CAPÍTULO 2

Nascido deste modo e assim caracterizado pelo anjo, e cumprindo as profecias que anunciavam a presença de Emanuel, Jesus é formalmente reconhecido como Rei dos Judeus pelos Gentios, guiados pela vontade de Deus, que dirige o coração dos seus sábios (2).

(2) O A estrela, não conduziu os magos desde o seu pais até à Judeia.

Deus quis apresentar este testemunho a Herodes e aos chefes do povo.

Tendo sido dirigidos pela Palavra de Deus (da qual os principais do povo e os próprios escribas reconheciam o alcance, e segundo a qual Herodes os reenviava a Belém), os magos reencontram a estrela que tinham visto do seu país o que os conduziu à casa onde estava o Menino. Esta visita teve lugar algum tempo depois do nascimento de Jesus. É, pois, natural que eles tenham visto a estrela quando o Menino nasceu. Herodes também se dirige nos seus cálculos de acordo com o momento da aparição da estrela, acerca da qual tinha cuidadosamente indagado junto dos magos. A viagem deles deveria ter-lhes tomado muito tempo. O nascimento de Jesus é-nos relatado no capítulo 1.

O primeiro verso do capitulo 2 deve ser traduzido assim: «Ora, tendo Jesus nascido...», porque se trata do um tempo já passado.

Farei notar igualmente aqui que as profecias do Antigo Testamento são citadas de três maneiras que não devem ser confundidas. A Palavra de Deus diz: «Para que se cumprisse»; «de modo que se cumpriu»; «então se cumpriu».

No primeiro caso trata-se do próprio fim da profecia. Veja-se Mateus 1:22-23, que é um exemplo disso no segundo caso trata-se de um cumprimento que está na intenção da profecia, sem que, no entanto, seja o único e completo pensamento do Espírito Santo. Mateus 2:23 pode servir de exemplo. Em terceiro lugar não se traía sen5o de um fato respondendo ao pensamento da passagem que, no seu espírito, se lhe aplica, sem dele ser o objeto positivo. (Veja Capítulo 2:17)

Quer dizer que vemos o Senhor, Emanuel, o Filho de Davi, Jeová, o Salvador, o Filho de Deus, nascido Rei dos Judeus, ser reconhecido pelos chefes das Gentios. É este o testemunho de Deus no Evangelho segundo S. Mateus, e o caráter sob o qual Jesus é ali apresentado. Em seguida, na presença de Jesus, assim revelado, vemos os chefes dos Judeus em relação com um rei estrangeiro que, no entanto, conhece, como sistema, as revelações de Deus na Sua Palavra, — mas totalmente indiferente para com Aquele que era o objeto dessas revelações; vemos esse rei, inimigo terrível do Senhor — do Senhor, verdadeiro Rei e verdadeiro Messias! —procurando levá-Lo à morte.

A providência de Deus vela pelo Menino, que nasceu em Israel, empregando meios que deixam o povo inteiramente responsável, e cumprindo ao mesmo tempo todos os pensamentos de Deus a respeito desse único e verdadeiro Remanescente de Israel, única e verdadeira fonte de esperança para o povo. Porque, sem Ele, todos sucumbiriam e sofreriam as consequências de estarem ligados ao povo.

Descido ao Egito para evitar o cruel desígnio de Herodes, que queria arrancar-Lhe a vida, Jesus torna-Se a Videira verdadeira; recomeça, moralmente falando, na Sua Pessoa, a história de Israel, será como (em sentido mais amplo) a história do homem, como último Adão em relação com Deus. E isto para que a Sua morte tivesse lugar — sem dúvida para bênção de tudo e de todos. Ora, Ele era o Filho de Deus e o Messias; portanto, Filho de Davi. Mas para tomar o Seu lugar como Filho do homem, Ele devia morrer (Veja-se João 12). Não se trata apenas da profecia de Oséias: «Do Egito chamei o meu Filho» (Oséias 11:1), aplicada deste modo a este verdadeiro princípio de Israel em graça, como o bem-amado segundo os Seus desígnios, pois o povo havia falhado inteiramente, de sorte que, sem esta graça, Deus os teria cortado. Vimos em Isaías, Israel, o servo, dar lugar a Cristo, o Servo, juntando um Remanescente fiel (os filhos que Deus Lhe deu enquanto esconde o Seu rosto da Casa de Jacó. Ver Isaías 8:17-18), para se tornar o núcleo do novo povo de Israel, segundo o pensamento de Deus. O capítulo 49 deste profeta apresenta esta transição de Israel para Cristo de um modo muito notável.

Aliás, é esta a base de toda a história de Israel, considerado como tendo falhado sob a lei, e sendo restabelecido em graça. Cristo é, moralmente, o novo tronco da nova Israel. (Comparar Isaías 49, versos 3 e 5) (1).

(1) No verso 5Cristo toma esse título de Servo. Em João 15 encontramos a mesma substituição de Cristo cm Israel. Israel tinha sido a videira transportada do Egito. A Videira verdadeira é Cristo.

Depois da morte de Herodes, Deus dá conhecimento do fato a José, num sonho, ordenando-lhe que volte com o Menino e Sua mãe para a terra de Israel. Devemos notar que a terra mencionada aqui pelo nome recorda os privilégios concedidos por Deus. Não se fala da Judeia nem da Galileia, mas sim da «terra de Israel». Pode, porém, o Filho de Davi, entrando nela, chegar ao trono de Seus pais? Não! Ele tem de tomar o lugar de um estranho entre os desprezados do Seu povo. Guiado por Deus num sonho, José leva-O para a Galileia, cujos habitantes constituíam motivo de profundo desprezo dos Judeus, por não estarem habitualmente em ligação com Jerusalém e a Judeia — a terra de Davi, dos reis reconhecidos por Deus, e do templo, e onde até o dialeto da língua comum a todos traía a sua separação daqueles que, pelo favor de Deus, tinham voltado de Babilónia para a Judeia. Até mesmo na Galileia, José se estabelece numa cidade cujo nome era um opróbrio para quem ali habitava, e uma nódoa na sua reputação.

Tal era a posição do Filho de Deus, quando veio ao mundo, e tais as relações do Filho de Davi com o Seu povo, quando, pela graça e segundo os desígnios de Deus, Se encontrou no meio dele. Por um lado, era Emanuel, Jeová, seu Salvador; mas por outro, o Filho de Davi, tomando o Seu lugar no meio do Seu povo e associando-Se com os mais pobres e mais desprezados do rebanho, refugiando-Se na Galileia por causa da iniquidade de um falso rei que reinava na Judeia com o apoio dos Gentios da quarta monarquia e com o qual os sacerdotes e os principais do povo estavam ligados. Estes, infiéis a Deus c descontentes com os homens, detestavam orgulhosamente ura jugo ao qual os seus pecados os haviam sujeitado e que eles não ousavam sacudir, embora não reconhecessem suficientemente os seus delitos para de boa mente se submeterem a esse jugo como a um justo castigo de Deus.

Eis como o evangelista, ou antes, o Espírito Santo nos apresenta o Messias em relação com Israel.