CAPÍTULO 22

Aqui, o comportamento da nação quanto ao convite da graça é, por sua vez, apresentado. A parábola é, portanto, uma semelhança do reino dos céus. -Deus quer honrar o Seu Filho celebrando as Suas bodas. Em primeiro lugar, os Judeus, já comi dados, são chamados para a festa. Eles não querem vir a ela. Isto foi feito durante a vida de Cristo. Depois, estando tudo preparado, Deus envia de novo os Seus mensageiros para os induzirem a vir. Esta é a mis são dos apóstolos à nação, quando a obra da redenção foi cumprida. Os Judeus desprezam a mensagem ou matam os mensageiros (1).

(1) O desprezo e a violência são as duas formas da. Rejeição do testemunho de Deus, e ás verdadeira testemunha. Eles odeiam um e amam o outro, cu se ligam a um c desprezam o outro.

O resultado é a destruição dos malvados e da sua cidade. Trata-se do julgamento que se abateu sobre Jerusalém.

Devido à recusa de aceitarem o convite, são agora admitidos ao festim os infelizes, os Gentios, os que estavam de fora—e a sala de núpcias fica cheia de convidados.

Mas aqui uma outra coisa se apresenta. Encontrámos, é verdade, o Julgamento de Jerusalém nesta parábola, mas, como é uma semelhança do reino, temos nela também o Julgamento do que se encontra dentro do reino. Cada circunstância tem de estar de harmonia com o seu carácter.

Ora, para uma festa nupcial é preciso um vestido de núpcias.

Se Cristo vai ser glorificado, tudo tem de estar de acordo com a Sua glória. Fede haver uma aparente entrada no reino, uma profissão de Cristandade; mas quem não estiver vestido daquilo que convém às núpcias será lançado fora. Temos de estar revestidos do próprio Cristo. Por outro lado, tudo está preparado — nada é pedido. Os convidados não tinham de levar coisa alguma. O Rei tinha provido a tudo. Alas temos de estar imbuídos do espírito daquilo que é feito. Se houver o pensamento do que é próprio para uma festa nupcial, a necessidade de um vestido de núpcias será evidentemente sentida; caso contrário, a honra do Filho do Rei terá sido esquecida. O coração será estranho à festa; o próprio homem será tratado como estranho pelo Julgamento do Rei, quando tomar conhecimento dos convidados que entraram.

Assim foi também manifestada a graça a Israel — e Israel é julgado por ter recusado o convite do grande Rei para a festa de Seu Filho. E é também julgado o abuso desta graça por parte daqueles que aparentemente aceitaram o convite. A entrada dos Gentios é anunciada. Termina aqui a história do Julgamento de Israel em geral, e do carácter que tomará o reino.

Depois disso (versos 15 e seguintes), as diferentes classes de Judeus são apresentadas, cada uma por sua vez. Primeiro, os Fariseus e os herodianos (quer dizer aqueles que favoreciam a autoridade dos Romanos e aqueles que se lhes opunham) procuravam confundi-Lo nas Suas palavras.

O bendito Salvador responde-lhes com aquela perfeita sabedoria que sempre manifestava em tudo quanto fazia e dizia.

Da parte deles, aquilo não era senão pura maldade, manifestando uma ausência total de consciência. O seu próprio pecado os tinha colocado sob o jugo romano, posição contrária, com efeito, àquela que deveria ser a do povo de Deus na Terra. Assim, e aparentemente, Cristo tinha de Se tornar alvo das suspeitas das autoridades, ou então renunciar à pretensão de ser o Messias e, por consequência, o Libertador. Mas quem havia dado lugar a este dilema? Não era o fruto dos próprios pecados deles? O Senhor mostra-lhes que eles próprios tinham aceitado o jugo. O dinheiro comportava a marca do fato: que dessem, portanto, o dinheiro a quem ele pertencia; e que dessem também — o que eles não faziam — a Deus o que era de Deus. O Senhor deixa-os sob o jugo que eram obrigados a confessar que haviam aceitado.

Lembra-lhes os direitos de Deus, os quais eles tinham esquecido. Tal deveria ter sido o estado de Israel segundo o estabelecimento do poder em Nabucodonosor «uma videira mui larga, de pouca altura» (Ezequiel 17:6).

Vêm a seguir os Saduceus à Sua presença e interrogando a respeito da ressurreição, pensando provar o seu absurdo. Ora, do mesmo modo como o estado da nação havia sido posto em evidência na conversa de Jesus com os Fariseus, também a incredulidade dos Saduceus é aqui demonstrada. Os Saduceus pensavam apenas nas coisas deste mundo, querendo negar a existência de um outro mundo. Mas, por maior que fosse o estado de degradação e de sujeição em que o povo tinha caído, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob não mudava. As promessas feitas aos pais permaneciam inalteráveis, e os pais estavam vivos para delas gozarem mais tarde. Era a Palavra e o poder de Deus que estavam em questão. O Senhor mantinha-os com poder e evidência.

