CAPÍTULO 12

Por fim, a rejeição da nação, como consequência do seu desprezo pelo Senhor, é claramente manifestada, do mesmo modo que o fim de todas as Suas relações com o povo como nação, para dar lugar ao estabelecimento, da parte de Deus, de um sistema inteiramente diferente, quer dizer, o reino sob uma forma muito especial.

Assim, o capítulo 11 é o grande eixo de toda a história. Cristo é uma testemunha divina de Si mesmo, e João Batista devia reconhecê-Lo assim, como outro o tivesse feito.

Já não era Aquele de Quem era dado testemunho como Messias, mas o Filho de Deus, que dá testemunho de João. Mas a nação tinha rejeitado a Deus, manifestado tanto em avisos como cm graça; apenas havia um Remanescente. A sabedoria era justificada pelos seus filhos.

Então, por muito abominável que fosse a Sua rejeição, vêmo-Lo submeter-Se a ela, como sendo a vontade do Pai; mas isso leva-O à consciência da Sua glória pessoal, verdadeiro motivo dessa rejeição.

Todas as coisas Lhe foram entregues por Seu Pai.

Ninguém podia conhecê-Lo, nem conhecer o 'Pai, a não ser que Ele O revelasse. O mundo inteiro, posto à prova pela perfeição do Senhor, foi achado jazendo na maldade (embora ali houvesse um Remanescente poupado); o homem estava universalmente afastado de Deus. Deus olhou desde os céus para ver, como lemos, mas os filhos dos homens tinham-se rodos afastado do caminho; não havia justo, nem sequer um. Assim Jesus, quando andava sobre o mar, estava só num mundo condenado, condenado por causa da Sua rejeição; mas agora, na soberana graça do Pai, é o Filho revelando o Pai, e chamando os cansados e oprimidos para a revelação desta graça em Si mesmo. É agora a nova posição. Ele tinha posto o homem à prova. O que Ele era em Si mesmo impedia o homem de O receber. Ora, aqueles que estavam cansados deviam vir Àquele que permanecia assim só, e Ele lhes daria descanso. Deviam aprender com Aquele que assim Se tinha submetido inteiramente; teriam descanso quanto ao mundo e a tudo mais na Terra. E assim é também conosco. Quando nos curvamos inteiramente, entramos como rejeitados, de maneira consciente, na posse dos nossos privilégios sobre um terreno celeste mais elevado.

O primeiro motivo que deu lugar à questão da Sua Pessoa e ao Seu direito de terminar aquela dispensação foi o fato de os discípulos colherem as espigas e as debulharem à mão para saciarem a fome. Os Fariseus repreendiam-nos, porque era em dia de sábado. Jesus lembralhes que o rei, rejeitado pela maldade de Saul, havia participado do pão que só era concedido aos sacerdotes. O Filho de Davi, num caso semelhante, podia muito bem desfrutar de um privilégio análogo.

Além disso Deus estava atuando em graça. Os sacerdotes também profanavam o sábado no serviço do templo; e ali estava Quem era maior do que o templo (versos 5-6). Aliás, se eles tivessem verdadeiramente conhecido os pensamentos de Deus, se tivessem sido imbuídos do espírito que a Sua Palavra declarava ser-Lhe agradável: «Misericórdia quero, e não sacrifício», não teriam condenado a inocentes. De resto, o Filho do homem é Senhor do sábado.

Aqui Jesus já não toma o título de Messias, mas o de Filho do homem — um Nome que dava testemunho da nova ordem de coisas e de um poder mais extenso. Ora, o que o Senhor dizia tinha um grande alcance, porque o sábado era o sinal da aliança entre Jeová e a nação judaica (Ezequiel 20:12-20), e o Filho do homem declarava o Seu poder sobre ele. Se o sábado era tocado, era o fim da aliança.

A mesma questão é levantada na sinagoga; e o Senhor persiste em agir em graça, e em fazer bem, mostrando-lhes que eles fariam a mesma coisa por uma das suas ovelhas.

Mas isto, por grande que fosse a prova do beneficente poder de Jesus, não fez senão excitar o ódio deles. Eram filhos do assassino. Jesus retira-Se do meio deles, e grandes multidões O seguem. Jesus cura-as, recomendando-lhes que O não descobrissem. No entanto, em ludo isto, as suas ações não eram senão o cumprimento de uma profecia que designa claramente a posição do Senhor nesse momento (versos 17 e seguintes). A hora viria em que Ele faria manifestar o julgamento em vitória. Entretanto, Ele guardava uma posição de perfeita humildade em que a graça e a verdade podiam fazer-se valer para aqueles que as apreciavam e delas tinham necessidade. Mas, no exercício desta graça e no Seu testemunho da verdade, Ele nada faria para deturpar este carácter ou para atrair a atenção dos homens tanto que impedisse a Sua verdadeira obra, ou que pudesse sequer suspeitarse de que Ele 'buscava a Sua própria glória. No entanto o Espírito de Deus estava sobre Ele como sendo o Seu Filho bem-amado, em Quem a Sua alma se deleitava; anunciaria o Juízo aos Gentios, e os Gentios confiariam no Seu Nome.

A aplicação desta profecia a Jesus, neste momento, é de toda a evidência. Vemos como Ele Se mantinha reservado com os Judeus, abstendo-Se de satisfazer os desejos carnais deles, e contentando-Se de permanecer na sombra, contanto que Deus, Seu Pai, fosse glorificado. Ele próprio glorificava perfeitamente o Seu Pai na Terra, fazendo o bem. Em breve devia ser anunciado aos Gentios, quer por meio do Juízo de Deus, quer apresentando-Se-lhes como sendo o abjeto da sua confiança (versos 17-21).

