Qual o significado espiritual das coisas e circunstâncias?
Esta é praticamente uma continuação ao meu e-mail anterior, quando demonstrei minha alegria por você estar em comunhão à mesa do Senhor. Foi, por assim dizer, um “intervalo” nesse meu compartilhar com você das coisas que tenho aprendido da Palavra de Deus. O versículo de Atos 18 me vem à mente:
(Atos 18:24-26) “E chegou a Éfeso um certo judeu chamado Apolo, natural de Alexandria, homem eloquente e poderoso nas Escrituras. Este era instruído no caminho do Senhor e, fervoroso de espírito, falava e ensinava diligentemente as coisas do Senhor, conhecendo somente o batismo de João. Ele começou a falar ousadamente na sinagoga; e, quando o ouviram Priscila e Áquila, o levaram consigo e lhe declararam mais precisamente o caminho de Deus”.
Apolo era um cristão sincero, porém com um conhecimento ainda parcial das Escrituras, daí a necessidade desse trabalho do casal Priscila e Áquila que o levam consigo e passam a lhe declarar “mais precisamente [ou com mais exatidão] o caminho de Deus”.
Evidentemente todos nós teremos sempre um conhecimento parcial das Escrituras, até aquele dia quando estaremos na presença do Senhor. (1 Co 13:12) “Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido”.
Mas veja que Paulo exortou Timóteo a ensinar a outros o que aprendera do apóstolo, para que esses outros ensinassem a outros. É assim que funciona. (2Tm 2:1-2) “Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus. E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros”.
Antes que me pergunte, no caso de Priscila e Áquila, não foi o caso de Priscila ensinar, pois se o fizesse, ela estaria indo contra o que o Espírito, por intermédio de Paulo, admoesta em 1 Tm_2/12, que diz: “Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio”.
Mas repare que na passagem sobre Apolo o nome dela aparece até em primeiro lugar para mostrar a importância que o Espírito Santo dá à comunhão que uma esposa deve ter com seu marido na obra do Senhor. Em certo sentido, portanto, Priscila “ensinou em silêncio”, não com palavras, mas com o exemplo de uma esposa submissa, dedicada e atuante na obra de Deus.
(1 Pe 3:1-6) “Semelhantemente, vós, mulheres, sede sujeitas aos vossos próprios maridos; para que também, se alguns não obedecem à palavra, pelo porte de suas mulheres sejam ganhos SEM PALAVRA; Considerando a vossa vida casta, em temor”.
Não apenas Priscila teve essa honra, mas muitas mulheres nas Escrituras, desde as que acompanhavam o Senhor e supriam suas necessidades materiais, até as irmãs que davam suporte aos que ministravam e aos santos em geral já no período da igreja:
(1 Co 9:5) “Não temos nós direito de levar conosco uma esposa crente, como também os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas?”.
(Rm 16:6-12) “Saudai a Maria, que trabalhou muito por nós... Saudai a Trifena e a Trifosa, as quais trabalham no Senhor. Saudai à amada Pérside, a qual muito trabalhou no Senhor”.
Mas voltando ao assunto, receba o que vou dizer como mais uma partícula de ensino, assim como fui ensinado por outros, e assim como você também ensinará aqueles com quem terá contato.
Em seu e-mail você faz algumas analogias usando lugares, endereços e objetos para fazer referência a coisas como a trindade, a morte de Cristo e à cruz. Embora eu tenha entendido sua alegria em observar esses detalhes, é importante entender onde se encaixa o simbolismo e figuras da Bíblia, ou ficamos sujeitos a espiritualizar o mundo material e as circunstâncias, o que pode levar ao erro.
Até mesmo quando procuramos figuras, tipos e sombras nos textos das Escrituras é preciso cuidado ao tentarmos associar essas coisas com fatos e circunstâncias do mundo material e da história. É preciso encontrar nas próprias Escrituras fundamento para fazermos isso.
Veja que muitos dos erros associados à interpretação das profecias bíblicas ocorrem por causa de pessoas que tentam encontrar um paralelo para elas nas páginas dos jornais. Assim, volta e meia a besta de Apocalipse acaba sendo interpretada como o Papa ou algum presidente ou líder mundial de plantão. Do fim do mundo, então, todos os anos temos um ou mais anúncios.
