Devemos escolher o “caminho do meio”?
Sua dúvida surgiu depois de ler um trecho de Eclesiastes onde parece indicar que não devemos ser muito justos e nem muito sábios, como se devêssemos nos contentar com uma “meia-sola” em nosso andar cristão. Certamente a ideia tem tudo a ver com a sabedoria humana, que diz “nem tanto ao céu, nem tanto a terra”, ou com a doutrina budista do “caminho do meio” que nos ensina a evitarmos os extremos. Vejamos o que diz a passagem:
(Ec 7:15-17) “Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há ímpio que prolonga os seus dias na sua maldade. Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo? Não sejas demasiadamente ímpio, nem sejas louco; por que morrerias fora de teu tempo?”.
É preciso entender que o livro de Eclesiastes é o ponto de vista do pregador (Salomão), das coisas que ele viu debaixo do sol (experiência humana) e não necessariamente a vontade de Deus. O próprio Salomão irá concluir que tudo o que há debaixo do sol (inclusive a sabedoria humana) é vaidade. Então, dentro do que ele viu nos dias de sua vaidade, o melhor mesmo seria você ser morno, isto é, nem quente nem frio. Mas sabemos o que o Senhor acha da mornidão em Apocalipse, aí sim a revelação de Deus:
(Ap 3:16) “Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca”.
O próprio Salomão, ao escrever Provérbios, revela que o desejo dos céus, e não da terra, é que busquemos a sabedoria, e o Senhor confirma isso algumas vezes nos evangelhos.
(Pv 18:15) “O coração do entendido adquire o conhecimento, e o ouvido dos sábios busca a sabedoria”.
(Mt 5:20) “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus”.
(Mt 6:33) “Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”.
Portanto o que você encontra no trecho em Eclesiastes é uma conclusão humana, não divina, de como o homem deve viver para evitar problemas neste mundo, não no vindouro. Este é um exemplo da filosofia humana, adotada por tantas religiões (como o “caminho do meio”), mas que não é o pensamento de Deus.
Não é por algo estar na Bíblia que é totalmente correto. Obviamente toda ela é a Palavra de Deus, mas devemos discernir quando Deus está apenas mostrando o que pensam os homens. Devemos julgar tudo à luz da Palavra de Deus na sua íntegra. Por exemplo, os três amigos de Jó dizem uma porção de coisas que fazem sentido, algumas delas até corretas do ponto de vista humano, mas no final Deus revela que eles estavam errados.
Outro exemplo disso é o livro de Atos dos Apóstolos. Ali você encontra os apóstolos e outros cristãos agindo (por isso se chama “Atos dos apóstolos”) de maneira nem sempre correta. Por exemplo, Paulo vai na conversa de irmãos judaizantes que o aconselham a adotar práticas judaicas para evitar que outros dissessem que ele estivesse pregando o afastamento da lei de Moisés.
(Atos 21:20-26) “...e disseram-lhe: Bem vês, irmão, quantos milhares de judeus há que creem, e todos são zeladores da lei. E já acerca de ti foram informados de que ensinas todos os judeus que estão entre os gentios a apartarem-se de Moisés, dizendo que não devem circuncidar seus filhos, nem andar segundo o costume da lei. Que faremos pois? Em todo o caso é necessário que a multidão se ajunte; porque terão ouvido que já és vindo. Faze, pois, isto que te dizemos: Temos quatro homens que fizeram voto. Toma estes contigo, e santifica-te com eles, e faze por eles os gastos para que rapem a cabeça, e todos ficarão sabendo que nada há daquilo de que foram informados acerca de ti, mas que também tu mesmo andas guardando a lei... Então Paulo, tomando consigo aqueles homens, entrou no dia seguinte no templo, já santificado com eles, anunciando serem já cumpridos os dias da purificação; e ficou ali até se oferecer por cada um deles a oferta”.
Pelo relato na continuação do texto dá para perceber que o conselho daqueles irmãos saiu pela culatra e acabou colocando Paulo em dificuldades ainda maiores. Mais tarde, em Gálatas 5, o próprio Paulo viria a repreender a Pedro por querer ser uma coisa com os judeus e outra coisa com os gentios. Isto, porém, não está em contraste com 1 Coríntios 9:20, quando Paulo diz que se fez como judeu para ganhar os judeus, ou como gentio para ganhar os gentios.
Neste caso ele não está se referindo a voltar à guarda da Lei, por um lado, ou mergulhar no paganismo, por outro. Acredito que esteja falando mais no sentido da forma como agiu em Atos 17:23, quando tomou como ponto de partida o fato dos gregos venerarem um “Deus desconhecido”, dentre seus muitos ídolos. Ou seja, Paulo faz uso de algo que podia ser um interesse comum entre ele e os pagãos para começar daí sua apresentação do evangelho, assim como o Senhor usou algo de interesse comum — no caso “água” — para falar à mulher samaritana à beira do poço.