CAPÍTULO 19

Este capítulo prossegue o assunto do espírito que convém ao reino dos céus, e penetra profundamente nos princípios que governam a natureza humana e no que era então divinamente introduzido. O Senhor aproximou-Se da Judeia; e uma questão dos Fariseus dá lugar à exposição da Sua doutrina acerca do matrimónio. Deixando a lei dada por causa da dureza dos seus corações, Ele reporta-Se (1) à instituição de Deus, segundo a qual o homem e a mulher se deviam unir, para serem apenas um aos olhos de Deus.

(1) A relação é marcada aqui entre a coisa nova e a natureza, como Deus a tinha formado no princípio, passando por cima da lei, considerada somente como algo de intermediário. Era um novo poder, porque o picado tinha aparecido, mas a Criação de Deus é reconhecida, mostrando inteiramente o estado do coração que não admite a sua fraqueza. O pecado corrompeu o que Deus tinha criado de bom. O poder do Espírito de Deus, que não foi dado pela redenção, coloca o homem e o seu caminho absolutamente fora de todo o estado da carne, e introduz um novo poder divino, pelo qual o homem anda neste mundo, seguindo o exemplo de Cristo. Mas, com isto, temos a mais completa sanção daquilo que o próprio Deus estabeleceu no princípio. Isto é bom, embora pudesse haver algo de melhor. E muito impressionante a maneira como a lei é posta de lado para voltar à primitiva instituição de Deus, o poder espiritual, não retirando inteiramente o coração de toda a cena, embora ele ali andasse. O Senhor reconhece, no casamento, o filho, o carácter do jovem, o que é de Deus e o que é amável na natureza.

Mas o estado do coração do homem é sondado. Isto não depende do carácter, mas dos motivos, e é plenamente posta à prova por Cristo (há uma completa mudança dispensacional, porque eram prometidas riquezas a um Judeu fiel), e por ura Cristo rejeitado — o caminho do Céu — toda a coisa e a prova de toda a coisa, isto é, do coração do homem.

Deus fez o homem íntegro com certas relações de família. O pecado corrompeu completamente essa velha ou primeira Criação do homem.

A vinda fio Espírito Santo trouxe um poder que, no segundo homem, nos transporta da velha para a nova Criação e nos dá as coisas celestes — somente, isto não é ainda quanto ao vaso o corpo. Mas isso não pode negar nem condenar o que Deus criou no princípio. É impossível. No princípio Deus os fez.

Quando chegamos ao estado celeste, tudo Isso desaparece, mas não os fruto que daí provêm por graça. Se um homem, pelo poder do Espírito Santo, tem O dom de o fazer e fica inteiramente celeste, tanto melhor; mas é absolutamente mau falar contra as relações que Deus criou no princípio, ou condená-las, ou minimizá-las, ou denegrir a autoridade que Deus conferiu a tudo isso. Se um homem pode viver santamente acima e fora dessas relações, para servir a Cristo, está muito bem, mas isso é raro e excepciona".

Estabelece, ou antes restabelece o verdadeiro carácter do vínculo indissolúvel do matrimónio. Digo indissolúvel, porque a exceção para o caso de infidelidade não abrange um; a pessoa culpada havia já quebrado o vínculo. O homem e a mulher já não eram uma só carne.

Ao mesmo tempo, se Deus dava a força espiritual para isso, era ainda melhor ficar só (versos 10-12).

O Senhor renova então as Suas instruções acerca das crianças, testemunhando a Sua afeição por elas. Parece-me que Ele o faz aqui relacionando o fato com a ausência de tudo o que liga ao mundo, às suas distrações e às suas concupiscências, e reconhecendo o que é amável, confiante e visivelmente puro na natureza; ao passo que, no capítulo 18, tratava-se do carácter intrínseco do reino.

Depois disto, Jesus mostra (em relação com a introdução do reino na Sua Pessoa) a natureza da dedicação absoluta e do completo sacrifício de todas as coisas para O seguirem, se verdadeiramente procuravam agradar a Deus. O espírito do mundo, as paixões carnais e as riquezas são em todo o sentido opostos a um tal ato. Sem dúvida, a lei de Moisés restringia essas paixões; mas supunha-as e, em certo sentido, suportava-as. Segundo a glória do mundo, uma criança nada valia.

Que poder poderia ela ter nessa glória? Mas ela é preciosa aos olhos do Senhor.

A lei prometia a vida àquele que a observasse. O Senhor torna-a simples e prática nas suas exigências, ou antes recorda essas exigências na sua verdadeira simplicidade.

As riquezas não eram proibidas pela lei; quer dizer, embora as obrigações morais entre homem e homem fossem mantidas pela lei, o que ligava o coração ao mundo não era julgado por ela. Segundo o governo de Deus, a prosperidade ligava-se à obediência à lei, porque ela reconhecia o mundo e reconhecia que o homem vivia nele — e ali o provava. Cristo reconhece isto mesmo; mas os motivos do coração são postos à prova. A lei era espiritual, e o Filho de Deus estava ali.

Encontramos outra vez o que já tínhamos visto, isto é, o homem posto à prova e Deus revelado.

Tudo na natureza da lei é intrínseco e eterno, porque Deus está já revelado. Cristo julga tudo o que corrompe o coração, que atua sobre o seu egoísmo e o separa assim de Deus. «Vende o que tens — diz Ele — e segue-me». Infelizmente o jovem não podia renunciar às suas riquezas, ao seu bem-estar, a si próprio. «É difícil — diz Jesus—entrar um rico no reino dos céus». Isto era evidente: era o reino de Deus, o reino dos céus; o eu, o egoísmo, o mundo não tinham ali nenhum lugar. Os discípulos, não compreendendo que não existe bem algum no homem, espantavam-se de que um homem tão favorecido e tão bem intencionado estivesse ainda longe da salvação. Quem poderia então salvar-se? Revela-se então toda a verdade: É impossível aos homens; eles não podem vencer as concupiscências da carne.

Moralmente, elas são o próprio homem quanto à sua vontade e aos seus afetos. Não se pode branquear um negro nem tirar as manchas da pele a um leopardo: o que eles exibem está na sua própria natureza.

Mas para Deus — bendito seja o Seu Nome — tudo é possível.

Estas instruções acerca das riquezas levam Pedro a perguntar qual seria a porção daqueles que tinham renunciado a tudo. Somos assim reconduzidos à glória do capítulo 17.

Haverá uma regeneração; o estado de coisas será inteiramente renovado sob o domínio do Filho do homem. Nesse tempo, os discípulos sentar-se-ão sobre doze tronos para julgarem as doze tribos de Israel. Eles terão o primeiro lugar na administração do reino terrestre. Cada um, porém, terá o seu próprio lagar; porque, quaisquer que fossem as coisas às quais tinham renunciado por amor de Jesus, receberiam o cêntuplo e a vida eterna. Aliás, a decisão não será estabelecida sobre as aparências, nem segundo o lugar que os homens ocupam no velho sistema, e perante os outros homens. Muitos dos primeiros serão os últimos— e muitos dos últimos serão os primeiros.

Com efeito, era de recear que o coração carnal do homem, num espírito mercenário, não aceitasse um tal encorajamento como forma de recompensa por todo o seu trabalho e por todos os seus sacrifícios, e procurasse fazer de Deus seu devedor.