CAPÍTULO 13
Os Seus atos e as Suas palavras, a partir deste momento, prestam testemunho da nova obra que Ele estava realmente fazendo sobre a Terra. Deixa (capítulo 13) a casa e senta-Se junto do lago. Toma uma nova posição fora de Israel para anunciar à multidão » que era verdadeiramente a Sua obra. Um semeador saiu para semear.
O Senhor já não procura fruto na Sua vinha. Tinha sido necessário, segundo as relações de Deus com Israel, que o Senhor procurasse esse fruto; mas o Seu verdadeiro serviço, Ele bem o sabia, era, não encontrar fruto entre os homens, mas trazer ao homem o que podia produzir fruto.
É importante notai aqui que o Senhor fala do efeito visível e exterior do Seu trabalho de Semeador. A única ocasião em que Ele exprime o Seu Juízo quanto à causa interior do resultado, é quando diz: «Eles não tinham raiz»; e até mesmo aqui Ele se limita a enunciar o fato.
As doutrinas relativas à operação divina necessária para produzir fruto não são tratadas aqui. É o Semeador que é posto em destaque, assim como o resultado da Sua sementeira; e não o que faz germinar a semente na terra.
Em cada um dos casos, exceto no primeiro, é produzido um certo efeito.
Portanto, o Senhor é-nos apresentado aqui como começando uma obra independente de toda a relação precedente de Deus com os homens, trazendo com Ele a semente da Palavra que semeia no coração por meio do Seu ministério.
Onde ela é compreendida, onde permanece, onde não é pisada nem secada, produz frutos para a glória do Senhor e para felicidade e proveito de todo aquele que a guarda em seu coração.
No verso 11 o Senhor expõe a razão por que faia de modo enigmático à multidão. A distinção e agora definitivamente estabelecida entre o Remanescente e a nação. Esta estava sob o julgamento da cegueira pronunciado pelo profeta Isaías. Bem-aventurados eram os olhos dos discípulos porque viam o Emanuel, o Messias, o objeto das esperanças e dos desejos de tantos profetas e homens justos! Tudo isto mostra o Julgamento, e um Remanescente chamado e separado (1).
(1) Comparar Marcos 4;33-34. Isto aplicava-se a todos, se tinham tido ouvidos para ouvir, mas havia trevas para os homens da vontade própria.
Acrescentarei aqui algumas observações acerca do carácter das pessoas de quem o Senhor fala na parábola. Quando a Palavra é semeada num coração que a não compreende, quando ela não produz nenhuma relação de inteligência, de sentimento ou de consciência entre o coração e Deus, o Inimigo deita-a fora; ela não permanece no coração. Aquele que a ouve não é menos culpado. A semente lançada no coração era adequada a todas as necessidades, à natureza e ao estado espiritual do homem.
A recepção imediata da Palavra com alegria, no caso seguinte, tende antes a demonstrar que o coração não a guardará, porque, nesse caso, é pouco provável que a consciência seja atingida. Uma consciência atingida pela Palavra de Deus torna o homem circunspecto; vê-se a si mesmo na presença de Deus, o que é sempre uma coisa muito séria, qualquer que seja o atrativo da Sua graça ou a esperança que inspira a Sua bondade. Se a consciência não foi atingida, não existe raiz. A Palavra foi recebida pela alegria que ela comunicava; mas quando traz tribulação, é abandonada.
Quando a consciência tem sido já exercitada, o Evangelho produz imediatamente alegria; mas quando assim não é, desperta a consciência, se existe verdadeira obra por ele operada. No primeiro caso, ele responde às necessidades já existentes, satisfazendo-as. No segundo caso, cria essas necessidades. Mas, aí! ... A experiência diária é a triste e melhor explicação da terceira classe! Não há má vontade, há esterilidade.
A verdadeira compreensão da Palavra não é afirmada senão por aqueles que produzem fruto. O verdadeiro entendimento da Palavra põe uma alma em relação com Deus, porque a Palavra revela Deus— exprime o que Ele é. Se a compreendo, conheço-O; e o verdadeiro conhecimento de Deus (quer dizer, do Pai e de Seu Filho Jesus Cristo) é a vida eterna. Ora, qualquer que seja o grau de luz, é sempre Deus assim revelado, cuja -Palavra, semeada por Jesus, dá o conhecimento.
