Se Jesus é Deus imutável, como mudou para ser Homem?

Sim, Jesus é Deus, portanto imutável, tanto no seu ser como em seus atributos, o mesmo ocorrendo com o Pai e o Espírito Santo, as duas outras Pessoas da Trindade. Mas como o Jesus imutável mudou ao ponto de se transformar em Homem? A resposta é: ele não mudou e nem se transformou. Jesus veio em carne, isto é, adotou a natureza humana além da divina.

(Jo 8:58) “Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou”.

(Jo 1:14) “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”.

(Hb 1:8-12) “Mas, do Filho, diz: Ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos; Cetro de equidade é o cetro do teu reino. Amaste a justiça e odiaste a iniquidade; por isso Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria mais do que a teus companheiros. E: Tu, Senhor, no princípio fundaste a terra, E os céus são obra de tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permanecerás; E todos eles, como roupa, envelhecerão, E como um manto os enrolarás, e serão mudados. Mas tu és o mesmo, E os teus anos não acabarão”.

(Hb 13:8-9) “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente. Não vos deixeis levar em redor por doutrinas várias e estranhas...”.

Estas passagens mostram que Jesus é Deus, eterno e imutável em sua essência. Mas mesmo assim ele se fez carne, o que pode parecer para alguns que ele mudou, deixando de ser imutável. Será?

Se pesquisar verá casos de pessoas que recebem um transplante de coração em condições especiais que não permitem a retirada do coração original. Elas passam a viver com dois corações, e entendo que este exemplo nos ajuda a enxergar um pouco do que aconteceu. Sem deixar de ser Deus imutável, Jesus recebeu uma nova natureza, a humana.

Por isso todos os seus atributos permaneceram intactos. Ele andou aqui sem fazer uso de todos os atributos divinos, embora eles continuassem lá, inalterados. Mas em alguns momentos era possível vê-los trabalhando, quando ele domava os elementos, repreendia os espíritos malignos e multiplicava os pães. Mais que tudo, seu poder divino sobre a vida e a morte permitia que ele trouxesse mortos de volta à vida.

Era como se, no caso do transplantado, alguém duvidasse que ele ainda permanecia com seu coração original e quisesse verificar. Bastaria inclinar-se sobre o seu peito para ouvir os dois corações batendo: o original e o novo batendo lado a lado. O apóstolo João fez algo assim:

(1 João 1:1) “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida”.

Antes da encarnação Jesus era “apenas” Deus (digo-o reverentemente), e Deus na integralidade de sua Pessoa. Depois de vir ao mundo ele passou a ser Deus “e” Homem. Tão Deus quanto sempre foi, e tão Homem quanto sempre será eternamente. Não significa que sua divindade tenha se tornado humana, ou que sua humanidade se tornou divina, porque aí teríamos um ser híbrido, o que não é o caso. Ele é 100% Deus e ao mesmo tempo 100% Homem, e não 50% Deus e 50% Homem. Os semideuses da mitologia é que são assim.

Obviamente isto é o máximo que podemos tocar do mistério da encarnação, pois estamos falando da própria natureza de Deus, um terreno onde devemos tirar as sandálias dos pés para caminhar. Jamais entenderemos completamente Deus e em especial a encarnação. Só podemos aceitar, pois assim vemos na Palavra de Deus. Ela é clara em mostrar que Jesus é Deus, portanto imutável. E ela é clara em mostrar que o Filho de Deus se fez carne, vivendo aqui como um Homem que tinha cansaço, sede e dor. Se nossa mente não consegue entender isso, então devemos deixar como está e simplesmente crer.

Se Paulo, depois de visitar o terceiro céu, disse que “ouviu palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar” (2 Co 12:4), como podemos achar que seremos capazes de entender ou falar da própria natureza de Deus? É por isso que a fé cristã não é baseada em dados ou provas científicas, mas no “firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem” (Hb 11:1).

John Gill (1690-1771) em “Exposition of the Entire Bible” explica assim:

“A palavra “carne” aqui (Jo 1:14) significa, não uma parte do corpo, nem apenas o corpo todo, mas a completa natureza humana, consistindo de um verdadeiro corpo e uma respectiva alma. E assim é dito a fim de revelar a fragilidade disso, sendo esse corpo assolado por fraquezas, embora sem pecado; e também para demonstrar que a natureza que ele assumiu era uma verdadeira natureza humana, e não um fantasma ou uma aparição. Quando é dito que ele se fez carne, isso não foi feito pela transformação de uma natureza em outra, a divina tornando-se humana, ou o Verbo se transformando em um homem, mas pela adoção da natureza humana, tendo o Verbo tomando essa natureza e unindo-a a si mesmo, de modo que nenhuma das naturezas foi alterada: Cristo permaneceu o que ele era, e veio a ser o que ele não era. Tampouco as naturezas se confundem ou se misturam, tornando-se assim uma terceira natureza, e nem elas são separadas e divididas, de modo a formarem duas pessoas, uma divina e uma humana. Mas elas são de tal forma unidas que formam uma única Pessoa, e tamanha é essa união que jamais poderá ser dissolvida, e ela é o fundamento e a virtude e a eficácia de todas as obras e ações de Cristo com Mediador”.

John Nelson Darby (1800-1882), em uma carta a um editor francês, resume os fundamentos da fé cristã com estas palavras:

“Talvez seja oportuno, tendo em vista a infidelidade que se espalha por toda parte, começar dizendo que professo, e posso adicionar que professo isto com firmeza, todos os fundamentos da fé cristã: A divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, um Deus, bendito eternamente; a divindade e humanidade do Senhor Jesus, duas naturezas em uma pessoa; sua ressurreição e glorificação à destra de Deus; a presença do Espírito Santo aqui no mundo, tendo descido no dia de Pentecostes; a volta do Senhor Jesus conforme sua promessa. Cremos também que o Pai, em seu amor, enviou o Filho para cumprir a obra da redenção e graça para com os homens; que o Filho veio, nesse mesmo amor, para cumpri-la, e que ele consumou a obra que o Pai lhe deu para fazer na terra. Cremos que ele fez a propiciação por nossos pecados, e que depois de terminado, subiu ao céu; o Sumo Sacerdote assentado à destra da Majestade nas alturas”.