O que aconteceu após sua conversão?
Em 1976 eu estava profundamente envolvido com Macrobiótica, filosofias orientais e toda sorte de espiritualismo. Era frequentador assíduo da Associação Macrobiótica de Santos e do restaurante da Dona Rosa, no centro da cidade, além de ser presença constante em todos os cursos esotéricos, filosóficos e coisas afins. Cheguei a fazer um curso na Nova Acrópole em Santos. E começava a desenvolver o gosto pela ideia de uma vida alternativa.
Em meados de 78 aconteceu a minha conversão, da qual você pode ler em www.stories.org.br/angels.html. O que não conto ali é que depois de haver ajoelhado ao lado de minha cama e entregue minha vida a Cristo, chorei bastante e levantei um novo homem. Sabia que ele tinha morrido por mim e que daquele momento em diante era ele o piloto de minha vida. Acho que era uma ou duas da manhã.
O primeiro pensamento que me ocorreu foram meus livros. Eu tinha uma biblioteca espiritualista que era meu tesouro. Mais de duzentos livros de espiritismo, ocultismo, teosofia, alimentação natural, etc. Eram elos da corrente que me acorrentavam à incerteza e à confiança própria. Sem ninguém me dizer (além do Espírito Santo que acabava de vir habitar em mim), eu recebi a plena convicção de que tudo aquilo era contrário ao que Deus ensinava na sua Palavra.
Tudo aquilo girava em torno de confiança no homem. Alguns livros (como os da Seicho-no-iê) diziam que o pecado não existe. Outros que a salvação se dá pelo aperfeiçoamento. Era uma verdadeira salada de ideias, mas todas elas deixando Deus de fora e, principalmente, negando categoricamente a eficácia da morte de Cristo para nos salvar. No máximo consideravam ele um grande profeta ou um ser iluminado. Mas nunca o que ele é de verdade: Deus e Homem.
Então abri minha estante e comecei o doloroso (para os dedos) trabalho de rasgar livros. Mas a cada um que rasgava, minha alma se enchia de júbilo. Aquilo tinha sido a droga que me iludiu por anos, e por mais que alguns considerem um desperdício, fanatismo ou coisa do tipo, é bom lembrar que naquele momento eu não estava sob influência de nenhuma religião (no sentido de doutrina ou credo), entendia muito pouco ou quase nada da Bíblia e não tinha sido ensinado ou pressionado a fazer aquilo por alguma convicção imposta. Era uma certeza íntima, uma convicção que não dependia de influências externas.
Logo estava com bolhas em ambas as mãos e passei a usar uma tesoura. O dia amanheceu e o sol me encontrou ocupado com a limpeza do exterior. O interior Cristo já tinha limpado. Sem saber, pois só fui ler o trecho muito tempo depois, eu estava fazendo algo que tem precedente em Atos 19:19 "Muitos também dos que tinham praticado artes mágicas ajuntaram os seus [livros] e os queimaram na presença de todos; e, calculando o valor deles, acharam que montava a cinquenta mil moedas de prata."
Como morava em um apartamento no Guarujá, não podia queimá-los. Enchi cinco sacos grandes de lixo. Para o zelador não pensar que eu tinha ficado louco, colocava um pouco de cada vez no lixo do prédio. Talvez você estranhe meu proceder, mas o que acha que um passarinho faria com sua gaiola se fosse forte o suficiente para livrar-se dela depois de escapar?
Voltei para o catolicismo (o Fernando, que na faculdade me falou do evangelho, não tinha falado de religião, só de Cristo), pois pensava ser ali o lugar onde se praticava cristianismo (nunca tinha frequentado cultos evangélicos). Durante um ano fui católico ajudando o padre na missa e organizando um grupo de jovens para estudar a Bíblia.
Embora tenha passado por uma conversão bastante dramática e tenha mudado totalmente de pensamento nas questões espirituais, no que dizia respeito aos meus costumes quanto a alimentação natural, vida no campo, agricultura orgânica e coisas do tipo, eu continuava pensando o mesmo.
Por isso, naquele mesmo ano de 1978 trabalhei o ano todo em minha tese que era de um assentamento rural alternativo para populações pobres (na época não se falava em sem-terra, só em posseiros) que utilizava energia eólica, solar, metano, etc., tudo desconhecido pela maioria dos brasileiros. O interesse na apresentação da mesma foi enorme na Faculdade, pois fugia de tudo o que se pensava de Arquitetura.
E continuando em meus ideais, em Janeiro de 79, recém-formado e casado, embarquei numa Kombi cheia de equipamento até o teto, rumamos para Goiás, para Alto Paraíso, para morar numa fazenda-comunidade que se propunha a cuidar de crianças órfãs. Naquela época se levava mais de 6 horas para transpor os duzentos e poucos quilômetros de barro que separavam Alto Paraíso do asfalto mais próximo, na estrada Brasília-Formosa.