Assim, gerados da Palavra, nós produziremos neste mundo, em diversas medidas, os frutos da vida de Deus. Porque o assunto de que se trata aqui é o feito, neste mundo, da aceitação da verdade trazida por Jesus (não o Céu, nem o que Deus faz no coração para que a semente produza fruto).
Esta parábola não fala, como analogia, do reino, embora a Palavra semeada fosse a do reino, mas do grande princípio elementar do serviço de Cristo na universalidade da sua aplicação; e foi realizado na Sua Pessoa e no Seu serviço, quando Ele estava sobre a Terra, e após a Sua partida, embora mais amplos tópicos de graça pudessem ser então produzidos.
Nas seis parábolas seguintes encontramos semelhanças do reino; e temos de nos lembrar que este reino é estabelecido durante a rejeição do Rei (1); tem, por conseguinte, um carácter particular, quer dizer que é caracterizado pela ausência do Rei. Aliás, na explicação da primeira parábola, encontramos qual é o efeito do Seu regresso.
(1) Note-se aqui une, tendo o capítulo 12 colocado perante nós o julgamento do povo judeu, temos agora o reino tal como ele é durante a ausência do Rei. No capítulo 16 temos a Igreja edificada por Cristo, e nos capítulo 17 temos o reino em glória.
As três primeiras destas seis parábolas apresentam-nos o reino nas suas formas exteriores no mundo. São dirigidas à multidão. As três últimas apresentam o reino segundo a avaliação que dele faz o Espírito Santo, segundo a verdade do carácter deste reino, como é visto por Deus — o pensamento e os desígnios de Deus nesse carácter.
Por isso elas são dirigidas somente aos discípulos. O estabelecimento público do reino segundo a justiça e o poder de Deus é também anunciado aos discípulos na explicação da parábola do joio.
Consideremos primeiramente a forma exterior que devia tornar este reino, publicamente anunciado à multidão. Lembremo-nos de que o Rei, isto é, o Senhor Jesus, estava rejeitado na Terra; que os Judeus se tinham condenado a si próprios, rejeitando-O; que, sendo a Palavra de Deus empregada para cumprir a obra d'Aquele que o Pai tinha enviado, o Senhor fazia assim saber que estabelecia o reino não pelo Seu poder, exercido em Justiça e em Juízo, mas dando testemunho aos corações dos homens; e que o reino assumia agora um carácter ligado com a responsabilidade do homem e com o efeito que se produzia quando a Palavra de luz era lançada na Terra, dirigida aos corações dos homens e confiada como sistema de verdade à sua fidelidade e aos seus cuidados (mantendo, todavia, Deus o Seu direito soberano de preservação dos Seus filhos e da verdade em si mesmo). Esta última parte não constitui o tema destas palavras. Mencionei-o aqui porque, de outro modo, poderia supor-se que tudo dependia absolutamente do homem. Se assim fosse, desgraçadamente, tudo estaria perdido.
A parábola do joio é a primeira na ordem (versos 24-30).
Dá-nos uma ideia geral do efeito das sementeiras quanto ao reino, ou antes, o resultado de o reino ter sido confiado de momento às mãos dos homens.
O resultado foi que este reino já não apresentou, como conjunto, a aparência da própria obra do Senhor. Ele não semeia o joio; mas, pela negligência e pela infidelidade dos homens, o Inimigo encontrou o meio de o semear. Note-se que «o joio» não designa nem os pagãos nem os Judeus, mas sim o mal operado entre os Cristãos por Satanás, por meio de falsas doutrinas, maus doutores e seus sectários.
O Senhor Jesus semeou. Satanás, enquanto os homens dormiam, semeou também! Houve judaizantes, filósofos, heréticos que permaneciam tanto no erro como se opunham à verdade do Antigo Testamento.
No entanto Cristo só tinha semeado boa semente. Alas será necessário arrancar o joio? Ê evidente que o estado do reino neste mundo, durante a ausência de Cristo, depende da resposta a esta questão, e também lança alguma luz sobre este estado. Ora, havia ainda menos poder para introduzir um remédio do que tinha havido para prevenir contra o mal. Tudo teria de permanecer sem remédio até à intervenção do Rei no tempo da ceifado reino dos céus sobre a Terra, tal como se encontra nas mãos dos homens, deve continuar como um sistema mesclado Heréticos, falsos irmãos ali estarão, assim como o fruto da obra do Senhor, que dá testemunho, nesta última relação de Deus com o homem, da incapacidade do homem para conservar no seu primeiro estado o que é bom e puro. Assim tem sido sempre (1).