Nos meus tempos de recém-convertido a bola da vez em alguns livros sobre profecia era o Mikhail Gorbachev, e alguns juravam conseguir enxergar na mancha de nascença que trazia na cabeça um “666” ou uma marca da besta. Hoje se sabe que esses interpretadores da profecia estavam errados. Até mesmo no livro “O Futuro do Grande Planeta Terra”, de Hal Lindsey, que Deus usou em minha conversão, hoje eu sei que havia erros graves. É do mesmo autor a série “Deixados para trás”, mais recente, que peca de forma grave por supor que haverá possibilidade de conversão após o arrebatamento para aqueles que ouviram o evangelho antes e não creram. De tanto olhar para os eventos atuais ele se esquece de conferir tudo com a Palavra de Deus.
Portanto, o cuidado que devemos ter com a tentativa de espiritualizar coisas e circunstâncias, como se representassem verdades bíblicas, é por virmos de uma cultura cristianizada que nem sempre nos foi passada da forma correta. Às vezes somos como Apolo, sinceros e ativos na obra de Deus, mas necessitando de mais exatidão no conhecimento das Escrituras.
O catolicismo romano nos incutiu uma série de superstições, algumas fáceis de detectar, outras mais sutis. Muitas delas vêm do paganismo, e quem conhece a história da igreja sabe que, quando o imperador Constantino decretou o cristianismo a religião oficial do Império Romano, ele trouxe para dentro da cristandade os costumes e ídolos pagãos a fim de tornar a nova religião mais aceita pelos habitantes do império.
Ele obrigou também a população a ser batizada compulsoriamente, o que introduziu multidões de incrédulos não apenas entre o povo professo, mas entre o próprio clero que ele incentivou e ao qual delegou poderes. A massa foi fermentada com todo tipo de má doutrina, e a pequena semente se transformou em grande árvore, com todo tipo de ave imunda se aninhando em seus ramos.
Foi aí que começaram a surgir os “santos” com suas imagens, algumas das quais nada mais são do que cópias de esculturas gregas e romanas dos deuses daqueles povos. Mas Constantino não foi o primeiro a emprestar de outros cultos elementos estranhos ao cristianismo. Antes dele muitos cristãos judeus já traziam as práticas e costumes do judaísmo que acabaram introduzindo no culto cristão. A epístola aos Hebreus já denunciava isso ainda no tempo de vida dos apóstolos.
Como cristãos nominais, portanto, herdamos pelo contato com a cultura ocidental coisas estranhas à doutrina dos apóstolos, como se tivessem sido instituídas por Deus. Santos, rituais, dias sagrados, templos, altares, clero, incenso, velas, anéis, cajados, vestes clericais, músicos, instrumentos, rezas e ladainhas, etc.
Com o protestantismo algumas dessas coisas foram extirpadas da cultura cristã, mas outras permaneceram, como é o caso do templo, altar, clero, corais e várias doutrinas estranhas à doutrina dos apóstolos. Apesar de o protestantismo eliminar algumas superstições e adotar outras, pode-se dizer que houve algum progresso desde o catolicismo. Mas aí veio o movimento pentecostal para ressuscitar muitas superstições católicas e inventar outras, principalmente com a prática de espiritualizar objetos e circunstâncias.
Não raro você encontra nas igrejas pentecostais objetos com poderes especiais que são distribuídos ou vendidos aos fiéis, ou réplicas de objetos do culto do Antigo Testamento como se tivessem algum poder especial, água do Rio Jordão, azeite do Monte das Oliveiras, lenços abençoados, etc.
Os pastores pentecostais, percebendo que os fiéis são mais facilmente dominados se tiverem coisas visíveis em que depositar sua fé, evitam as imagens milagrosas de santos, porém criam imagens milagrosas de objetos e práticas, como quando pedem para seus fiéis colocarem um copo de água sobre o aparelho para esta receber algum tipo de poder miraculoso. Ultimamente eles próprios têm deixado de sugerir isso pois seria preciso uma dose extra de milagre para fazer o copo parar em cima dessas TVs fininhas de plasma.
Portanto, devemos sempre vigiar para não cairmos no erro de tentar espiritualizar tudo o que vemos por aí ou as circunstâncias que nos cercam. A idolatria é sempre o passo seguinte a um desejo sincero de honrar o Senhor por algo de material ou circunstancial. E a tentativa de associar objetos e coisas materiais a verdades espirituais, por mais sincera que seja, pode também levar a erros como os de vários católicos que hoje veneram manchas de umidade em paredes, só porque acham a imagem formada parecida com Jesus ou Maria. Ou católicos e protestantes que deixam uma Bíblia aberta sobre um móvel na sala como se aquilo trouxesse bons fluídos para o lar.
