CAPÍTULO 9

Enquanto o Senhor atua segundo o caráter e o poder de Jeová, como lemos no Salmo 103: «E Ele que perdoa todas as tuas iniquidades, e sara todas as tuas enfermidades », é a graça atual para com Israel, e em que Ele veio, que é apresentada. Este capítulo apresenta o caráter do Seu ministério, assim como o antecedente mostra a dignidade da Sua Pessoa e o significado do que Ele era. O Senhor apresenta-Se a Israel como seu verdadeiro Redentor e Libertador; e, para demonstrar o Seu direito (ao qual a incredulidade se opunha) de ser assim em bênção para Israel e perdoar todas as suas iniquidades que levantavam uma barreira entre ele e seu Deus, Jesus cumpre a segunda parte do versículo e cura os enfermos (Salmo 103:3). Belo e precioso testemunho de bondade para com Israel, e, ao mesmo tempo, demonstração da Sua glória no meio do Seu povo! No mesmo espírito com que havia perdoado e curado, chama o publicano e entra em sua casa, porque Ele não tinha vindo chamar os justos, mas sim os pecadores.

Resta-nos agora examinar uma outra porção do ensinamento deste Evangelho: O progresso da oposição dos incrédulos, principalmente dos doutores e dos religiosos, e também da rejeição da obra e Pessoa do Senhor.

A ideia, o quadro do que teve lugar foi-nos já apresentado no caso do endemoninhado gadareno — o poder de Deus apresentado para completa libertação do Seu povo, do mundo, se o recebessem — poder que os demónios confessavam ser o mesmo que em breve os jugará e lançará fora, que se manifestava em bênção para todos os Gadarenos, mas que eles rejeitam, porque não queriam um tal poder entre eles. Não quiseram a presença de Deus.

Após isto começa o relato dos pormenores e do caráter dessa rejeição.

Note-se que o capítulo 8:1-27 nos mostra a manifestação do poder do Senhor, poder que é verdadeiramente o de Jeová sobre a Terra. Desde o verso 28 até ao fim deste capítulo a aceitação desse poder pelo mundo E a influência que ali reinava são-nos apresentadas, quer em poder quer moralmente, nos corações dos homens.

Chegamos, pois, ao desenvolvimento histórico da rejeição desta intervenção de Deus na Terra. A multidão glorificava a Deus que havia dado tal poder ao homem. Jesus aceita esta posição. Ele era homem; a multidão via-O como homem e reconhecia o poder de Deus, mas não sabia combinar as duas ideias na Pessoa de Jesus.

A graça, que rejeita as pretensões do homem à Justiça, é agora posta cm evidência.

Mateus, é chamado, porque Deus atenta para o coração, e a graça chama os vasos de eleição. O Senhor revela o pensamento de Deus a lei respeito, e a Sua própria missão. Veio para chamar os pecadores; teria, portanto, misericórdia. Era Deus agindo em graça, e não o homem com a sua suposta justiça, contando com os seus méritos (verso 13). 0 Senhor assinala (versos 14 e seguintes) duas razões que tornam impossível reconciliar a Sua carreira com as exigências dos Fariseus. Como poderiam os Seus discípulos jejuar, quando o Noivo estava presente? Logo que o Messias tivesse partido, eles teriam ocasião de o fazer.

Aliás, é impossível introduzir os novos princípios e a nova ordem da Sua missão nas antigas fórmulas farisaicas. Vemos assim a graça para com os pecadores, mas (sendo a graça rejeitada) vem agora uma prova mais elevada de que o Messias, Jeová, está ali, em graça.

Sendo solicitado para erguer uma menina do seu leito de morte, Jesus aceita a petição. Quando Se desloca, uma pobre mulher, que tinha já empregado todos os meios de cura ao seu alcance sem qualquer resultado positivo, é instantaneamente curada, tocando com fé a orla do Seu vestido.

Esta história oferece-nos dois importantes aspectos da graça que era manifestada em Jesus. Cristo veio para despertar Israel sucumbido.

Ele fará isso mais tarde, no pleno sentido da palavra. No entanto, todo aquele que se Lhe apegava pela fé, no meio das multidões que O acompanhavam, era curado, por mais desesperado que fosse o seu estado. E este fato, que teve lugar em Israel quando Jesus ali Se encontrava, é verdadeiro também a nosso respeito, pelo menos em princípio. A graça em Jesus é poder que cura e que ressuscita os mortos. Deste modo Ele abriu os olhos daqueles que, em Israel, O aceitaram como sendo o Filho de Davi, e creram no Seu poder para lhes valer nas suas necessidades. Ele expulsava também os demónios e restituía a fala aos mudos (versos 27 e seguintes). Ora Jesus tendo operado esses atos de poder em Israel de forma que o povo se maravilhava, os Fariseus, a seita mais religiosa da nação, atribuem esse poder ao príncipe dos demónios. Eis c efeito da presença do Senhor sobre os chefes do povo, invejosos da Sua glória assim manifestada no meio daqueles sobre os quais eles exerciam a sua influência.

Mas isto de modo nenhum impede Jesus de prosseguir a carreira da Sua beneficência. Ele pode ainda dar testemunho entre o povo. Não obstante a oposição dos Fariseus, a Sua paciente bondade ainda tem oportunidade de se manifestar. Continua a pregar e a curar. Tem compaixão do povo, que era como ovelhas sem pastor e moralmente entregues a si próprias. Vê ainda que a seara é grande, mas que os ceifeiros são poucos. Quer dizer, vê ainda todas as portas abertas para falar ao povo — e passa por cima da maldade dos Fariseus. Enquanto Deus Lhe dá acesso junto do povo, o Senhor continua o Seu trabalho de amor.

Vejamos o resumo do que encontramos neste capítulo, isto é, a graça manifestada em Israel. Em primeiro lugar a graça sarando e perdoando, de harmonia com o Salmo 103. Em seguida a graça vinda para chamar os pecadores, e não os justos; o esposo estava ali, e a graça, em poder, não podia ser posta nos odres Judaicos e Farisaicos.

Era algo de novo, até mesmo acerca de João Batista. O Senhor vem realmente para dar vida aos mortos, não para curar, mas todo aquele que toca em Si pela fé — porque havia quem o fizesse — -era curado desse modo, Como Filho de Davi, Ele abre os olhos aos cegos, para que vejam; e abre a boca aos mudos, possessos dos demónios, para que falem.

Mas tudo isto é rejeitado com blasfémia pelos orgulhosos Fariseus, que a si próprios se consideravam justos. Mas a graça vê a multidão ainda como ovelhas sem pastor-, e enquanto o porteiro mantém a porta aberta, Ele não cessa de buscar e de socorrer as ovelhas.