(1) Pensamento solene este! O primeiro ato do homem foi estragar o que Deus tinha feito e que era inteiramente bom. Foi assim. Com Adão, com Noé, a lei, o sacerdócio de Arão, o filho de Davi, o próprio Nabucodonosor, a Igreja. No tempo de Paulo, todos procuravam os seus- próprios interesses— a não os de Jesus Cristo. Tudo é bom, tudo é melhor e seguro com o Messias.
No tempo da ceifa (expressão que designa um certo espaço de tempo durante o qual terão lugar os acontecimentos relacionadas com a ceifa) — «por ocasião da ceifa», o Senhor ocupar-se-á primeiramente, na Sua providencia, do joio. Digo «na Sua providência», porque emprega os anjos. O joio será atado em molhos, pronto para ser queimado. É preciso notar que as coisas exteriores no mundo constituem o tema aqui tratado —atos que resultam em corrupção, corrupção desenvolvida no meio da Cristandade.
Os servos não são capazes de o fazer. É de tal ordem a mistura ocasionada pela fraqueza e negligência do homem que, arrancando o joio, eles arrancariam também o bom grão. Faltaria não só o discernimento, mas também o poder prático de separação para executarem o seu propósito. Uma vez que o joio existe, os servos nada têm que fazer com ele, quanto à sua presença neste mundo, na Cristandade. O serviço deles aplica-se ao bem. O cuidado de purificar a Cristandade não é da sua competência. É uma obra de Julgamento sobre o que não é de Deus, uma obra que pertence Àquele que sabe e pode executá-la segunda perfeição de um conhecimento que inclui tudo e de um poder ao qual nada escapa; um conhecimento que saberá, de dois que estiverem na mesma cama, tomar um e deixar o outro. A execução do Julgamento sobre os maus neste mundo não pertence aos servos (1) de Cristo. O Senhor cumprirá esse Julgamento por intermédio dos anjos do Seu poder, aos quais confia o cuidado de o executar.
(1) Falo aqui daqueles que tiverem sido Seus servos durante a Sua ausência; porque os anjos são também Seus servos» do mesmo modo que os santos do século futuro.
Depois de ter atado o joio, Ele ajunta o bom grão no Seu celeiro. O trigo não é atado em molhos; o Senhor toma-o todo para Si. Eis, pois, o que tem relação com o aspecto exterior do reino neste mundo. Isto não é tudo o que a parábola nos ensina, mas termina o assunto de que nos fala esta parte do capítulo. Durante a ausência de Jesus, o resultado da Sua sementeira, no seu conjunto, será manchado pela obra do Inimigo. No final, o Senhor atará em molhos toda a obra do Inimigo, isto é, prepará-la-á neste mundo para o Julgamento. Em seguida Ele arrebatará a Igreja. É evidente que com isto termina neste mundo a cena que tem prosseguido durante a Sua ausência. O Julgamento ainda não é executado. Antes de falar dele o Senhor apresenta outros quadros das formas que o reino tomará durante a Sua ausência.
O que tinha sido semeado como um grão de mostarda torna-se numa grande árvore, expressão esta que simboliza um grande poder sobre a Terra. O Assírio, Faraó, Nabucodonosor, são-nos apresentados na Palavra de Deus como grandes árvores (ver Ezequiel 31:3 e seguintes; Ezequiel 17:23-24; Daniel 4:10 e seguintes). Tal devia ser a forma do reino que começava de pequenina pela Palavra semeada pelo Senhor e, mais tarde, pelos Seus discípulos. O que produziria esta semente deveria revestir pouco a pouco a forma de um grande poder, tornandose proeminente na Terra, e sob o qual outros viriam abrigar-se, como pássaros nos ramos de uma árvore. E assim tem sucedido, com efeito.
Em seguida (versos 33 e seguintes), vemos que não só seria uma grande árvore na Terra, mas que o reino seria caracterizado como um sistema de doutrina que se propagaria por si própria — uma profissão que abarcaria tudo aquilo que a sua esfera de influência atingisse.