Esta passagem de Isaías 42 é evidentemente posta aqui pelo Espírito Santo para desenhar claramente a posição do Senhor, antes de se abrirem as novas cenas que a Sua rejeição nos prepara.

Então o Senhor expulsa um demónio de um homem cego e mudo (versos 22 e seguintes) — triste condição, descrevendo verdadeiramente o estado de espírito do povo acerca de Deus. As multidões, plenas de admiração, exclamam: «Não é este o Filho de Davi?» Mas os religiosos de entre elas, ouvindo isto, invejosos do Senhor e hostis ao testemunho de Deus, declaram que é pelo poder de Belzebu que Jesus faz esse milagre, selando assim o seu próprio estado e colocando-se sob o Juízo definitivo de Deus. Jesus demonstra o absurdo da acusação. Satanás não destruiria o seu próprio reino. Os seus próprios filhos, que tinham a pretensão de fazerem a mesma coisa, julgariam a iniquidade deles. Mas, se não era pelo poder de Satanás (e os Fariseus admitiam que os demónios tinham sido realmente expulsos), era o dedo de Deus, e o reino de Deus estava entre eles.

Aquele que tinha entrado em casa do homem forte para pilhar os seus bens, teve de o manietar antes (verso 29).

A verdade é que a presença de Jesus punha tudo à prova; tudo, da parte de Deus, se concentrava n'Ele. Era o próprio Emanuel que estava ali! Todo aquele que não era por Ele, era contra Ele. Quem com Ele não ajuntava, espalhava.

Tudo agora dependia somente d'Ele. Suportaria toda a incredulidade acerca da Sua Pessoa. A graça podia removê-la, Jesus podia perdoar todo o pecado; mas falar e blasfemar contra o Espírito Santo (quer dizer, reconhecer o exercício de um poder, que é o poder de Deus, c atribuí-lo a Satanás) não poderia ser perdoado; porque os Fariseus reconheciam que o demónio havia sido expulso, e era somente por maldade, por deliberado ódio a Deus que atribuíam o feito a Satanás.

E que perdão podia haver para esta blasfêmia? Não havia nenhum nem na dispensação da lei (1), nem do Messias. A sorte daqueles que assim blasfemavam estava decidida. É o que o Senhor lhes faz compreender.

(1) Note-se esta expressivo. Vemos a maneira como o Espírito Santo passa do tempo presente (então presente para os Judeus, e que em breve devia acabar) para aquele em que o Messias estabeleceria o Seu reino, o «mundo futuro» ou «século futuro». Nós temos uma posição fora de tudo isso, durante a suspensão do estabelecimento público do reino. Os apóstolos apenas o pregaram ou anunciaram; não o estabeleceram. Os seus milagres foram «as virtudes do século futuro» (comparar 1 Pedro 1:11-13). Isto é de grande importância, como veremos em breve. O mesmo se á com a Nova Aliança, de que Paulo era o ministro; e no entanto não a estabeleceu nem com Judá nem com Israel.

O fruto era a prova da natureza da árvore; e o fruto era essencialmente mau. Eram uma raça de víboras.

João tinha-lhes dito a mesma coisa. As suas próprias palavras os condenavam (versos 31-37). Neste comenos os escribas e os fariseus pedem ura sinal (versos 38 e seguintes).

Isto era maldade. Eles tinham visto bastantes milagres.

Não se tratava senão de provocar a incredulidade dos outros.

Este pedido dá ocasião ao Senhor para pronunciar o Julgamento desta geração. Não haveria outro sinal para esta geração perversa senão o do profeta Jonas. Como Jonas esteve três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim estaria o Filho do homem três dias e três noites no seio da terra. Mas, ai! Cristo já então tinha sido rejeitado.

No dia do Juízo-, os Ninivitas condenarão esta geração pelo seu comportamento, porque eles se tinham arrependido com a pregação de Jonas; e um maior do que Jonas ali estava. A rainha do sul de igual modo testificaria contra a maldade desta geração perversa. O seu coração, atraído pela fama da sabedoria de Salomão, tinha-a conduzido a ele desde os confins da terra; e ali estava um maior do que Salomão! Os pobres e ignorantes Gentios compreendiam a sabedoria de Deus na Sua Palavra, quer por intermédio dos profetas, quer por intermédio do rei, melhor do que o Seu povo amado, mesmo quando o Grande Rei e Profeta estivesse lá, no meio dele.

E eis o Julgamento de Deus: o espírito imundo (de idolatria) que havia saído do povo, não achando repouso fora de Israel (Israel, infelizmente, a sua verdadeira casa, enquanto que ela deveria ter sido a casa de Deus), voltaria com sete espíritos piores do que ele.

Encontrariam a casa desocupada, varrida e adornada; e o último estado seria pior do que o primeiro (verso 45). Que solene julgamento do povo este! Aqueles no meio dos quais Jeová tinha andado tornaram-se a habitação de um espírito imundo — duma superabundância de espíritas imundos; não apenas sete (o número completo), mas com estes, que os incitariam à loucura contra Deus e contra aqueles que honravam a Deus, conduzindo-se assim à sua própria destruição, com estes, dizia eu; e outro espírito imundo também, o qual os traria de novo à maldita idolatria de que haviam escapado! O Julgamento de Israel estava pronunciado.

Jesus rompe enfim publicamente os laços que subsistiam entre Si e o povo, segundo a carne (versos 46-50), não aceitando como Seus senão aqueles que eram formados pela Palavra de Deus, e manifestados pelo cumprimento da vontade de Seu Pai, que estava nos céus. Não reconhecia como Seus senão aqueles que eram formados segundo o padrão do sermão da montanha.