam a liberdade do Espírito nas reuniões como o líder ou “pastor” distribuir tarefas durante o culto, mas isso nada tem a ver com a liberdade e direção do Espírito. Trata-se de um homem fazendo um papel que não é dele.

Você encontra na Palavra de Deus três indicações para se chegar ao posto de presbítero, ancião ou bispo, o que é a mesma coisa e deve ser entendida como uma função de supervisão. Primeiro há o desejo por este trabalho:

(1Tm 3:1) "Esta é uma palavra fiel: se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja”.

A passagem continua falando dos atributos morais e pessoais de quem almeja essa posição: irrepreensível (idôneo), monogâmico, vigilante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto para ensinar, não dado ao vinho, não espancador, não ganancioso, moderado, não contencioso, não avarento (que adora dinheiro), bom pai de família, não neófito e com bom testemunho entre os incrédulos também. Enfim, alguém de reputação sem mancha. Obviamente não é o caso dos muitos que se intitulam a si mesmos “bispos” que vemos hoje na cristandade.

Mas não bastava desejar tal posição e ter uma boa reputação: era preciso ser indicado para o cargo. Então aí entra a passagem de Tito que você citou, mas não a outra (1Tm 4:13-14) que não se trata de delegar tal ofício ao jovem Timóteo, mas sim de animá-lo a exercer o seu dom. Lembre-se, dom é uma coisa, ofício é outra. Ficamos, portanto, com Tito 1:5

"Por esta causa [eu, Paulo] te deixei em Creta, para que [tu, Tito] pusesses em boa ordem as coisas que ainda restam, e de cidade em cidade [tu, Tito] estabelecesses presbíteros, como já [eu, Paulo] te mandei [a ti, Tito]”.

Não me lembro de outra passagem na Bíblia que fale de alguém estabelecendo presbíteros nas assembleias. Agora observe a passagem e responda a estas perguntas: Quem ordenou o estabelecimento dos presbíteros de cidade em cidade? A quem foi dada esta ordem? Se você respondeu “Paulo” e “Tito”, acertou. Trata-se de uma ordem direta de um apóstolo a uma pessoa de nome Tito, e não de uma instrução geral do tipo: “irmãos, estabeleçam presbíteros de cidade em cidade”.

Portanto, o que temos na passagem é uma autoridade apostólica (Paulo) delegando um poder ou autoridade a uma pessoa. Trata-se de uma procuraçãocom dois nomes nela, Paulo e Tito, mais ninguém. Acho que você já entendeu que qualquer outro que queira se apropriar deste poder está indo além do teor dessa procuração. Paulo não está mais entre nós, e tampouco estão os outros apóstolos, portanto ninguém mais tem tal "procuração” para sair por aí estabelecendo presbíteros.

Mas será que isto quer dizer que hoje não existem mais presbíteros? Ao contrário, eles continuam existindo sim, porque há outra forma de serem estabelecidos. É aí que entram as instruções de Paulo para um tempo que viria depois de sua partida, em Atos 20:17 em diante:

(Atos 20:28) "Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o espírito santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue... Agora, pois, irmãos, encomendo-vos a deus e à palavra da sua graça; a ele que é poderoso para vos edificar e dar herança entre todos os santificados”.

Aqui você encontra que foi o Espírito Santo quem constituiu aqueles bispos (ou presbíteros ou anciãos, que é a mesma coisa), e que após sua partida Paulo não os encomendava a algum outro apóstolo para ocupar seu lugar, mas a Deus e à Palavra. Hoje não temos mais Paulo e os outros apóstolos, mas continuamos a ter o Espírito, Deus e a Palavra.

Resumindo o que escrevi até aqui, temos pessoas que almejam o ofício de presbítero, temos Paulo designando particularmente Tito para uma missão específica, e temos presbíteros constituídos diretamente pelo Espírito Santo. São estes os presbíteros que temos hoje, e não os designados por Tito por delegação de Paulo.

Alguém que é levantado pelo Espírito não é designado, eleito ou ordenado por um homem ou por uma junta de homens. Portanto, embora ele possa até sentir que a si cabe tal responsabilidade, mas não pode ser ordenado como tal porque ninguém hoje tem autoridade para tanto. Ele pode, porém, ser reconhecido pelos irmãos de sua localidade como alguém que demonstra responsabilidade pela supervisão(“presbitério”) do rebanho. Eu reconheço irmãos que fazem tal trabalho, mas não os chamo de “bispos”, “presbíteros” ou algum título, porque fazer isso seria até pretensão, e vou explicar a razão.

Você sabe que biblicamente as assembleias ou igrejas eram distribuídas por localidades geográficas (não por diferentes denominações). Então havia a igreja (a mesma igreja de Deus) que estava em Corinto, que estava em Éfeso e assim por diante. Hoje continua do mesmo jeito. Deus reconhece a sua igreja que está na cidade “A”, que está na cidade “B” e assim por diante. Nem preciso dizer que Deus não reconhece denominações, pois não há fundamento bíblico para tal. Muito bem: quem são os presbíteros da cidade “A”? Todos aqueles crentes na cidade “A” que o Espírito Santo constituiu para supervisionarem o rebanho de Deus que fazem parte da igreja de Deus que está na cidade “A”.

Quando você entende isto, acaba percebendo que seria muito orgulho e pretensão uma pequena parcela dos crentes da cidade “A” — constituídos como uma comunidade, denominação ou mesmo reunidos somente ao nome do Senhor — decidir eleger alguns de seu grupo como os presbíteros da cidade “A”. E os outros?

Espero que isto lhe dê uma visão clara de como é o governo estabelecido por Deus para a sua igreja, algo muito diferente daquilo que você encontra nos milhares de sistemas ou organizações religiosas que os homens criaram e denominaram segundo seus próprios caprichos.