Seria levedada a totalidade das três medidas. Não é necessário acentuar o fato de que a palavra fermento é sempre empregada nas Escrituras num mau sentido; mas o Espírito Santo quer fazer-nos compreender que não se trata do poder regenerador da Palavra no coração de um indivíduo, trazendo-o de novo a Deus; nem tampouco é simplesmente um poder que atua por força exterior, tal como Faraó, Nabucodonosor e outros apresentados como grandes árvores da Escritura.
Mas é um sistema de doutrina que, penetrando por toda a parte, caracterizará a massa. Não c a f é propriamente dita, nem a vida; é uma religião—é a Cristandade. É a profissão de uma doutrina em corações que não suportam nem Deus, nem a verdade, e se ligam sempre ao estado de corrupção da própria doutrina.
Com esta parábola do fermento o Senhor dá por terminadas as Suas instruções à multidão. Tudo agora lhe é apresentado em parábolas, porque ela não O recebia. Ele, o seu Rei; e Ele falava de coisas que se relacionavam com a Sua rejeição, e de um aspecto do reino desconhecido das revelações do Antigo Testamento, as quais têm vista ou o reino em poder ou um pequeno Remanescente recebendo, no meio de sofrimentos, a palavra do Rei profeta que tinha sido rejeitado.
Depois da parábola do fermento, Jesus não fica junto do mar com a multidão —lugar próprio para a posição em que Ele estava quanto ao povo depois do testemunho dado no final do capítulo 12, e aonde Ele tinha vindo ao deixar a casa. Agora Jesus regressa a casa com os Seus discípulos; e ali, em intimidade com eles, revela-lhes o verdadeiro caráter—o objetivo — do reino dos céus, o resultado do que ali se fazia e os meios que seriam empregados para purificar tudo na Terra, quando a história exterior do reino, durante a Sua ausência, tivesse terminado. Quer dizer, encontramos aqui o que caracteriza o reino para o homem espiritual, o que este compreende como sendo o verdadeiro pensamento de Deus acerca do reino, e o Julgamento que dele tirará o que Lhe era contrário — o exercício de poder que tornará o reino exteriormente conforme ao coração de Deus.
Vimos como a sua história natural terminou com estas duas coisas: o bom grão guardado no celeiro, e o joio atado em molhos sobre a Terra, pronto para ser queimado.
A explicação desta parábola retoma a história do reino nessa época; simplesmente, ela faz-nos compreender e distinguir as diferentes partes do amálgama, atribuindo cada parte ao seu verdadeiro autor. O campo é o mundo (1); a Palavra foi ali semeada para desse modo estabelecer o reino. A boa semente, eram os filhos do reino; pertenciam realmente ao reino segundo os desígnios de Deus; são os seus herdeiros. Os Judeus já o não eram, e a herança já não era um privilégio do nascimento segundo a carne. Tornávamo-nos filhos do reino pela Palavra de Deus. Ora, no meio desses filhos do reino, para estragar a obra do Senhor, o Inimigo introduziu toda a sorte de pessoas, frutos das doutrinas que ele tinha semeado no meio daqueles que tinham nascido da verdade. Tal é a obra de Satanás no lugar onde a doutrina de Cristo foi introduzida. A ceifa é o fim do século (2). Os ceifeiros são os anjos (verso 39).
(1) É evidente que são foi na Igreja que o Senhor começou a semear; ela não existia ainda. De igual modo distingue aqui Israel do mundo; é deste que Ele fala. O Senhor procurava fruto em Israel; semeia no mundo, porque Israel, após todos os Seus cuidados, não dava fruto.
(2) Não o só o momento que o termina, mas também os atos que cumprem os desígnios de Deus ao terminá-lo (sunteleia).
Devemos notar aqui que o Senhor não explica no sentido histórico o que aconteceu, mas os termos empregados introduzem o desfecho quando chega o tempo da ceifa. O cumprimento do acontecimento histórico na parábola é intuitivo; e o Senhor passa adiante, para dar o resultado principal do que era estranho ao reino durante a Sua ausência nas alturas. O bom grão—quer dizer, a Igreja — está no celeiro, e o joio em molhos sobre «a Terra. Ora o Filho do homem tomará tudo o que constitui esses molhos, tudo o que, como mal, ofende Deus no reino, e lança-o no lago de fogo, onde há pranto e ranger de dentes (versos 40-42). Depois deste Julgamento, os justos resplandecerão como Ele próprio, o verdadeiro Sol desse dia de glória — do século vindouro—no reino de seu Pai. Cristo terá recebido o reino do Pai cujos filhos eles eram; e eles resplandecerão nele com Jesus segundo esse carácter.
