Os santos podem interceder por nós?
Sim, mas apenas enquanto os “santos” estiverem vivos. Geralmente quando alguém pergunta isso está se referindo ao que o catolicismo chama de “santos”, ou seja, cristãos proeminentes que morreram e, através de uma decisão do clero, foram “canonizados” e passaram à categoria de “santos”, ou seja, espíritos capazes de operar milagres em favor dos vivos. A própria definição é falha, já que a Bíblia chama de “santos” a todos os que são da fé. Por exemplo, leia o início das epístolas e verá que elas eram dirigidas “aos santos que estão na igreja tal...”, ou seja, cristãos vivos, não mortos.
Falando especificamente de sua dúvida, não encontro na Bíblia algum tipo de “intercessão dos santos”, isto é, intercessão dos mortos pelos vivos a pedido destes. Aqueles que chamam a isso de “intercessão dos santos” não percebem que é praticamente a mesma doutrina professada pelo espiritismo, de buscar nos mortos ajuda para os vivos. Uma passagem usada pelo catolicismo romano para justificar orações feitas aos “santos” mortos é Jeremias 15:1:
“Disse-me, porém, o Senhor: Ainda que Moisés e Samuel se pusessem diante de mim, não estaria a minha alma com este povo; lança-os de diante da minha face, e saiam”.
A justificativa é que Deus estaria colocando a possibilidade de Moisés e Samuel, já mortos nessa ocasião, intercederem por Jerusalém. Penso que Deus está fazendo justamente o contrário. Os que usam este versículo nunca ouviram a expressão muito usada aqui no interior de São Paulo: “Ainda que a mula tussa...”. Não sei se mulas tossem, mas quando alguém diz isso não está colocando a possibilidade de fazer algo se a mula tossir, mas está dizendo simplesmente que algo não vai acontecer de maneira alguma. Sem chance!
Uma passagem semelhante é usada pelos pentecostais para justificar a ideia de que Paulo seria capaz de falar a língua dos anjos, sem perceberem que nem mesmo os anjos falavam língua de anjos quando se comunicaram com seres humanos na Bíblia.
(1 Co 13:1) “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine”.
Outra passagem usada pelos católicos está em 2 Macabeus 15:12-15, mas como se trata de um livro apócrifo, que não faz parte sequer das Escrituras usadas pelos judeus, não há o que comentar. Macabeus são livros interessantes do ponto de vista histórico ou cultural, mas enquadram-se na mesma categoria das inserções apócrifas no livro de Daniel encontradas nas versões católicas da Bíblia. Veja se você consegue acreditar nesta passagem apócrifa de Daniel, a qual daria um bom tema para o próximo filme do Indiana Jones, algo do tipo, “Em busca do esqueleto do dragão”:
(Dn 14:23-27) “Havia um grande dragão adorado pelos babilônios. O rei disse a Daniel: — Não vás me dizer agora que este não seja um deus vivo! Pois, então, adore-o também! Daniel respondeu: — Só adoro ao Senhor meu Deus, porque é ele o Deus vivo! Se Tu, ó Rei, me deres licença, mato este dragão sem espada e sem porrete. — Pois dou a licença! Respondeu o rei. Daniel pegou piche, sebo e crinas, cozinhou tudo junto, fez com aquilo uns bolos que jogou na boca do dragão. Ele engoliu tudo aquilo e se arrebentou. Daniel disse, então: — Assim podeis ver o que estáveis cultuando!”.
Outra passagem usada para tentar comprovar a intercessão dos “santos” é a do Rico e Lázaro em Lucas 16:19-31. Ali o rico, sofrendo no hades, intercede junto a Abraão para que envie Lázaro para avisar seus irmãos que ainda estão vivos, antes que morram e sejam mandado para o sofrimento do hades. Existe um problema com essa tentativa de justificar a intercessão dos “santos”, e esse problema é que de santo o rico não tinha nada, e obviamente sua intercessão não é atendida, muito pelo contrário:
(Lc 16:31) “Porém, Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite”.
Outra passagem utilizada é Apocalipse 5:8: “E, havendo tomado o livro, os quatro animais e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo todos eles harpas e salvas de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos”.
Tudo indica que essas “orações dos santos” sejam os clamores dos próprios mártires que serão mortos na Grande Tribulação, como parece ser também o caso em Apocalipse 6:
(Ap 6:9-10) “E, havendo aberto o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus e por amor do testemunho que deram. E clamavam com grande voz, dizendo: Até quando, ó verdadeiro e santo Dominador, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?”.
Isso só mostra que mesmo nas esferas celestiais existe comunicação, e essa comunicação muitas vezes envolve os acontecimentos na terra, como também vemos nos primeiros capítulos do livro de Jó quando os anjos se apresentam diante de Deus. Mas são comunicações “internas”, por assim dizer, restritas à esfera celestial e não fazendo a ponte entre a terra e o céu. Neste caso de Apocalipse não se trata das orações dos santos que ainda estarão no mundo e estariam sendo intermediadas pelos santos que já terão morrido, mas simplesmente dos clamores dos que estarão na presença de Deus, isto é, suas próprias orações.
Resumindo, se a pergunta for: “Os que estão na presença de Deus podem se dirigir a Deus para pedir algo?”. Sim, evidentemente, e estes exemplos mostram isso. Mas se a pergunta for: “Posso orar aos que estão na presença de Deus para que intercedam por mim diante de Deus?”, aí a resposta é não, porque não existe qualquer indicação disso na Palavra de Deus.
Além do mais, quem precisa ir a um intermediário quando o próprio Senhor, o Filho Eterno de Deus, nos franqueou acesso total e irrestrito ao Pai por intermédio dele? Se o presidente do país disser a você que pode ligar para ele a qualquer hora do dia ou da noite, por que você iria ligar para um office-boy do Palácio do Planalto? Você só faria isso se não acreditasse na palavra do presidente...
(Mt 11:28) “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”.
(Jo 14:13) “E tudo quanto pedirdes em meu nome eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho”.
(Jo 15:16) “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda”.
(1Tm 2:5) “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem”.
Já a intercessão de santos vivos por outros santos vivos ou mesmo por incrédulos vivos é algo que devemos praticar sempre. A Bíblia está cheia de exemplos assim. Também vemos exemplos de cristãos pedindo que outros intercedam por eles diante do Pai:
(2Ts 3:1) “No demais, irmãos, rogai por nós, para que a palavra do Senhor tenha livre curso e seja glorificada, como também o é entre vós;”.
(Tg 5:16) “Confessai as vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sareis. A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos”.
(Atos 12:5) “Pedro, pois, era guardado na prisão; mas a igreja fazia contínua oração por ele a Deus”.
Devemos, portanto, interceder a Deus pelos vivos, mas jamais pelos mortos. Os que morreram na fé estão 100% salvos e não necessitam de orações. Os que morreram sem crer tiveram sua oportunidade de serem salvos e ao rejeitarem a Cristo selaram seu destino. Não há oração que os faça mudar de lugar, e nem eles iriam querer isso. Já reparou que o rico, no hades, pede para Abraão enviar Lázaro lá, mas em nenhum momento pede para sair dali? A presença de Deus seria um inferno para quem escolheu ficar eternamente longe dele.
Para reforçar o fato de jamais orarmos aos mortos para intercederem por nós junto a Deus, deixo este versículo:
(Is 8:19) “Quando, pois, vos disserem: Consultai os que têm espíritos familiares e os adivinhos, que chilreiam e murmuram: Porventura não consultará o povo a seu Deus? A favor dos vivos consultar-se-á aos mortos?”.