Quando me converti eu me lembro de ter ganhado uma Bíblia de edição católica, a qual logo ficou toda cheia de passagens grifadas. Eu vinha de uma criação católica, me converti a Cristo e retornei às minhas raízes do catolicismo romano, no qual permaneci durante quase um ano até passar a congregar com os batistas, onde fiquei também menos de um ano. De ambas as correntes cristãs eu trouxe uma bagagem de erros que provavelmente carregue até hoje em maior ou menor medida.
Lembro-me de ter feito uma viagem de trem (sim, ainda se viajava de trem naquela época) e coincidiu de os bilhetes da ida e da volta terem o mesmo número, além de outras coincidências numéricas que não me lembro se eram de horários ou outras coisas. O fato é que eu fiquei emocionado achando que Deus estava querendo me dizer alguma coisa com aqueles números, e tentei colocá-los em ordem de diferentes maneiras para ver se representavam algum capítulo e versículo da Bíblia. Obviamente meu esforço foi em vão, pois não é com numerologia ou adivinhações que Deus nos fala. Até hoje muitos cristãos sinceros tentam interpretar sonhos estranhos e horripilantes que tiveram depois de jantarem uma suculenta feijoada. Nem lhes passa pela cabeça que aquilo foi consequência de uma má digestão.
Anos depois, um jovem que tinha se convertido, ao qual presenteei com uma Bíblia já usada, também mostrou o quanto de bagagem supersticiosa trazia das religiões. Era uma Bíblia para a qual eu tinha feito uma capa de couro, artesanalmente trabalhada em pirógrafo com desenhos de linhas onduladas e pequenas figuras geométricas meramente decorativas. Observando atentamente os desenhos e ávido por aprender mais, ele me perguntou o significado bíblico de cada um deles. Recentemente um leitor de meu blog “O que respondi” escreveu querendo saber o significado bíblico das figuras dos selos e do cartão postal que usei como pano de fundo para a decoração do blog. Expliquei que simplesmente achei a foto bonita e que tinha a ver com o blog, que era a publicação de minha correspondência, inicialmente por cartas, e depois por e-mail.
Portanto, sugiro que seja cuidadoso quando olhar para coisas, fatos e circunstâncias tentando espiritualizá-las, como se tivessem em si mesmas algum significado. O mais seguro é manter-se no que diz a Palavra de Deus, a qual não precisa de elementos materiais e exteriores para nos dizer algo. Sempre que algum pensamento do tipo passar por sua mente, faça a pergunta: “Será que isso é de Deus ou não passa das superstições que herdei de uma cultura católica, protestante ou pentecostal?”.
Até mesmo no Antigo Testamento existia esse risco, quando havia sim objetos materiais que Deus mesmo tinha ordenado para representarem verdades espirituais. Um caso interessante é o da serpente de metal que acabou se transformando em objeto de culto e precisou ser destruída.
(Nm 21:9) “E Moisés fez uma serpente de metal, e pô-la sobre uma haste; e sucedia que, picando alguma serpente a alguém, quando esse olhava para a serpente de metal, vivia”.
(2 Rs 18:4) “Ele [Ezequias] tirou os altos, quebrou as estátuas, deitou abaixo os bosques, e fez em pedaços a serpente de metal que Moisés fizera; porquanto até àquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso, e lhe chamaram Neustã”.
Às vezes, em documentários na TV, você encontra pessoas afirmando que quando estiveram em Jerusalém ou em algum lugar bíblico, sentiram algum tipo de energia diferente, como se fosse um poder mágico se apoderando delas. Sem perceberem que aquilo é simplesmente um efeito emocional, acabam dando àqueles lugares um poder espiritual que não existe. Muitos idolatraram de tal maneira os lugares bíblicos que muito sangue foi derramado nas várias Cruzadas que tentavam libertar a cidade das mãos dos infiéis. A história do cristianismo está repleta de tentativas de espiritualizar o mundo material que terminaram em tragédias.
Fica aí a sugestão de mais estas coisas das quais devemos nos precaver.