Encontramos assim, para a multidão, os resultados na Terra das sementeiras divinas e as maquinações do Inimigo—o reino apresentado sob este aspecto; em seguida vemos as associações dos malfeitores ou ímpios, fora da ordem natural, como crescendo no reino; e o arrebatamento da Igreja. Mas, para os Seus discípulos, o Senhor explica tudo o que era necessário para lhes fazer compreender perfeitamente os termos da parábola. Vem em seguida o Julgamento executado pelo Filho do homem sobre os malfeitores, que são lançados no fogo; e a manifestação dos justos na glória estes últimos acontecimentos têm lugar depois de o Senhor ter ressuscitado e posto fim à forma exterior do reino dos céus sobre a Terra, sendo os malfeitores ligados em grupos e os santos arrebatados para o Céu (1).
(1) Note-se também que o reino dos céus está dividido em duas partes: o reino do Filho do homem, e o reino de nosso Pai; os objetos do julgamento naquilo que está submetido a Cristo, e um lugar semelhante ao Seu para filhos perante o Pai.
E agora, tendo explicado a história e os seus resultados em Julgamento e em glória para pleno conhecimento dos Seus discípulos, o Senhor comunica-lhes os pensamentos de Deus acerca do que se passava na Terra enquanto os acontecimentos notórios e terrestres do reino se desenvolviam — coisas que o homem espiritual devia ali discernir. O reino dos céus era para ele, para aquele que compreendesse o propósito de Deus, como um tesouro escondido num campo. Um homem encontra o tesouro, e compra o campo a fim de o possuir. O campo não era o seu objetivo, mas sim o tesouro que nele estava.
Assim Cristo adquiriu o mundo. Ele possui-o de direito. O Seu objetivo é o tesouro nele escondido, o Seu próprio povo, toda a glória da redenção a ele ligada; numa palavra, a Igreja é considerada não na sua beleza moral e, em certo sentido, divina, mas como objeto especial dos desejos e do sacrifício do Senhor — o que o Seu coração tinha achado neste mundo, segundo os planos e propósitos de Deus.
Nesta parábola, trata-se do poderoso atrativo desta «coisa nova» que induz aquele que a encontra a comprar todo o campo, a fim de a possuir.
Os Judeus não eram uma coisa nova; o mundo não tinha nenhum atrativo; mas este novo tesouro induziu Aquele que o tinha descoberto a desfazer-Se de tudo para o obter. Com efeito, Cristo tudo deixou.
Não só Se aniquilou a Si mesmo para nos remir, mas também renunciou a tudo o que Lhe pertencia como homem, como o Messias na Terra, as promessas, os Seus direitos reais, a Sua vida, para tomar posse do mundo, que continha em si este tesouro, o povo que Ele amava.
Na parábola da pérola de grande preço temos a mesma ideia, mas modificada pelas outras (versos 45-46). Um negociante procurava boas pérolas. Ele sabia o que fazia. Tinha gosto, discernimento, conhecimento daquilo que procurava.
Era a notória beleza do tesouro que motivava a sua procura.
Quando encontrou uma pérola que respondia aos seus pensamentos, ele sabe que vale a pena vender tudo para a possuir. Ela é valiosa aos olhos daquele que sabe apreciar o seu valor. Por isso ele compra só a pérola — e nada mais. De igual modo Cristo encontrou na Igreja uma beleza tal e (por causa dessa beleza) um valor que O levam a deixar tudo para a obter. É precisamente o que tem lugar acerca do reino.
Considerando o estado espiritual do homem, até mesmo o dos Judeus, a glória de Deus exigia que tudo fosse abandonado a fim de possuir esta coisa nova; porque nada havia no homem que Cristo pudesse tomar para Si. O Senhor não só encontrava prazer em deixar tudo para possuir esta coisa nova; mas aquilo que o Seu coração procura, aquilo que não encontra em qualquer outra parte, encontrou-o no que Deus lhe deu, no reino. Não comprou outras pérolas. Antes de ter descoberto esta pérola, Ele não tinha nenhum motivo para se desfazer de tudo o que tinha. Mas logo que a viu, tomou uma decisão: abandona tudo por amor dela. O seu valor leva-O a decidir-Se, porque Ele sabe julgar e procura com discernimento.
