O livro de Jó ensina o sono da alma?

Sua dúvida está em uma passagem no livro de Jó a qual dá a impressão de ser uma prova de que os que morreram não estariam conscientes, mas dormindo. Ali diz: “Porém, morto o homem, é consumido; sim, rendendo o homem o espírito, então onde está ele? Como as águas se retiram do mar, e o rio se esgota, e fica seco, assim o homem se deita, e não se levanta; até que não haja mais céus, não acordará nem despertará de seu sono” (Jó 14:10-12).

O livro de Jó é formado, em sua maior parte, pelas opiniões de Jó e de seus amigos, e elas nem sempre expressam o pensamento de Deus. Há muitas coisas erradas no que eles dizem, principalmente os três amigos, e no final do livro todos eles serão repreendidos por Eliú (o quarto amigo) e especialmente por Deus. Entenda que a Bíblia toda é a Palavra de Deus, porém há nela também o relato que Deus inspirou os profetas a escreverem no qual às vezes é mostrado até o pensamento do ímpio, como por exemplo, o Salmo 14:1: “Disse o néscio no seu coração: Não há Deus”. Alguém mais distraído poderia deduzir que, se a frase está na Palavra de Deus, então Deus não existe.

Voltando ao Livro de Jó veja o que Eliú diz no final, depois de Jó e seus três amigos terem falado praticamente o tempo todo:

(Jó 35:16) “Logo Jó em vão abre a sua boca, e sem ciência multiplica palavras”.

Depois vem a repreensão de Deus pelas palavras dos três amigos de Jó:

(Jó 42:7) “Sucedeu que, acabando o Senhor de falar a Jó aquelas palavras, o Senhor disse a Elifaz, o temanita: A minha ira se acendeu contra ti, e contra os teus dois amigos, porque não falastes de mim o que era reto, como o meu servo Jó”.

É neste contexto e com os devidos filtros que você deve ler o livro de Jó Além disso, é preciso lembrar que Jó não era um hebreu, pois viveu antes de Abraão, apesar de ser temente a Deus. O volume de revelação que ele tinha de Deus era muito pequeno se comparado ao que outros depois dele receberam, ou ao que temos hoje.

Devemos ler o Antigo Testamento depois de compreendermos o Novo Testamento. Se no Novo não há qualquer ideia de que a alma fique adormecida após a morte (o rico e Lázaro estavam bem despertos), então qualquer insinuação de que isto possa existir no Velho Testamento deve ser analisada à luz da época e de quem falou aquilo.

Miles Coverdale, em sua introdução à primeira tradução da Bíblia para o inglês no século 16, escreveu: “Será de grande auxílio em seu entendimento das escrituras se você observar, não apenas o que é dito e escrito, mas de quem e para quem, com que palavras, em que época, onde, com que intenção, em quais circunstâncias, considerando o que vem antes e o que vem depois”.

O mesmo cuidado devemos ter até quando lemos os Evangelhos, que não fazem parte da doutrina dada à Igreja (como é o caso das epístolas), mas foram escritos para apresentarem o Messias a Israel. O pano de fundo dos evangelhos ocorre no tempo da Lei de Moisés, do Templo de Jerusalém, dos sacrifícios de animais, etc.

Só pelo fato de estarem nos Evangelhos, não podemos tomar dessas coisas como se valessem para a Igreja, que é uma nova ordem de coisas inaugurada no dia de Pentecostes em Atos 2. É por não compreenderem essas diferenças que muitas religiões cristãs adotam elementos do judaísmo, como templos, vestes sacerdotais, clero, cantores, instrumentos musicais, dízimo, etc.

Esta exortação do Senhor vem a calhar para aprendermos a discernir a Palavra:

(Mt 13:52) “E ele disse-lhes: Por isso, todo o escriba instruído acerca do reino dos céus é semelhante a um pai de família, que tira do seu tesouro coisas novas e velhas”.

O que Paulo diz a Timóteo, quando comparado com o significado da palavra nos originais, faz muito sentido. Onde se lê o verbo “manejar” (que em algumas traduções traz “dividir” ou “repartir”), leia-se “dissecar”, como se faz com um corpo, pois é este o sentido da palavra no grego:

(2Tm 2:15) “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que [maneja] disseca bem a palavra da verdade”.