Alto Paraíso foi o término de um processo de envolvimento com novas tecnologias e novos conceitos de vida. Como contei na história de minha conversão, passei cerca de três anos envolvido com filosofias orientais e alimentação e vida natural. Aí veio a conversão, que mudou minha cabeça quanto à parte espiritual da coisa. Porém continuei com o mesmo modo de vida e a mesma vontade de mudar o mundo (não conhecia nada da Bíblia). Minha ida a Alto Paraíso fazia parte desse ideal, não de encontrar algo espiritual, já que tinha encontrado vida em Cristo, mas de "fazer algo pelos pobres". Lá pude conhecer melhor a natureza humana e a noção de valor. Muito do que se acredita ser pobreza é realmente opção (de preferir a mesa de sinuca ao trabalho, por exemplo). Mas a base de tudo está na educação.
Moramos naquela fazenda até entendermos melhor quais tinham sido os reais objetivos das pessoas que fundaram o lugar. A ideia daquela comunidade tinha começado na década de 50 ou 60, penso eu, por meio de um grupo de espíritas que seguiu para lá à custa de uma participante do grupo que financiou o início do projeto. Alguns do grupo viajavam pelo Brasil com um livro de ouro, indo a indústrias obter doações para os pobres e as crianças órfãs e abandonadas que estariam vivendo por lá.
Minha decisão de deixar o lugar foi quando ouvi, de um dos membros do grupo que na época estava com mais de setenta anos e hoje já é falecido, que a ideia inicial não era de uma entidade assistencial, mas de criar uma comunidade que esperasse pelo terceiro milênio naquela região que, segundo uma revelação que tiveram de supostos espíritos, seria o reduto salvador da humanidade, um novo começo e coisas do tipo. A tal da Nova Era. Como faltava um bom tempo para o terceiro milênio (isso foi na década de 50 ou 60), a ideia de uma instituição de amparo à criança veio a calhar, pois seria possível receber doações e também ter algo reconhecido como de utilidade pública.
No dia em que soube dessa história contada por um dos fundadores, fiz as malas (estávamos morando lá há apenas duas semanas). Imediatamente percebi que não há — ou pelo menos não havia, na época — crianças abandonadas na Chapada dos Veadeiros. No interior, um órfão é imediatamente adotado por familiares ou amigos, ainda que seja para aquele tipo de servidão aceito nessa sociedade rural. Mas não existe o mesmo conceito de menor abandonado que vemos nas cidades, com crianças dormindo nas ruas ou debaixo de pontes. Na zona rural, quem dorme debaixo de ponte é cobra jararaca e cascavel, não crianças.
Então nos mudamos para Alto Paraíso "downtown" para lecionar no ginásio ali. Compramos um sítio, construímos nossa casa no braço, criamos cabras, galinhas e alfaces, cozinhamos a lenha, andamos de carroça, enfim, fizemos tudo o que mandava o "figurino" do bom alternativo.
Nessa época eu já tinha me afastado do catolicismo por encontrar muitas diferenças entre o ensino da Bíblia e a doutrina católica. Se você for sincero em sua busca e examinar as Escrituras, não poderá, de sã consciência, permanecer em um sistema que nega tanto a Palavra de Deus. Começamos a nos reunir com mais duas famílias em uma pequena congregação batista onde nem havia pastor.
Depois de um tempo entendemos que Deus não criou nenhuma denominação ou religião cristã, e deixamos a igreja batista para nos reunirmos somente ao nome do Senhor Jesus, juntamente com irmãos que, no mundo todo, fazem o mesmo. A maioria se reúne em pequenos grupos, sem a figura do "pastor" como vemos na cristandade, mas seguindo o que você encontra em 1 Coríntios 14:26-40.
Enquanto morávamos no sítio a 6 km do povoado de Alto Paraíso, tivemos nossa primeira filha, Lia. Lecionava na escola secundária de lá e aproveitava para evangelizar meus alunos. Alguns, vim a saber mais tarde, se converteram. Então construímos uma casa em Alto Paraíso "downtown" e isso coincidiu com uma espécie de movimento chamado "Rumo ao Sol”, de pessoas de todo o Brasil que elegeram Alto Paraíso, e a fazenda-comunidade da qual tínhamos saído, como um lugar estratégico para iniciar uma nova civilização, esperar a Nova Era e coisas do tipo. Eu tinha a impressão de já ter assistido aquele filme antes.