Não quero dizer que os filhos do reino não sejam influenciados pelo mesmo princípio. Quando temos compreendido o que significa ser filho do reino, deixamos tudo para dele gozarmos, para pertencermos à pérola de grande preço. Mas não compramos algo que não seja o tesouro, para podermos ter mesmo o tesouro; e estamos bem longe de procurarmos belas pérolas antes de termos encontrado a pérola de grande preço. Estas parábolas, no seu pleno alcance, não se aplicam senão a Cristo. O fim em vista com estas parábolas é fazer sobressair o contraste entre o que se fazia então e tudo aquilo que tinha sido feito antes — a saber, as relações do Senhor com os Judeus.
Resta-nos ainda examinar uma das sete parábolas, a da rede lançada ao mar (versos 47-50). Nesta parábola não há a mínima mudança nas pessoas empregadas, quer dizer, na própria parábola. Os mesmos pescadores que lançaram a rede a puxam para a praia e fazem a separação, colocando nos cestos os peixes bons e não ligando importância aos maus. 0 trabalho dos que puxam a rede para a praia consiste em apanhar o peixe bom; e é só depois de terem desembarcado que isso é feito. Fazer a separação é, sem dúvida, o trabalho deles; mas só têm de se preocupar com o peixe bom. Eles conhecem-no bem. Ter peixe bom é o trabalho deles, o objetivo da pesca. Sem dúvida, outros peixes entram na rede e ali são retidas juntamente com os bons; mas eles não são bons. Não é necessário outra opinião. Os pescadores conhecem o bom peixe. Nem todos os peixes são bons. Os bons são postos à parte. Aqueles que não podem ser assim considerados, deixam-nos. Este ato dos pescadores faz parte da própria história do reino dos céus. Não se trata aqui do Julgamento dos maus. 0 peixe mau é deixado na praia, quando os pescadores apanham o bom para os cestos. Não se trata aqui do destino final, nem dos bons nem dos maus. O destino dos bons não é serem postos à parte na praia, nem o dos outros somente o serem deixados lá. Isso é posterior à ação da parábola. E, quanto aos maus, o seu Julgamento não consiste apenas na sua separação dos bons, aos quais tinham sido misturados, mas na sua destruição. A execução do Juízo não faz parte da parábola, nem nesta nem na do joio ou do trigo. Nesta, o joio é atado em molhos e deixado no campo: aqui o peixe mau é lançado fora da rede.
Assim a rede do Evangelho tem sido deitada ao mar das nações e nela têm entrado homens de toda a sorte.
Após essa colheita geral que encheu a rede, os obreiros do Senhor, cuidando dos bons, juntam-nos, separando-os dos maus. Convém notar que isto é uma semelhança do reino. É o carácter que o reino toma, quando o Evangelho tem reunido uma massa de crentes bons e maus. Por fim, quando a rede tiver sido tirada com todas as espécies nela incluídas, os bons são separados, porque são preciosos; os outros são deixados. Os bons são reunidos em diversos vasos. Os santos são reunidos, não pelos -anjos, mas pela obra daqueles que têm trabalhada em Nome do Senhor.
A distinção não é feita por meio do Juízo, mas pelos servos ocupados com os bons.
A execução do Julgamento é um assunto diferente. Os obreiros nada têm a ver com isso. Na consumação do século virão os anjos e separarão os malfeitores de entre os justos — não os bons de entre os restantes, como os pescadores fizeram—e lançá-los-ão no lago de fogo, onde haverá pranto e ranger de dentes (versos 49-50). Não nos é dito aqui que os anjos estão ocupados com os justos.
A tarefa de apanhar para os cestos os peixes bons não pertencia aos anjos, mas sim aos pescadores. Os anjos estão nas duas parábolas ocupados com os maus. O resultado público tinha sido visto, quer durante o período do reino dos céus, quer depois, na parábola do joio.