Os Saduceus são reduzidos ao silêncio.

Os doutores da lei, surpreendidos com a Sua resposta, fazem uma pergunta, que dá oportunidade ao Senhor para extrair do conteúdo da lei o que, aos olhos de Deus, é a sua essência, apresentando assim a sua perfeição, e o que — seja qual for o meio por que possa ser alcançada — faz a felicidade dos que andam nela. Apenas a graça se eleva mais alto.

Terminam aqui as interrogações deles. Tudo está julgado e posto à luz a respeito da posição do povo e das seitas de Israel; e o Senhor tem posto diante deles os perfeitos pensamentos de Deus a seu respeito, quer acerca do estado espiritual do povo, quer das Suas promessas ou da substância da lei.

Era agora a vez de Jesus levantar uma questão para fazer sobressair a Sua própria posição. Propõe aos Fariseus conciliarem o título de «Filho de Davi» com o de «Senhor» que o próprio Davi Lhe dera, e isto em relação com a ascensão desse mesmo Cristo para Se assentar à destra de Deus até que os Seus inimigos sejam postos por escabelo de Seus pés, e Ele estabeleça o Seu trono em Sião. Ora, esta era a chave da posição de Cristo nesse momento. Incapazes de Lhe responder, ninguém mais ousou fazer-Lhe perguntas.

Com efeito, se os Judeus tinham podido compreender este Salmo 110, também tinham compreendido todos os desígnios de Deus acerca de Seu Filho no momento em que iam rejeitá-Lo. Isto terminava necessariamente estas conversas, mostrando a verdadeira posição de Cristo, que, embora o Filho de Davi, tem de subir ao Céu para receber o reino, e, enquanto espera por ele, ficar sentado à direita de Deus, de acordo com os direitos da Sua gloriosa Pessoa —-Senhor de Davi, do mesmo modo que Filho de Davi.

Existe um outro ponto interessante que deve ser acentuado aqui.

Nestas conversas e discursos com as diferentes classes dos Judeus, o Senhor revela o estado espiritual deles a respeito das suas relações com Deus, e em seguida a posição que Ele próprio tomou. Em primeiro lugar mostra a posição nacional que eles tinham perante Deus, como sendo responsáveis para com Ele, de acordo com a consciência natural e os privilégios que lhes pertenciam. O resultado seria serem eles cortados e substituídos por outros na vinha do Senhor (capítulo 21:28-46). Em seguida o Senhor expõe a condição deles em relação com a graça do reino, assim como a introdução dos pecadores gentios. Também aqui o resultado é serem cortados e a cidade destruída (1).

(1) Desde o verso 28 do capitulo 21 até ao fim, encontramos a responsabilidade da nação considerada como gozando dos seus antigos privilégios, segundo os quais ela deveria ter produzido freto.

Não o tendo feito, um outro povo a substitui. Mas não é isso a causa do Julgamento que se executava contra Jerusalém, devendo ainda exercer-se de maneira mais terrível, que levará à destruição da cidade. A morte de Jesus, o último daqueles que tinham sido enviados para buscarem fruto, acarreta o julgamento sobre esses assassinos (Mateus 21:31-41). A destruição de Jerusalém é a consequência da rejeição do testemunho ao reino, testemunho enviado para os chamar em graça. Trata-se do início do Julgamento sobre os vinhateiros — os Escribas, os principais sacerdotes e os chefes do povo. O Julgamento executado, por causa da rejeição do testemunho, vai mais longe (verso 7). Uns desprezam a mensagem, os outros maltratam os mensageiros; sendo a graça assim rejeitada, a cidade é queimada e os seus habitantes são cortados (comparar: capítulo 23:36 e ver a profecia histórica em Lucas 21). Esta distinção c mantida em cada um dos três Evangelhos.

Depois os Herodianos, amigos dos Romanos, e os Fariseus, seus inimigos, pretensos amigos de Deus, fazem sobressair a verdadeira posição dos Judeus frente ao poder imperial dos Gentios e perante Deus. Na Sua entrevista com os Saduceus, o Senhor mostra-lhes a certeza das promessas feitas aos pais, e as relações de Deus com eles acerca da vida e da ressurreição. Depois mostra aos Escribas o verdadeiro alcance da lei, e enfim a posição que Ele, o Filho de Davi, tomava, segundo o Salmo 110; posição que se ligava com a Sua rejeição pelos condutores da nação que o rodeava.