Assim que nos mudamos para nossa casinha "downtown", levas de jovens envolvidos exatamente com tudo aquilo em que eu estivera envolvido antes, começaram a chegar à cidade. Alguns até me conheciam do tempo de macrobiótica e de quando eu desenhava as ilustrações de uma revista ecológica underground chamada "Arte e Pensamento Ecológico”, antes de me converter, e minha casa acabou se tornando um ponto de encontro, onde muitos, de todo o Brasil, encontraram pousada, uma cama e refeição, antes de seguirem para a fazenda-comunidade, onde pretendiam viver numa nova comunidade que pretendiam criar (independente daquela em que tínhamos ido morar).
Na casa da cidade todos os dias tínhamos hóspedes barbudos e cabeludos, adeptos da vida alternativa e de doutrinas espiritualistas escutando o evangelho. Alguns amigos dos antigos meios ecológicos por onde meu nome circulava antes de minha conversão sabiam que eu estava em Alto Paraiso, mas não que havia me tornado "crente" e, assim, me indicavam como sendo um contato para os que lá se dirigiam para formar uma comunidade agrícola e esperar pela Nova Era, que para mim já estava ficando velha.
Muitos dos que não sabiam que eu tinha me convertido, tinham uma surpresa quando iam me visitar. De qualquer modo, procurei ser um auxílio a todos os que me procuravam, colocando minha casa à disposição deles. Viramos uma espécie de "albergue" dos recém-chegados e não era rara a noite em que tínhamos meia dúzia de “cabeludos” espalhados em colchões pelo chão da casa e a porta era deixada constantemente destrancada, pois ônibus que vinha de Brasília chegava à 1 da madrugada e sempre tinha algum mochileiro desconhecido dormindo na sala quando eu acordava de manhã.
Na hora do café, antes de servir eu explicava que era nosso costume fazer uma leitura da Bíblia, um capítulo do Antigo e um do Novo Testamento, além de cantarmos dois hinos. Só depois era servido o café. Obviamente muitos torciam o nariz, mas ninguém reclamava em vista da pousada gratuita que haviam recebido. Não tive problemas significativos com toda essa gente desconhecida frequentando minha casa. O pessoal me respeitava e alguns moraram vários dias lá, por conta de uma grave infecção com carrapatos que pegaram na fazenda.
Foram dezenas de jovens que passaram por lá no ano e meio que moramos "downtown". Antes tínhamos morado menos de um mês na fazenda-comunidade que mencionei, uns dois meses numa casa alugada na cidade e mais de um ano no sítio. No final de 1981 fomos embora de Alto Paraíso definitivamente. Aquele movimento todo de jovens tinha esfriado e foi todo mundo embora e apenas uma meia dúzia deles ficou por lá. Como alguns não tinham para onde ir, emprestei a eles meu sítio e uma Variant velha que tinha e ficaram algum tempo morando lá e vendendo pão integral na cidade. Nesse meio tempo o governador do estado na época, Ary Valadão, tinha eleito Alto Paraíso para ser capital alternativa (ainda não existia o estado do Tocantins), e estavam reformando a cidade inteira. O progresso tinha chegado.
De repente deu um estalo do tipo "o que vou ficar fazendo aqui?". Aí decidimos voltar e recomeçar em Limeira, com um escritório de arquitetura que durou uns dois anos e depois em São Paulo, no Banco Itaú e Cia do Metrô. Em 98 larguei tudo outra vez para me dedicar ‘full time’ a uma editora sem fins lucrativos, publicando folhetos evangelísticos e livros cristãos. Depois voltei a trabalhar com fins lucrativos, fui diretor de comunicação e marketing de uma empresa, abri minha própria empresa, escrevi livros e chegamos aos dias de hoje, com uma bagagem de muitos quilos de experiência e peso.
O único contato que mantive com pessoas daquele grupo de jovens que frequentavam minha casa em Alto Paraíso foi com os que se converteram. Um deles, Cesário, registrou em uma página pessoal na Internet:
"Deixei a UFSC, passei por São Joaquim, na casa do Viva (o "Lauvirzinho")... Voltei conheci a antroposofia e o Jardim de Infância “Anabá”... Fui até Alto Paraíso, andei pela Chapada dos Veadeiros, pelos campos imensos do planalto... E em Alto Paraíso conheci o Mario Persona. Foi ele que me falou pela primeira vez que eu tinha uma casa não neste mundo. Mas eu não aceitava... Enquanto isso vivia vendendo poemas e ramalhetes de flores na rua, fazendo instalações elétricas, torrando meu café sombreado... Tardei um ano, até que decidi me tornar um Cidadão dos Céu. E aceitei ao Senhor Jesus como meu Salvador! Este foi um rápido retrospecto. Hoje vivo com ele em meu coração. Mas hoje é história para a próxima página...”
Um dia ainda vou escrever um livro contando minhas aventuras nessa busca louca por um significado de vida, o que só encontrei em Cristo Jesus, meu Salvador.