Não é aqui repetido. A obra que deve ser feita acerca dos justos, quando a rede estiver cheia, é aqui acrescentada. 0 destino dos maus e o dos ímpios é dado uma segunda vez para distinguir o trabalho feito acerca deles da obra feita pelos pescadores, que juntam os bons em diversos vasos, Além disso o destino dos maus é apresentado sob um outro ponto de vista, os justos são deixados no seu lugar, O Julgamento dos ímpios é declarado tanto na parábola do joio como nesta. São lançados lá, onde haverá pranto e ranger de dentes, mas o estado geral do reino é revelado, e os justos resplandecerão como o Sol na parte mais elevada do reino. Aqui fala-se só daquilo que a inteligência compreende, do que a mente espiritual vê; os justos são postos em vasos. Há, na primeira parábola, antes do Julgamento, pelo poder espiritual, uma separação que não existia no estado público geral do reino; havia só o que a providência fizera no campo, e o bom grão é recebido no Céu, Aqui, a separação é efetuada em relação aos bons. Para a inteligência espiritual, este era o ponto principal — e não uma manifestação pública. De fato, o Julgamento será executado somente sobre os maus; os justos serão deixados lá (1).
(1) Em todas as profecias simbólicas e parábolas, a explicação vera depois da parábola o acrescenta fatos; porque o julgamento executado testemunha publicamente daquilo que, no tempo da parábola, pode ser discernido espiritualmente. A parábola pode ser espiritualmente compreendida. O resultado existe; o julgamento o mostrará publicam ente, de modo que, na explicação, devemos sempre ir além da parábola. O julgamento explica o que não 6 compreendido antes senão espiritualmente, e introduz uma nova ordem de coisas (comparar Daniel 7).
Na explicação da segunda parábola trata-se, no caso do joio, do Julgamento absoluto e final, que destrói e consome o que resta no campo e que tinha sido já junto e providencialmente separado do bom grão. Os anjos são enviados no fim, não para separarem o joio do trigo (o que já tinha sido feito), mas para lançarem o joio no fogo, purificando desse modo o reino. Na explicação da parábola dos peixes (verso 49) é feita a escolha. Haverá justos sobre a Terra, e os maus serão separados deles. O ensino prático desta parábola é a separação dos bons de entre os maus, e o ajuntamento em grupo de um grande número dos primeiros.
Isto repete-se mais de uma vez, sendo muitos dos bons reunidos em grupo também algures. Os servos do Senhor são os instrumentos empregados no que tem lugar na própria parábola.
Estas parábolas compreendem coisas novas e velhas, como lemos nos versos 51 e 52. A doutrina do reino, por exemplo, era uma doutrina bem conhecida. Que o reino tomaria as formas descritas pelo Senhor, que abrangeria todo o mundo sem distinção, que a existência do povo de Deus derivaria não de Abraão, mas sim da Palavra de Deus — tudo isto era completamente novo. Tudo era obra de Deus. 0 escriba tinha conhecimento do reino, mas ignorava inteiramente o carácter que ele tomaria como reino dos céus estabelecido pela Palavra de Deus neste mundo, da qual tudo depende aqui.
Em seguida o Senhor (versos 53 e seguintes) retoma os Seus trabalhos entre os Judeus (1).
(1) Os capítulos que se seguem são deveras Impressionantes no seu carácter. A pessoa de Cristo, como o Jeová do Salmo 132, é introduzida, mas Israel é rejeitado e os discípulos deixados sós enquanto Jesus ora no monte. Depois volta, reagrupa os Seus discípulos, e a região de Genesaré reconhece-O. Temos então, no capítulo 15, a descrição moral completa do terreno sobre o qual Israel permanecia realmente e deve permanecer; mas vai-se muito mais longe quanto ao coração do homem. Em seguida encontramos o que Deus é, revelado em graça à fé, mesmo quando esta se encontra num. Gentio. Historicamente. Ele reconhece ainda. Israel, mas em perfeição divina; agora, está num poder administrativo humano. No capítulo 16 a Igreja é então profeticamente introduzida, e, no capítulo 17, está em vista o reino de glória. No capítulo 16 é-lhes proibido dizer que Ele é o Cristo. Acabou-se.
Para eles, Jesus era apenas «o filho do carpinteiro»; conheciam a Sua família segundo a carne, O reino dos céus não existia aos seus olhos.
A revelação deste reino foi feita algures, noutra passagem da Escritura, onde o conhecimento das coisas divinas foi comunicado. Os Judeus nada viam para além daquelas coisas que o coração natural podia perceber. A benção do Senhor era impedida pela incredulidade deles. Jesus era rejeitado por Israel como profeta do mesmo modo que como Rei.